Confeitarias tradicionais de SP retiram açúcar das mesas para evitar roubo
Paulo Sampaio
19/10/2017 08h00
Morador há quase 20 anos de Higienópolis, na região central de São Paulo, costumo frequentar diariamente as confeitarias da área. Recentemente, me surpreendi com a informação dada por uma atendente da Cristallo (fundada em 1953) do Shopping Patio Higienópolis, onde um doce de tamanho médio pode custar R$ 8,50, e uma empada, quase R$ 9: na hora em que a moça me trouxe o café, eu disse na maior ingenuidade que tinham esquecido de colocar o açúcar e o adoçante na mesa. Ela perguntou quantos envelopes eu queria, enfiou a mão no bolso do uniforme e tirou a quantidade. "Se precisar mais, só pedir", disse.
Perguntei se era uma nova política da casa, ela me informou que "mais ou menos": "Os clientes começaram a pegar (envelopes de adoçante e açúcar) para levar, então foi preciso tirar da mesa."
Levar? Pra onde?
A assessora da Cristallo confirma o afano, meio na defensiva: "Experimenta colocar o adoçante e o açúcar na mesa, e depois faz as contas para ver o que levam por dia, por mês, por ano. Imagine o custo disso!"
No dia seguinte, provoco uma funcionária antiga da confeitaria para saber mais detalhes do fenômeno. Ela diz que "pegam inclusive o porta-açúcar, as xícaras, os talheres; levaram até a 'caixinha' que as meninas deixam em cima do balcão para as gorjetas. E levaram quando estava cheia".
Cristallo: velhinhos do bairro na mira da doceria
Digo: "A senhora trabalha aqui há muito tempo, deve saber quem são esses clientes…" Ela: "Claro! Tudo velhinho aqui do bairro mesmo! Outro dia, judiação, até morreu um."
Eu: "O café aqui não é o mais barato do bairro. Quem pode pagar, precisa levar a xícara?" Ela: "Esses que levam não consomem muito não. Enrolam um tempão só num cafezinho."
Muito dessa desinibição dos "velhinhos" da região ela atribui à idade. "A gente vai ficando velho, piora né? Quer dizer: eu espero não ficar assim." Ela conta que antes, "era colocar as coisas na mesa, e em cinco minutos já não tinha mais nada".
Um andar abaixo, no café da grife de chocolates Kopenhagen (89 anos de existência), a balconista me diz a mesma coisa. "Ih, levam tudo.." e enumera. No caso específico desta loja, há um agravante. As mesas ficam num terraço em uma área externa do shopping, fora do ângulo de visão das atendentes. "Nem sempre a gente tem condição de vigiar as mesas", diz uma. Quem "leva" o adoçante é o cliente de uma loja onde uma barra de chocolate de 100g custa até R$ 24.
Procurada, a assessoria da Kopenhagen não comentou.
Kopenhagen: terraço foge do ângulo de visão das funcionárias (Foto: Paulo Sampaio/UOL)
Uma semana depois, me sento na Dulca (inaugurada há 66 anos) da Rua Itacolomi, onde um sonho pode custar R$ 10. Mesma coisa. Converso com um dos donos, Bruno, ele ri. Pergunto se, entre os que "levam", há mais homens ou mulheres. Ele resiste, e então responde: "Olha, eu não quero ser sexista, mas pelo que eu observo, cabe mais coisa numa bolsa…"
Terraço da Dulca, na Rua Itacolomi (Foto: Paulo Sampaio/UOL)
Na padaria Benjamin Abrahão, de novo, a atendente pergunta quantos envelopes de adoçante eu preciso. Será possível? "Sim", diz ela, temos a orientação de não deixar na mesa. A assessora de imprensa faz uma expressão de espanto: "Quando foi isso? Deve ter sido engano do funcionário. Vou verificar agora mesmo."
Uma notícia razoavelmente apaziguadora para os "velhinhos de Higienópolis". Eles não estão sozinhos. De acordo com Cristallo e Dulca, o racionamento de açúcar e adoçante nas mesas é extensivo a outras unidades na cidade.
Sobre o autor
Nascido no Rio de Janeiro em 1963, Paulo Sampaio mudou-se para São Paulo aos 23 anos, trabalhou nos jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo, nas revistas Elle, Veja, J.P e Poder. Durante os 15 anos em que trabalhou na Folha, tornou-se especialista em cobertura social, com a publicação de matérias de comportamento e entrevistas com artistas, políticos, celebridades, atletas e madames.