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Paulo Sampaio

Justiça trata caso de mulher trans morta a pauladas em SP como feminicídio

Paulo Sampaio

14/05/2019 10h57

Selfie, dias antes de ser morta (Foto: Arquivo Pessoal)

O juiz Luiz Felipe Vizotto Gomes, do 1º Tribunal do Júri de SP, aceitou na segunda-feira (13) a denúncia feita pelo Ministério Público contra Jonatas Araújo dos Santos, 25 anos, acusado de matar a pauladas a mulher trans Larissa Rodrigues da Silva, 21, no sábado (4), em São Paulo. No documento, o MP-SP citou como qualificadora o feminicídio —  além de meio cruel e recurso que impediu a defesa da vítima.

O promotor Romeu Galiano Zanelli Jr. lembra que o feminicídio é caracterizado por violência doméstica, menosprezo ou discriminação à condição de mulher. "Larissa havia adotado identidade de gênero feminina", diz ele. "Providenciou  retificação em seu registro de nascimento e, antes disso, já era conhecida e tratada socialmente como mulher por familiares, amigos e pessoas de seu convívio."

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Mesmo sem cirurgia

Desde agosto do ano passado, os transgêneros passaram a ter o direito de alterar o nome e o gênero no registro civil diretamente no cartório — sem necessidade de fazer a cirurgia de redesignação de sexo ou de autorização judicial.

O provimento 73 da CNJ (Corregedoria Nacional da Justiça) regulamentou uma decisão tomada em março de 2018 pelo STF (Supremo Tribunal Federal). Na ocasião, seis ministros votaram a favor do direito de mudar o nome e o gênero no registro, incluindo a então presidente do supremo, Carmen Lúcia. Foram votos vencidos o relator, Marco Aurélio Mello, e os ministros Alexandre Moraes, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes.

Direito constitucional

Para o promotor, "se o STF protege os transgêneros no direito civil, é justo que se faça o mesmo no direito penal". "Ao acolher a denúncia, o juiz deu um grande passo no sentido de conceder a essas pessoas um direito que, aliás, é constitucional."

A proposta inicial da lei 13.104/2015 — criada para incluir o feminicídio no rol dos crimes hediondos —  citava o homicídio praticado contra a mulher "por razões de gênero". Mas a bancada evangélica pressionou os legisladores para que a palavra "gênero" fosse substituída por "sexo feminino", e assim não houvesse possibilidade de a lei contemplar transexuais. A bancada feminina acabou aceitando a mudança para viabilizar a aprovação do projeto.

Como, onde, por quê?

O crime ocorreu por volta das 22h, na altura do número 508 da Alameda dos Tacaúnas, no Planalto Paulista, zona sul de SP, local onde Larissa costumava fazer programa. Segundo a polícia, ela estava na calçada com uma colega, Karla, quando Jonatas parou o carro e passou a discutir com as duas, afirmando, sem dar mais detalhes, que havia sido roubado.

De acordo com as investigações, elas disseram que não tinham ideia do que ele estava falando e que nem o conheciam. Jonatas então teria deixado o local, mas voltado minutos depois. Desta vez, munido de um pedaço de pau de cerca de um metro, com o qual, segundo uma testemunha, golpeou Larissa na cabeça seguidas vezes. Ela ainda quis fugir, atravessando a rua, mas ele a alcançou e a atingiu com mais pauladas, até derrubá-la na calçada do outro lado.

Na sequência, o agressor teria tentado ir atrás de Karla, mas acabou desistindo. Entrou no carro e fugiu. Larissa ainda foi levada ao Hospital Municipal Doutor Arthur Ribeiro Saboya, mas já chegou morta, vítima de politraumatismo no tórax e no crânio. O corpo foi transportado na segunda-feira (6) para Fortaleza (CE), cidade natal dela.

Jonatas Rodrigues dos Santos se apresentou na delegacia dois dias depois, afirmando que agiu em legítima defesa (Foto: Facebook/Reprodução)

Legítima defesa

No mesmo dia, Jonatas se apresentou no 27º DP (Distrito Policial) e disse que matou Larissa em legítima defesa. Ficou preso provisoriamente (por tempo determinado), mas há três dias foi encaminhado à prisão preventiva (por tempo indeterminado). Sua defesa pediu ontem a revogação da prisão, mas o juiz indeferiu. Alegou que nada de novo — e que justificasse a liberdade — havia acontecido.

Sobre o autor

Nascido no Rio de Janeiro em 1963, Paulo Sampaio mudou-se para São Paulo aos 23 anos, trabalhou nos jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo, nas revistas Elle, Veja, J.P e Poder. Durante os 15 anos em que trabalhou na Folha, tornou-se especialista em cobertura social, com a publicação de matérias de comportamento e entrevistas com artistas, políticos, celebridades, atletas e madames.