"Eu não soube fazer dinheiro, não tenho renda, preciso trabalhar", diz atri
Paulo Sampaio
28/07/2017 07h00
Débora Duarte: "Caio Castro é um grande ator" (Foto:Rede Globo/Renato Rocha Miranda)
Quando reconhece o bom desempenho de um colega, a atriz Debora Duarte, 67 anos, 50 novelas no currículo, é pródiga em elogios. Ela cita, por exemplo, "o menino que faz o D. Pedro 1º na novela das 6…aquele que causou uma comoção quando disse que não gosta de ir ao teatro nem de ler, lembra?". Claro: Caio Castro. Na ocasião, a "classe artística" reagiu indignada nas redes sociais. Debora não se deixa influenciar. Repete: "Ele é ótimo". "Quando vejo um grande ator em cena, eu sinto gratidão. Tenho uma vontade quase incontrolável de procurar o telefone dele, ligar e dizer: 'Muito obrigado'."
Debora Duarte é assim. Cita Caio Castro — e não Antônio Fagundes ou José Mayer, que também considera ótimos — porque no momento é o que ela quer citar. Só abre mão de suas convicções (e mesmo assim no limite) por "preguiça". "Ai, não vou começar a falar disso porque é muito longo", diz ela, quando sente que a defesa de determinado ponto de vista vai demandar muita energia. Exemplo de assunto "muito longo": ela sustenta que o estado de humor de um ator, ou sua saúde física, não altera em nada o resultado da cena: "Pouco importa o que eu sinto quando o personagem chora. Não é a minha dor que te comove. Aquilo é o meu trabalho." Alego que qualquer função fica mais difícil, se quem a executa estiver com depressão ou fisicamente debilitado. "Ok, existe o limite físico. Se eu estou prestes a entrar em cena, no teatro, e tenho uma caganeira, então vou precisar resolver, coloco um fraldão!", ela encerra.
"O corpo é algo que atravanca a vida da gente"
DD é afável apenas circunstancialmente e quando realmente está a fim; reconhece que não se empenha para ser política. "Nunca soube fazer lobby nem estive interessada em aprender a fazer. Você já viu algum comercial comigo?", pergunta. Apesar do talento consagrado, incontestável, sua trajetória foi irregular justamente porque, segundo diz, nunca quis passar para o público nada além da emoção dos personagens. Fazer dela própria um personagem estava fora de cogitação. Debora considera um despropósito glamourizar a carreira de um ator. "É um ofício como outro qualquer." Ela recebe o blog na piscina do condomínio onde mora, na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio, sem nenhuma maquiagem ou sinal de cirurgia plástica, Botox nem preenchimentos; usa uma roupa prioritariamente confortável e, com zero cabotinismo, se define como "gordinha": "Quando eu era jovem e me chamavam de bonita, eu me sentia humilhada. Eu gostaria de ter um zíper da cabeça aos pés que eu abrisse e me livrasse do meu corpo. Aí, eu seria uma alminha voadora. O corpo é algo que atravanca a vida da gente."
Como muitas mulheres de sua geração, ela sempre preferiu ser reconhecida pela inteligência e o talento. "Nunca pretendi atrair gritinhos histéricos por onde eu passo, nem ser a rainha do selfie. Sempre estive interessada em como as pessoas reagiam ao meu trabalho. E isso inclui o ódio. Se eu estou em um quiosque no calçadão, passa alguém e diz: 'Filha da puta, eu chorando em casa por sua causa e você tomando água de coco na praia. Vaca!', eu me sinto extremamente gratificada. Sinal que o personagem vingou."
"Não tenho renda, preciso trabalhar."
Debora Duarte é filha da atriz Marisa Sanchez, e foi criada desde 1 ano e oito meses pelo ator Lima Duarte, com quem sua mãe se casou. Desfilou roupa de criança, fez anúncio de boneca e de biscoito; começou na TV com 9 anos e participou de momentos históricos, como a novela Beto Rockefeller, de Cassiano Gabus Mendes e Bráulio Pedroso, exibida pela Tupi entre 1968 e 1969; bem mais tarde, na Globo, fez papeis memoráveis em produções como Anarquistas, Graças a Deus (Zelia Gattai, 1984), Hilda Furacão (Glória Perez, 1998) e Terra Nostra (Benedito Ruy Barbosa, 1999). O trabalho mais recente foi na novela Babilônia ( Gilberto Braga, 2015). Hoje, sem contrato fixo na TV, Debora conta que depende de convites isolados. "Não tenho renda, preciso trabalhar." A sorte, diz, é que sempre lembram de seu nome quando ela está prestes a ficar preocupada. "Sou uma espécie de atriz pronto-socorro. Quando precisam de alguém que faça, eles dizem: 'Então…bom, vamos chamar a Debora'." Ela afirma que adoraria trabalhar apenas por prazer, mas diz que "não soube transformar dinheiro em (mais) dinheiro".
Surge o nome de Fernanda Montenegro como exemplo de talento, inteligência e disciplina. Uma atriz que soube administrar a carreira. "A Fernanda dedicou a vida toda só a isso. Eu, não. São enfermarias diferentes." Debora conta que tinha uma tendência a se culpar, no passado, por eventuais escolhas equivocadas. "Até o dia em que eu percebi que fiz o que pude fazer na época. Aí, resolvi esse problema." Perrengues na vida pessoal não faltaram. Entre outros, ter sido chamada de "mãe solteira" na capa de uma revista, ao dar a luz sua primeira filha, Daniela, hoje com 42 anos. Em 1975, o assunto ainda escandalizava — e vendia muita revista. Debora se separou do pai da menina, o ator Gracindo Jr., no meio da gravidez. Apesar de lembrar da manchete a ponto de levantar os braços e abri-los, com um gesto de quem a exibe no alto da página, ela ironiza: "Olha as rugas de preocupação, ó", e mostra a testa.
Já no casamento com o compositor e cantor popular Antônio Marcos, considerado "cafona" na época (mais tarde, "brega"), ela diz que passou "os sete anos da relação tentando mostrar como era simples e genial o que ele fazia". "Não é qualquer um que escreve 'Como vai Você?"', acredita ela, referindo-se a um sucesso de Antônio Marcos consagrado por Roberto Carlos. Debora viveu intensamente o relacionamento com o cantor, que era alcoólatra, sem se preocupar com os efeitos das manchetes em sua imagem como atriz. Ela faz uma expressão de surpresa e reafirma: "Mas uma coisa não tem nada a ver com a outra."
Fiquei 12 anos dependente
Mais tarde, por volta dos anos 80, ela se tornou usuária de cocaína. Embora fale do assunto normalmente, não é algo que ela goste de lembrar. "Passaram-se tantos anos (expressão de cansaço)", diz ela. Mas reconhece que aquele período fez parte de sua vida. E prossegue. "Não era um vício. Vício é algo moral. Era dependência química, doença, assim como a relação do obeso com a comida", acredita. Ela conta que, "entre idas e vindas, foram 12 anos (de dependência)". Até que se internou em uma clínica de reabilitação e desde então está "limpa".
Comento que, ainda bem, tudo aconteceu antes do advento da Internet e das redes sociais — e que, por isso, não havia tantos instrumentos disponíveis para vasculharem sua vida. Ela reage com espanto. "Imagina, saiu em tudo o que é lugar. Todo mundo publicou." Menciono o caso de Fabio Assunção, que teve sua relação com a droga superexposta, ela fica séria: "Mas eu nunca consumia publicamente. Nunca consumi em festas. Eu só queria voltar para casa, ou para o hotel, e ficar sozinha."
Apesar de tudo, ela diz que sua saúde é muito boa. O que não a impede de se preocupar com assistência médica. "Quando faço aniversário, eu não penso em comemoração, penso no plano de saúde", ela ri. "Eu acho o seguinte: o governo não quer aumentar a idade mínima para a aposentadoria? Pois deveria ajustar a regulamentação dos planos a essa nova realidade. Interferir no sentido de torná-los mais acessíveis, por mais tempo", diz ela, acendendo o último dos sete cigarros que fumou durante a hora e meia que durou a entrevista.
Ao final, Debora Duarte dá uma mostra de que não é mesmo boa na administração da própria carreira. O blog já está de saída quando ela comenta, de passagem, que prepara um espetáculo onde interpretará textos de autores como Clarice Lispector, Fernando Pessoa, Julio Cotazar, Manuel Bandeira e, last but not least, William Shakespeare. "Vamos começar a edição hoje à tarde", diz ela, rindo. "Tenho uma pasta com 50 textos para serem selecionados." A estreia será agora, no segundo semestre.
Sobre o autor
Nascido no Rio de Janeiro em 1963, Paulo Sampaio mudou-se para São Paulo aos 23 anos, trabalhou nos jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo, nas revistas Elle, Veja, J.P e Poder. Durante os 15 anos em que trabalhou na Folha, tornou-se especialista em cobertura social, com a publicação de matérias de comportamento e entrevistas com artistas, políticos, celebridades, atletas e madames.