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Paulo Sampaio

Em evento imobiliário, eleitor de Bolsonaro fala em se mudar para Portugal

Paulo Sampaio

12/06/2019 04h34

Foto: Reprodução

"Isso aqui tá uma merda", desabafa o funcionário público Mauro R. (ele prefere não se identificar), 58 anos, referindo-se ao Brasil.  Mauro está em um evento que uma empresa portuguesa promoveu na semana passada, em um hotel cinco estrelas de São Paulo, para vender empreendimentos imobiliários no Algarve — extremo sul do país. Atualmente, o aposentado mora em Moema, na zona sul de SP, onde o valor médio do metro quadrado construído é R$ 11.062,00, de acordo com o portal Imovelweb.

Eleitor de Jair Bolsonaro, ele não culpa o presidente pela "merda" em que o país se encontra. "O problema do brasileiro é endêmico, a corrupção e a bandidagem estão entranhados na alma do povo", acredita ele, que é aposentado desde os 48 anos. "Não vou investir meu capital aqui. Quero sair, e só volto quando o Brasil tiver a cara do Kim Kataguiri, da Tabata Amaral, e do deputado cego (Felipe Ragoni)."

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Só as vantagens

Uma corretora portuguesa e uma francesa radicada no Rio apresentam as vantagens de investir no Algarve, mais especificamente em três cidades da região, Faro, Albufeira e Portimão. A dupla mostra um mapa, passa filmes de praias paradisíacas e vilarejos encantadores, faz comparações das taxas e impostos (para mostrar que a vida lá é incomparavelmente mais barata), "sem contar a segurança, a proximidade do resto da Europa, a saúde gratuita…": "Para quem vai com os filhos, a região dispõe de universidades da melhor qualidade", diz Lucy Gomes.

Os imóveis oferecidos têm preços que variam de 330 mil euros (cerca de R$ 1.435 milhão) a 540 mil euros (R$ 2.349 milhões). Uma casa de três quartos, com 170 metros quadrados, é vendida por 435 mil euros (R$ 1.829 milhão). As duas corretoras explicam que, caso o investidor não possua o passaporte europeu, o governo português disponibiliza um plano chamado "golden visa". Para participar, o interessado precisa investir no mínimo 500 mil euros (por volta de R$ 2.700 milhões) em imóveis.  "O senhores podem gastar esse montante em um imóvel só, ou comprar dois. Em 6 anos, é possível ganhar a cidadania. É claro, se tudo correr bem…", diz Rosa Lourenço.

As corretoras mostram gráficos de investimentos e imagens de praias paradisíacas e vilarejos encantadores (Foto: Paulo Sampaio/UOL)

Merece o impeachment

O advogado aposentado Marcio Freitas, 75, já pensava em comprar algo fora do Brasil antes mesmo de votar em Jair Bolsonaro, a quem considera "um imbecil": "Sabia que ele era fraco, votei contra o PT. Mas não imaginava que fosse tão incompetente. Merece o impeachment. Aliás, deveria ser cassado pelo Código Civil."

Ex-advogado de banco, Freitas conta que também trabalhava na Prefeitura, como procurador concursado, três horas por dia: "Era uma beleza, um sistema muito mais inteligente. Eu analisava pareceres, uma tarefa que podia ser feita na própria Prefeitura, em casa, ou no banheiro —  porque a gente pensa com a cabeça, não com a bunda".

Estradas espetaculares

Freitas foi ao evento imobiliário do Algarve porque está atrás de um lugar para fugir de São Paulo no inverno, quando sua saúde sofre com a inversão térmica. "Minha pressão sobe, é terrível."

Por que não comprar um imóvel no nordeste do Brasil, que é bem mais perto e pode sair mais em conta?

"Ah, é completamente diferente. Em Portugal você está na Europa, um lugar civilizado, seguro. Você já esteve lá? As estradas são espetaculares."

O aposentado diz que  só precisa se adaptar "à lógica dos portugueses". "É  um pouco 'concreta"', acredita. "Uma vez eu estava desembarcando do metrô, em Lisboa, e perguntei a um sujeito a direção da Rua Augusta. Ele apontou para o alto e disse: 'Está acima.' Claro que estava. Mas eu queria saber qual das saídas eu deveria tomar para chegar a ela."

Quase arrependido

Apesar de fazer uma careta de pessimismo, o empresário Edson Pavão, 51, diz que não está "desistindo" do Brasil. "Ainda não deu para me arrepender de ter votado no Bolsonaro", diz ele, que é proprietário de dois hotéis no litoral norte de São Paulo. Pavão e a mulher, Renata, 44, foram ao evento imobiliário do Algarve porque querem experimentar viver lá — sem deixar os negócios daqui.

"É outra cultura. Pensamos na qualidade de vida, na saúde e na educação a custo zero", diz ele, que tem passaporte europeu e não precisaria lançar mão de um programa como o "golden visa".

Negação da negação

Para evitar surpresas, o funcionário público Luiz Octavio Tormes, 53 anos, casado, dois filhos, visitou oito vezes Portugal. "Queria conhecer bem", diz. Tormes é chefe de cozinha no Tribunal de Justiça de SP, mas explica que, "como o cargo não existe", assinaram sua carteira de trabalho como "supervisor de serviço". "A copa dos juízes e desembargadores é mantida com dinheiro do Estado, mas os insumos eles é que bancam. É um conforto que eles preferem pagar, para não perder tempo almoçando fora."

O chef acredita que consegue se aposentar antes de a reforma da Previdência ser aprovada. "Tenho 33 anos e meio de contribuição. Falta um ano e meio." Ele já decidiu: "Vou embora do Brasil. Aqui eu não invisto de jeito nenhum. Não preciso dizer por quê."

Tormes conta que a mulher é advogada, "esquerdista roxa", e o filho mais velho também ("ele faz parte do movimento negação da negação"). "Eu preferi me abster, não votei em ninguém, para não criar briga. Sou motoqueiro, abutre, quero abrir um negócio fora, talvez no Algarve mesmo, quem sabe uma tasquinha, e ficar por lá."

Tudo de bom

Ao final do evento, duas representantes de instituições financeiras portuguesas conectadas com o Brasil apresentam as facilidades para abertura de conta e depósito em dinheiro lá ("Ninguém precisa ir até Portugal!"). O pagamento do imóvel é facilitado, feito em três vezes, e a taxa de juros anual oscila entre 1% e 3,5%. Tudo muito fácil, nenhuma surpresa no meio da obra ("em Portugal, nós trabalhamos na base da confiança"), só notícia boa.

Na vida real, em São Paulo, faz uma quinta-feira fria e cinzenta, o trânsito permanece completamente parado e o noticiário está repleto de escândalos. O sonho (não só com o Algarve) parece ser mesmo a saída mais atraente. Os corretores nadam de braçada. Os potenciais clientes dos empreendimentos deixam o hotel com a expressão de quem vive um alegre episódio de sonambulismo .

 

 

 

Sobre o autor

Nascido no Rio de Janeiro em 1963, Paulo Sampaio mudou-se para São Paulo aos 23 anos, trabalhou nos jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo, nas revistas Elle, Veja, J.P e Poder. Durante os 15 anos em que trabalhou na Folha, tornou-se especialista em cobertura social, com a publicação de matérias de comportamento e entrevistas com artistas, políticos, celebridades, atletas e madames.