Famosas revelam transtorno alimentar em feira de nutrição esportiva
Paulo Sampaio
22/04/2017 11h28
Uma fila de visitantes da feira de nutrição esportiva "Arnold Classic South América" aguarda para fazer fotos ao lado da modelo Juju Salimeni, 30 anos, que posa no estande de uma empresa de suplementação alimentar. Ex-panicat, ex-Legendários, ex-musa da escola de samba Unidos da Tijuca, Juju usa um vestido preto colado no corpo que ressalta sua silhueta turbinada. Ela tem 1,70m, 72kg, 106 de quadril, 69 de coxas e 330 ml de silicone em cada seio. Apesar das formas avantajadas, afirma que nunca está satisfeita com seu próprio tamanho. Revela que sofre de vigorexia, transtorno psicológico que leva seu portador a achar que está sempre "pequeno". "Eu fui muito magra, não gostava. Queria ser forte", lembra. Os organizadores da feira, que começou ontem e vai até amanhã, esperam atrair um público de 80 mil pessoas.
Vigorexia: Juju Salimeni come 1kg de carne e 20 ovos por dia, mas ainda não está satisfeita com o próprio tamanho; quer ser maior (Foto:Junior Lago/UOL)
Superlativo e Grandioso
Para quem não pertence ao mundo dos aumentados, a impressão que se tem na Arnold é que a vigorexia tomou proporções epidêmicas. "Tudo aqui está se tornando superlativo e grandioso", disse o criador do evento, o ator e ex-governador da Califórnia Arnold Schwarzenegger, que tem 1,87 m de altura e é, ele mesmo, uma criatura superdimensionada. Ex-fisiculturista, seu peito chegou a medir 144cm (dava pra competir com o de Juju); suas coxas, 72 cm, e as panturrilhas, 55cm. Todos ficaram maravilhados com a simpatia do dono da feira que, em sua versão brasileira, promete gerar R$ 100 milhões em negócios.
Na entrevista coletiva que concedeu para mais de 100 jornalistas, Schwarzenegger se disse encantado com São Paulo. Até a quarta edição, realizada no ano passado, a Arnold era no Rio. "O que eu gosto mesmo de fazer é conhecer as cidades pedalando. Não vejo a hora de pegar uma bicicleta e andar por São Paulo", disse. Alguém ali ao lado murmurou que, mesmo para um ser superlativo e grandioso como Schwarzenegger, pedalar em SP pode ser um programa arriscado.
Uma Franga
Em um estande particularmente movimentado, a modelo Vivi Sanches, 32, assistente de palco no programa de Sabrina Sato, parece tristonha. "Hoje eu sou uma franga", acha. Com 174m de altura, 52kg, ela diz que está "muito menor" do que gostaria. Na época em que tomava esteróides e tinha como ídolo a modelo fitness Gracyanne Barbosa, Vivi era muito mais feliz. "Se pudesse, seria como ela. Mas comecei a ter varizes, tive de parar." A suspeita se confirma: "Sim, sou vigoréxica."
Vivi Sanches fez uma "dieta super-louca", mas queria estar melhor preparada (Foto: Junior Lago/UOL)
Porém, seu assessor explica que agora ela está em uma fase mais slim, por conta do trabalho. Diz que, inclusive, se preparou para a Arnold com uma "dieta super-louca". Vivi conta: "Tomei diurético durante três dias e parei de beber água 24horas antes do evento. Não dava para fazer mais do que isso, eu correria risco de desidratação", explica.
Muita Porrada
Cinquenta metros adiante, o DJ Myrrha, 37, toca uma batida que tem o sintomático nome de "Intoxicated". Mais de cem pessoas aguardam para posar entre o músico Leo Stronda, que tem uma banda com o seu nome, e o fisiculturista Bruno Moraes. "A trilha aqui tem de ser explosiva, muita porrada!!", diz Myrrha, com a delicadeza que permeia todo o evento.
Um apresentador anuncia: "Demorou um pouquinho, mas chegou o grande momento!" E então, Stronda e Bruno surgem no pequeno palco onde posarão com os fãs. O primeiro levanta os braços flexionados, expõe os bíceps e produz sua expressão mais malvada. Com o rosto avermelhado, as veias do pescoço saltando e os bíceps de 50cm impedindo que ele abaixe completamente os braços, Stronda grita que aquele é o estande da "maior farmácia de manipulação do Brasil". E urra: "Tu fica um monstro porrraaaa!" Cada visitante da feira pagava R$ 200 para entrar, ou, com carteirinha de estudante, R$ 100. Stronda e Bruno vestem camiseta regatas e óculos de sol grandes, e, ao posar com os fãs, esticam os dedos polegar e indicador em forma de pistola. Com a "mulherada", eles fazem o tipo rústico-manso: até sorriem para elas.
Leo Stronda e Bruno Moraes posam com uma fã. "Um monstro, porra!" (Foto: Junior Lago/UOL)
Boneco Fitness
No setor de imprensa, o empresário Michel Kahol, 40, exibe os vencedores do "Concurso Garoto e Garota Fitness 2017", que ele mesmo criou: "Levanta a camisa!", diz ele para o vencedor, Allan Baela, 25, que o obedece mecanicamente. Kahol belisca e puxa a pele do abdômen sarado de Baella, que a essa altura está mais para boneco fitness. Thaís Guerra, 24, a garota vencedora, tenta explicar que "o concurso visa a mostrar as pessoas que são do meio fitness…", mas é interrompida por Kahol, que continua: "São analisados os quesitos beleza, forma física, simpatia e carisma…O concurso revelou a Solange Frazão em 1993…é o maior concurso de beleza, bem estar, saúde…não tem bola…olha…você vai dar um furo, ninguém sabe que eles dois ganharam!..Esse é o namorado da Thaís (aponta o jogador de basquete Leonardo Oliveira, 29, 1,87m, 96kg, do XV de Piracicaba). Ele não participou porque achou que não tinha chances…(todos riem: hauahauha)"
Concurso Garoto e Garota Fitness: sem bola (Foto: Junior Lago/UOL)
Reles Mortal
A poucos metros dali, o campeão de luta de braço Paulo Mórbio, 34, ("Não vai colocar mórbido, hein, ahaha") acaba de ganhar mais uma disputa. Pelas contas de Mórbio, já foram 100. A marca de suplementação alimentar que o contratou oferece R$ 12 mil a quem derrotá-lo. Ele estima que enfrentará cerca de mil braços até o final do evento. "Meu maior objetivo aqui é tentar popularizar a luta de braço. Fazer o que o Arnold (Schwarzenegger) fez com fisiculturismo. Não tô me comparando a ele, pelo amor de Deus, sou um reles mortal." Em seguida, diz que foi dez vezes campeão paulista, oito vezes brasileiro e uma sul-americano.
Doze mil para quem vencer Paulo Mórbio (de amarelo) na luta de braço
Olha essa Coxa!
O concurso de fisiculturismo é o momento mais, digamos, dramático da feira. De minissunga prateada, púrpura ou preta, os concorrentes posam de ladinho, na ponta dos pés, com os joelhos juntos, ao som de Hells Bells, do AC/DC. O júri é composto por 11 homens de terno e gravata e uma senhora de tailleur. Na platéia de cerca de 300 pessoas, um dos técnicos grita: "Olha essa coxa, Edmílson, olha essa coxaaa! Segura na pose!"
De ladinho, ponta do pé, e tome Carmina Burana (Foto: Junior Lago/UOL)
Ao fim da disputa na categoria 1,75m de altura, os concorrentes são chamados em ordem decrescente, do último para o primeiro lugar. Sobram dois e, finalmente, apenas o campeão, o candidato de Portugal. Muito emocionado, ele ajoelha e encosta o rosto no chão, projetando o glúteo para o teto do palco. Pelas tantas, o DJ põe pra tocar Carmina Burana, o que dá à circunstância um tom tragicômico.
Bananeira de Shortinho
Mais cinquenta passos e lá está uma nova atração. Em cima de um caixote estilizado onde se lê "the best", uma atleta de shortinho e top minúsculos planta bananeira e abre as pernas. Dois colegas de cena a acompanham, um subindo uma rampa arrendondada e escorregadia de 4 metros de altura e se jogando lá de cima, o outro levantando a modelo e girando como se ela fosse um malabar. Palmas.
Voz Híbrida
O mundo da Arnold é mesmo muito particular. A moda para mulheres, por exemplo, a julgar pela esmagadora maioria delas, é implacável: microshorts ou calça colada nas pernas hipertrofiadas; top muito apertado marcando os seios grandes e duros; sapatos de saltos acima dos 15cm e meia pata; cabelos muito lisos e compridos, batendo nos glúteos regiamente trabalhados na mesa flexora, ou no quatro-apoios. Algumas têm a voz híbrida, meio anasalada, o que, segundo especialistas, é um sintoma da ingestão de esteróides. A nutricionista Adriana Neves, 32, braços fortes, coxas grandes e poupança colossal, nega que haja em seu sangue qualquer aditivo. Nadinha? "Dá pra crescer se alimentando direito", afirma.
Como Juju Salimeni, que diz comer em média 1kg de carne por dia e 20 ovos.
Sobre o autor
Nascido no Rio de Janeiro em 1963, Paulo Sampaio mudou-se para São Paulo aos 23 anos, trabalhou nos jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo, nas revistas Elle, Veja, J.P e Poder. Durante os 15 anos em que trabalhou na Folha, tornou-se especialista em cobertura social, com a publicação de matérias de comportamento e entrevistas com artistas, políticos, celebridades, atletas e madames.