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Paulo Sampaio

Site de lutadores tem machos que se desafiam para corpo a corpo erótico

Paulo Sampaio

15/09/2019 04h00

É coisa pra macho que curte macho. Boa parte dos lutadores reunidos no site de relacionamento Meetfighters, que agrega quase 20 mil membros em nove países, busca embates que acabam evoluindo para a chamada broderagem (sacanagem entre brothers). Depois do "match" (escolha mútua), marca-se um encontro, nos moldes dos aplicativos de relacionamento. Usando sunga, maiô estilo greco-romano ou cueca, os combatentes mais empolgados chegam ao fim do resfolegante rala e rola sem nenhuma peça.

Assim como a comunidade dos g0ys, formada por homens que transam com homens mas não se consideram gays, os entusiastas do corpo a corpo homoerótico não chegam à penetração. Seria "deixar claro demais" uma tendência não assumida. Pode acontecer, aí sim, de se estipular antes do embate qual será o prêmio do vencedor. "É aí que a porca torce o rabo", diz o engenheiro Marcio, 37 anos, há dois inscrito no Meetfighters. "Mas ninguém é obrigado a aceitar nada. Quem diz que topa, é porque gosta…"

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Boa parte dos combatentes chegam ao fim do rala e rola sem roupa (istock)

Não é força, é jeito

Além da recompensa, diz Marcio, é possível estabelecer também até onde a luta pode chegar. "O cara adianta: 'Gosto de ser pisado no peito'. Aí, o outro diz: 'E eu, de levar raspagem tesourada (espécie de chave de coxas)'." Segundo o engenheiro, ainda que desperte o fetiche da virilidade, o combate dos fighters envolve mais resistência do que força.

"Na maioria das vezes, os adversários se excitam com golpes leves de jiu-jitsu, como pegada pelas costas e montada (estilo cavalinho), além de todo tipo de roça, roça entre sungas e cuecas. Alguns combatentes chegam ao orgasmo sem tirar nenhuma peça, apenas com o 'atrito' entre lycras", afirma Marcio, que, segundo seus cálculos, já enfrentou quatro adversários.

Nada de intimidade

O administrador Leonardo, 32, que ingressou na rede há um ano, conta que foi convidado por um lutador profissional para assistir ao combate dele com um adversário desconhecido — ambos cadastrados na rede. Nada aconteceu, em termos sexuais.  "Eu assisti os dois, curti, mas eles não chegaram a algo mais explícito, embora os golpes já fossem bastante sugestivos."

Posteriormente, o lutador desafiou Leonardo. Ele baixa o tom da voz: "Aí, rolou."

Foi bom? "Muito", diz o administrador, enquanto mostra uma foto do abdômen  tanquinho do adversário.

Voltaram a lutar? "Não. Eu não gosto de intimidade."

Além dos limites

Também na mesa está o advogado Fernando, 42, inscrito há seis meses e com três embates contabilizados, e o estudante Artur, 24 anos, mais de trinta. Fernando explica que, dependendo do grau de timidez do combatente, pode haver um constrangimento em relação a repetir a luta com o mesmo adversário: "Às vezes, a broderagem extrapola o que seria aceitável entre machos", diz.

Fernando é conhecido de Marcio, do site, mas não chegou a se atracar com ele. Seu primeiro adversário foi um homem de 59 anos, "coroa mas inteirão". "Ele é casado, tem três filhos, dois netos e foi muito bom. A vantagem de lidar com os maduros é que eles são mais bem resolvidos. Tanto que, nesse caso, houve repeteco. Ele era meu vizinho. Só não nos encontramos mais porque ele se mudou para Teresópolis, na serra fluminense."

Gay é bi, bi é hétero

Artur diz que soube do Meetfighters em uma viagem, por meio de um aplicativo em que os usuários postam hashtags com palavras de interesse. "Tinha um cara que postou  #fight e # jiu-jítsu, e aí eu o chamei para conversar. Foi ele quem me falou do site", lembra o estudante.

Embora tenha enfrentado quem estivesse "disposto apenas a  lutar", Artur diz que isso é "minoria absoluta". Pela experiência dele, a maior parte dos membros é homossexual ou bissexual.

Marcio confirma, com um adendo: "Quem é gay se diz bi, e quem é bi se apresenta como hétero." De acordo com os quatro, o site tem um princípio estético heteronormativo. É  fundamental manter a fantasia de que os lutadores, por mais que se empolguem com o homoerotismo, não querem envolvimento com homens.

Frequência feminina

Por outro lado, não se encontram mulheres com facilidade entre os usuários — embora os quatro afirmem que elas existem. Nenhum deles parece ter interesse em enfrentar adversárias. "Tem gente que diz que já lutou com mulher", diz, de modo vago, Fernando.
Com a ajuda dos entrevistados, o blog se inscreveu no Meetfighters para poder navegar e entender. Desde a primeira página, percebeu que se trata de uma rede essencialmente masculina. Ao contrário do que podia se esperar, não encontrou na home nenhuma celebridade das artes marciais.

Beijo, não!

Os entrevistados reagem indignados, como se tivessem xingado a mãe deles, quando se pergunta se os combatentes se beijam durante a luta: "Nããããoo!", dizem. Seria um "sinal de carinho" repudiado entre machos de raiz. O máximo de contato de saliva que se pode esperar é uma cusparada sórdida no rosto.

"Masturbação e sexo oral, tudo bem", diz Leonardo. "Mas também não dá para esperar que aconteça." Pelo que eles dizem, o que vai haver em termos de contato físico depende muito do comportamento dos lutadores. "De repente, você se vê com a cara na sunga do cara, e ele está excitado. Aí, a resistência psicológica conta muito. Entende o conceito de vencedor?", pergunta o administrador de empresas.

Tabefe na cara

Cabe ao vencedor levar o outro a suplicar para que afrouxe o golpe — ou peça "mais". "Eu já levei um tabefe na cara", conta Marcio. "Eu já saí todo arranhado", diz Leonardo. "O pior foi chegar em casa daquele jeito."

O resultado da luta, assim como seu andamento e o prêmio, pode ser negociado anteriormente, de acordo com a preferência dos combatentes. No linguajar dos fighters, o lutador que gosta de vencer é chamado de "heel" (nenhuma associação com 'high heel', salto alto; o sentido aqui é de jugo, submissão); o que prefere perder é o "jobber" (ou loser). O próprio Marcio, que mede 1,70m e pesa 55kg, já lutou com um adversário parrudão que disse a ele que gostava dos "mais fraquinhos".

Beliscão no mamilo

Entre os fetiches mais comuns estão beliscões nos mamilos, esmagamento leve de  testículos (com as mãos), lambidas na axila suada e "sentadas" no rosto — até o limite do sufocamento. "Não é para machucar de verdade", repetem.

Em uma de suas experiências mais insólitas, Marcio lutou com um oponente que se dizia "massagista de sauna gay e testemunha de Jeová". "A parte da sauna era meramente profissional, segundo ele dizia. E a religião o impedia de fazer sexo com homens", conta.

O jeito foi lutar.

Ficha técnica

Ao criar o perfil, o interessado preenche alguns campos com informações pessoais — idade, peso, altura, cidade/país de residência e orientação sexual (opcional); no lado oposto, descreve suas habilidades como lutador (ainda que não tenha nenhuma: não há preconceito), interesses no esporte e fetiches.

A faixa etária média dos frequentadores é 41 anos; a altura, 1,78 cm; e o peso, 83kg. 

Para quem não quer mais do que um cadastro básico e não faz questão de outros serviços, o acesso é gratuito. Caso o interessado deseje ir além e obter informações extras e notificações, é preciso fazer uma "doação". O valor vai de cada um. Todos podem postar fotos de corpo inteiro, em trajes sumários (sunga, colante greco-romano, cuecas e jockstraps) ou mesmo nus.

Vai que…

Leonardo avisa em seu perfil que não sabe lutar — a fim de não ser acusado de embusteiro e evitar decepções. Marcio afirma que sempre gostou de artes marciais, "desde a infância". Fernando diz que fez jiu-jítsu "por um tempo". Artur argumenta que, "como nada ali é de verdade", ele deixa "no ar" suas habilidades. "Depende muito do adversário. Se você for musculoso, já tem um plus."

De acordo com Márcio, alguns acham importante deixar claro no perfil que não querem "envolvimento sexual". Isso leva à pergunta: por que, então, eles não procuram uma academia? Segundo Fernando, a intenção destes pode ser  "aumentar a expectativa a respeito do combate e valorizar o 'efeito surpresa', caso eles mudem de ideia. Vai que…"

Cada lutador recebe do adversário uma avaliação pós-combate, mais ou menos como no site de aluguel de imóveis e acomodações AirBnb, onde o hóspede deixa um pequeno relato sobre sua estadia, a título de referência.

Ranking mundial

O blog tentou entrar em contato com os administradores do Meetfighters, mas não obteve resposta. As informações de números contidas neste texto estão disponíveis no site. Entre os países com mais usuários estão os Estados Unidos, com  6.343, Reino Unido (Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte), com 2.439, e a Alemanha (1.418).

O Brasil é o oitavo da lista, abaixo da França, Canadá, Itália e Espanha. Possui cerca de 440 membros  — a maioria de São Paulo (180) e do Rio (120).

À pergunta sobre a origem da rede, feita entre os membros, um deles respondeu que foi criado na Hungria e que logo se disseminou pelo mundo todo.

*As identidades dos lutadores citados no texto foram preservadas, bem como seus apelidos no site.

Sobre o autor

Nascido no Rio de Janeiro em 1963, Paulo Sampaio mudou-se para São Paulo aos 23 anos, trabalhou nos jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo, nas revistas Elle, Veja, J.P e Poder. Durante os 15 anos em que trabalhou na Folha, tornou-se especialista em cobertura social, com a publicação de matérias de comportamento e entrevistas com artistas, políticos, celebridades, atletas e madames.