Dezessete anos depois, acusado de jogar mulher do 12º andar não foi a júri
Paulo Sampaio
19/09/2017 08h00
Mauro Janene Costa é acusado de esganar até a morte e jogar Estela Pacheco (dir) pela janela (Foto: arquivo pessoal)
No mês que vem faz 17 anos que a professora Maria Estela Correa Pacheco caiu do apartamento do agropecuarista Mauro Janene Costa, no 12º andar do edifício Diplomata, um dos mais sofisticados de Londrina, a 390 km de Curitiba. Acusado de tê-la esganado até a morte e a atirado da sacada, ele nunca foi a júri. A Justiça adiou seis vezes seu julgamento.
Depois de usar todos os recursos, a defesa agora alegou que o movimento Justiça para Estela, criado pela filha única da vítima, a advogada e jornalista Laila Pacheco Menechino, poderia influenciar negativamente os jurados; seus clamores nas redes sociais seriam um risco para o réu. Com base nisso, a advogada Gabriela Roberta Silva pediu o "desaforamento" do processo, termo jurídico que designa a transferência do julgamento de um foro para outro, situado na mesma região, mas distante de onde o crime ocorreu. Com isso, diz Laila, a defesa ganha tempo mais uma vez.
O pedido de desaforamento, feito no começo do ano, foi julgado no mês passado por três desembargadores do Tribunal de Justiça do Paraná. Por dois votos a um, decidiu-se pela transferência do julgamento para Ponta Grossa, a quase 300 km de Londrina. O assistente de acusação, Marcos Ticianelli, acredita que houve um equívoco de interpretação por parte dos desembargadores favoráveis à transferência. "Os protestos nas redes sociais não são contra o réu, são a favor da Justiça", diz.
De família rica, Janene é neto de Abdelkarim Janene, considerado no passado um dos maiores pecuaristas do estado, e sobrinho de Jamil Janene, ex-presidente da Sociedade Rural do Paraná (SRP). O ex-deputado José Janene (PP-PR), apontado como pivô dos escândalos do mensalão e do petrolão, era seu primo. Nesses 17 anos, o agropecuarista ficou preso por apenas cinco dias. Seu julgamento foi adiado seis vezes – a tentativa de Ponta Grossa será a sétima.
Corpo no jardim do prédio
Janene e Estela chegaram a namorar por um curto período, mas não tinham mais nada na madrugada do dia 14, um sábado, quando foram vistos juntos no bar Valentino, um dos mais antigos de Londrina. Conhecido na época pela frequência de roqueiros e drogaditos, o Valentino saiu do underground e se tornou uma balada cult. Do bar, os dois foram para o apartamento onde o agropecuarista morava com a mãe. Não se sabe exatamente o que aconteceu entre o momento em que eles chegaram e a queda de Estela, que tinha 35 anos. O corpo dela foi encontrado por volta de 5h30 no jardim do prédio. De acordo com a versão de Janene, a professora ameaçou pular da sacada, e ele tentou segurá-la, mas não houve tempo. O agropecuarista negou que houvesse usado droga naquele dia, embora a polícia tenha encontrado cigarros de maconha no apartamento.
Estela foi enterrada sem que se fizesse o laudo da causa mortis, nem se abrisse um inquérito: "Trataram a morte de minha mãe como suicídio, até porque essa era uma fala do advogado de defesa", diz Laila Menechino, 31, que é advogada e jornalista. Quando tudo aconteceu, Laila tinha apenas 14 anos e não estava em Londrina. Era a semana do "saco cheio" na escola, e ela passava alguns dias na casa de parentes em Adamantina, interior de São Paulo. "Minha tia me chamou e disse que precisávamos voltar para Londrina. Entendi na hora que alguma coisa ruim havia acontecido."
Laila com a mãe, pouco antes da tragédia (Foto: Arquivo Pessoal)
Educadora musical na Apae
Terceira filha de um casal de comerciantes, Estela nasceu em São Paulo e migrou com a família para o Paraná em 1978. Alegre, atraente, articulada, a professora chegou a trabalhar como modelo, enquanto fazia faculdade de jornalismo e de pedagogia. Também cursou música e dava aulas de piano, inclusive para crianças portadoras de deficiências físicas e mentais. Durante três anos foi educadora musical da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae). Animada e festeira, ela era definida por quem a conhecia como "muito responsável" e "leal aos amigos".
Estela teve Laila aos 19 anos, pouco depois de se casar com o jornalista Walter Téle Menechino, que atualmente é editor do site Maringá Post. Segundo Laila, foi seu pai que fez o reconhecimento do corpo de Estela no Instituto Médico Legal (IML). "Eles pensavam que era uma prostituta", conta ela.
Depois de Téle, Estela teve um relacionamento de seis anos com o técnico em eletrônica Everaldo Lepri. Então, veio um período difícil de perdas familiares. Seu irmão morreu de câncer, deixando quatro filhos, e em seguida seu pai adoeceu. A saúde financeira da família baqueou junto. Sem ter como se sustentar, Estela precisou entregar a filha a Téle e sucumbiu a uma depressão profunda. Na ocasião, conheceu Janene. Considerado bon vivant por alguns, ele a teria arrastado para o abismo no momento em que ela estava mais vulnerável. O incidente foi o desfecho infeliz de um relacionamento bastante conturbado.
No dia do casamento com o jornalista Walter Téle Menechino, pai de Laila (Foto: Arquivo Pessoal)
Desencontros nas investigações
Desde o início, as autoridades encarregadas de esclarecer o caso se envolveram em uma série de desencontros que atravancaram muito as investigações. Em 50 dias, o inquérito teve três delegados responsáveis. Waldete Testoni alegou excesso de serviço e disse que só pretendia ouvir Janene depois da conclusão do laudo do IML. Afastada do posto, foi substituída por Eduardo Carulla, que logo em seguida entrou em férias. Jurandir Gonçalves André assumiu no lugar de Carulla. O depoimento do agropecuarista só ocorreu 35 dias depois da queda de Estela. A essa altura, o Instituto de Criminalística já havia concluído a necropsia no corpo exumado dela. Descobriu marcas em seu pescoço que indicavam que Estela havia sido morta por esganadura e depois jogada do 12º andar.
A versão de suicídio, segundo os peritos, estava fora de cogitação. "Há muitas hipóteses que não podem ser descartadas. A única certeza é que a vítima morreu antes da queda", atestou o médico legista Rogério Luiz Eisele. Depois de expor sua conclusão, Eisele mudou-se repentinamente para Portugal. Janene foi preso, mas o liberaram em cinco dias. O juiz João Luiz Cléve Machado, da 1ª Vara Criminal de Londrina, negou o pedido da promotoria de mantê-lo em prisão preventiva. Mais tarde, Machado chegou a ser colocado em suspeição por ter relações com parentes do réu. Por sua vez, o porteiro do edifício Diplomata, apontado pelo Ministério Público como testemunha-chave, desapareceu.
Mauro Janene: reconstituição da cena (Foto: Arquivo Pessoal)
Mesmo assim, e por tudo isso, Mauro Janene Costa foi processado por homicídio simples, fraude processual e porte de entorpecentes. Para defendê-lo, contratou o advogado Mauro Viotto, considerado o melhor criminalista de Londrina. A mãe do réu, Leila Janene, chegou a dizer a uma amiga que perdeu "duas fazendas" para ajudar na defesa dele. Viotto, que morreu em abril de 2015, articulou as manobras processuais mais mirabolantes para protelar o julgamento. Nove anos depois do incidente, ele ainda tentava anular a pronúncia. Ingressou no Tribunal de Justiça com um recurso em sentido estrito (RESE), julgado improcedente pelo desembargador Jonny de Jesus Campos Marques. Quatro meses mais tarde, em 24 de junho de 2010, Viotto interpôs um recurso especial, também negado. Na sequência, apresentou um agravo. Negado. Paralelamente, fez apelações meramente protelatórias, como a tentativa de reiterar a tese de que Estela estaria viva no momento da queda.
Três júris adiados
Em 2011, foram marcados três júris. O primeiro para 11 de maio, exatamente dez anos, cinco meses e três dias depois da morte de Estela Pacheco. O juiz concordou em adiá-lo, já que Viotto apresentou um atestado médico alegando que estava com problemas de saúde. O segundo ocorreria em 26 de maio, mas a defesa argumentou que uma das testemunhas não poderia comparecer, e, além disso, Viotto tinha outra audiência marcada na mesma data. No terceiro, em 17 de agosto, o criminalista entrou com um recurso especial.
Em 2014, houve mais duas tentativas. Em 8 de abril, uma das testemunhas de defesa não pôde ser arrolada. O legista Rogério Luiz Eisele, que assinou o laudo de Estela, já tinha se mudado para Portugal. Em 4 de dezembro, a defesa conseguiu mais um adiamento. Agora, apontou um erro na condução do processo. Alegou que o desembargador Campos Marques participou duas vezes em decisões referentes ao caso, o que seria irregular. Primeiro, quando estava no Tribunal de Justiça (TJ), Campos Marques emitiu um parecer a respeito de um recurso; depois, já no Superior Tribunal de Justiça (STJ), apreciou um agravo regimental.
O ministro Marco Aurélio Mello concedeu a liminar, e a juíza Elizabeth Kather precisou suspender o julgamento antes mesmo de começar os trabalhos. Além de alegar problemas no processo, Viotto dessa vez apresentou dois atestados médicos informando que estava sob tratamento intensivo, em função de graves problemas na visão por complicações decorrentes da diabetes. A juíza informou que, se não fosse a liminar, um defensor público poderia ser nomeado para o caso. "Agora, não é possível nem mesmo estimar uma data para retomar o julgamento", disse Elizabeth à época.
Laila e um grupo de manifestantes pedem Justiça na porta do Fórum de Londrina (Foto: Arquivo Pessoal)
Aos prantos, à saída do fórum, Laila e sua tia se amparavam: "O Brasil está sem Justiça, sem direito, em uma crise moral, institucional e de valores. Mais uma vez, a gente sai daqui sem saber o que aconteceu com minha irmã e o que vai ser feito a respeito", desabafou Maria Elisa Pacheco.
Em 17 de dezembro de 2015, a subprocuradora-geral da República Cláudia Sampaio Marques deu um parecer pelo não reconhecimento do habeas corpus. "O longo lapso transcorrido desde a data do crime favorece a defesa não só pela perspectiva de prescrição do crime, mas, também, porque o passar do tempo faz com que o fato pareça no imaginário das pessoas menos grave do que na verdade foi", escreveu ela.
O promotor que estava à frente do caso, Ronaldo Braga, foi transferido para Rolândia, na região metropolitana de Londrina. Rodney André Cassel, que assumiu o lugar de Braga, estava de licença até o inicio de novembro de 2015.
Janene casou-se, tem uma enteada e cuida das fazendas da família. O desaforamento foi requerido na sexta tentativa de levá-lo a júri. Mais cinco anos de adiamentos, e a advogada de defesa, Gabriela Roberta Silva, pode livrar seu cliente para sempre de julgamentos — já que o processo prescreve em 2022. Procurada pelo blog, Silva não retornou a ligação, nem a mensagem de whatsapp. Para o assistente de acusação, Marcos Ticianelli, o desaforamento serviu não só para a defesa ganhar tempo no deslocamento, mas também para fazer com que o Ministério Público tenha de retomar o processo mais uma vez, desde o início.
Sobre o autor
Nascido no Rio de Janeiro em 1963, Paulo Sampaio mudou-se para São Paulo aos 23 anos, trabalhou nos jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo, nas revistas Elle, Veja, J.P e Poder. Durante os 15 anos em que trabalhou na Folha, tornou-se especialista em cobertura social, com a publicação de matérias de comportamento e entrevistas com artistas, políticos, celebridades, atletas e madames.