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Em escola de elite de SP, mães promovem grupos de "desapego do luxo"

Paulo Sampaio

27/09/2017 10h13

Ao centro, segurando a sacola "croco" verde, a co-fundadora do Mamis Jardins, Juliana Pinheiro; à dir., Camila Carvalho e Raquel Murad; à esq., Marcia Hissa e Fernanda Alves Guimarães (Foto: Paulo Sampaio/UOL)

Comprar uma bolsa Gucci usada é bom para o futuro ecológico do universo: sinal de que menos uma bolsa Gucci nova entrou em circulação e, assim, houve redução da produção de carbono no Planeta. O raciocínio é da dona de casa Paola Lorenzi, 47, uma das idealizadoras do bazar de uniformes de segunda mão organizado em novembro pela Comissão de Pais e Alunos do centenário Colégio Dante Alighieri (CPDA), um dos mais tradicionais de São Paulo. Com 4.500 alunos entre o maternal e o 3º ano do segundo grau, o colégio cobra uma média de R$ 2.700 de mensalidade. "O que a escola vende não é uniforme, é consciência de cidadão", acredita Paola, que define sua profissão como "mãe" e tem um filho no 9º ano.  "A gente aqui pensa na pegada ecológica."

A personal organizer Juliana Pinheiro, 40, diz que fez uma boa economia. "Eu gastava R$ 1 mil fácil só de uniforme com meus dois filhos mais velhos (Vitor, 7º  ano; e Felipe,  4º). O bazar foi bom pra todo mundo." Menos para a lojinha da escola. "O faturamento deles caiu com certeza", acredita ela. Procurado, o Dante Alighieri afirma que "não parou para acompanhar a organização do bazar, não avaliou o impacto dele e seguiu normalmente com as vendas".

De Havaianas a Land Rover

Percebendo o interesse da comunidade por "usados", Juliana e a designer de interiores Patrícia Colonna, 41,  fundaram concomitantemente o Mamis Jardins, um grupo idealizado para proporcionar a prática do desapego das roupas das crianças e das próprias mães; hoje, promove compras, vendas e trocas de bens que vão de um chinelo de borracha de R$ 5 a carros blindados de luxo e imóveis (não há limite de preço), passando, claro, por bolsas Gucci.

Realizado a poucas semanas do Natal, o primeiro Mamis foi um sucesso tão grande que poucos dias depois as organizadoras já promoveram o segundo. O único inconveniente foi que ninguém queria ficar com a pior parte. "Bater o estoque de três dias foi inviável", conta Juliana.

Na terceira edição, um contratempo. O desaparecimento de algumas peças levantou suspeitas desconfortáveis a respeito dos frequentadores e isso acabou pondo fim ao bazar presencial — que ocupava o segundo andar da loja de móveis de Patrícia. Porém, como estava claro que todos queriam continuar, o Mamis proliferou no aplicativo whatsapp. Criaram-se oito braços do grupo: feminino, masculino, kids, teen, luxo, imóveis e carros, dicas e do bem.

Futuro das crianças

As mamis afirmam que o braço menos populoso é o "do bem" (destinado a doações e ações de caridade). O do luxo (de roupas e acessórios de marca) agregou tanta gente que foi preciso subdividi-lo em três blocos de 256 pessoas, número máximo admitido por grupo no whapp. Essas duas constatações indicam que as mães do Mamis não seguiram necessariamente a linha da "consciência de cidadão" a que se referia Paola. Ela discorda: "Não importa se é uniforme ou helicóptero. O que vale é que menos coisas estão sendo produzidas no mundo. O que uma mãe vai fazer com três bolsas Gucci em casa, se tem outra querendo muito uma? O negócio não é bom apenas para as duas, mas para o futuro ecológico do universo, dos nossos filhos."

 

Diferentemente do bazar de uniformes, onde moeda é o "usadinho" (veja folheto abaixo), no Mamis é dinheiro mesmo.  Ali, apesar da alegada pegada ecológica, o consumo consciente de usados já provocou brigas feias por produtos e até expulsões (de homens interessados em ser Mamis). Pela regra, a primeira a declarar interesse por determinado item tem prioridade na compra. Mas há quem tente passar a frente, buscando o vendedor em seu perfil pessoal no whapp. "Anunciei a cama da minha filha por R$ 200, uma pessoa confirmou o interesse e sumiu logo em seguida. Eu soube depois que ofereceram 'por fora' uma igualzinha por R$ 150. Descobri sem querer, porque a interessada respondeu pra mim e não pra a pessoa que ia fazer o negócio", conta a empresária Fernanda Alves Guimarães, 48 anos, mãe de Ananda, 9 anos.

Regras do bazar dos "usadinhos" (Foto: Reprodução)

Cuidado comigo, sou advogada!

A dermatologista Raquel Murad, 40, afirma, rindo, que há quem lance mão das próprias credenciais quando é desmascarada: "Elas tentam furar a fila e depois, quando alguém reclama, dizem: 'Cuidado comigo que eu sou advogada hein!'." Exatamente para não haver risco de leilão em relação ao preço dos itens, ficou acertado que a postagem da foto do produto implica em publicação imediata do valor.

Não se admitem artigos falsificados (roupas, bolsas, sapatos, acessórios), mas as próprias criadoras reconhecem que já não conseguem fazer o controle de todas as transações: "Os grupos cresceram loucamente. As pessoas fecham compra de madrugada. Não consigo acompanhar tudo. Aí vem uma e diz: 'Deixei a sacola na casa da pessoa, e ela não pagou nada'. Eu digo: 'Well, too bad.", conta Juliana.

Chance da classe C

Hoje, tudo o que as precursoras do Mamis sabem a respeito dos grupos é que só há mulheres e que 95% têm filhos.  Apesar do "Jardins" no nome, o grupo extrapolou o limite do bairro da zona oeste e agora há mães da Vila Leopoldina, Vila Nova Conceição, Vila Olímpia, Tatuapé e "até de São Bernardo do Campo". Ao analisar o perfil das integrantes, Juliana afirma que o Mamis não é elitizado, "embora haja muito participante AAA".  Ela explica: "Em geral, o público C quer comprar o que o A tem.  É a chance de uma mulher de adquirir, sei lá, uma bolsa Louis Vuitton por R$ 700.  Você vê que muitas participantes estão ali basicamente para vender, outras, para comprar."

Muito habilidosa, Juliana produz a foto que abre o post. Pega no carro várias sacolas coloridas, enche de papel de seda e distribui entre as amigas. Ela própria diz que tem "um trilhão de coisas" em casa para vender — o que leva a crer que ela faria parte das "AAA". Juliana relativiza: "Hoje, não existe muito essa divisão porque o comportamento das pessoas mudou muito.  Ninguém mais se envergonha de dizer que pega táxi (em vez de usar o próprio carro). E eu tô falando de um público que frequenta o shopping Iguatemi, o JK. Bicicleta agora é cool, green. Quando, na minha vida, eu compraria uma melissinha usada para a minha filha de 3 anos?"

 

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Sobre o autor

Nascido no Rio de Janeiro em 1963, Paulo Sampaio mudou-se para São Paulo aos 23 anos, trabalhou nos jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo, nas revistas Elle, Veja, J.P e Poder. Durante os 15 anos em que trabalhou na Folha, tornou-se especialista em cobertura social, com a publicação de matérias de comportamento e entrevistas com artistas, políticos, celebridades, atletas e madames.