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A história de Adele Fátima: Bond Girl brasileira e ex de Julio Iglesias

Paulo Sampaio

24/10/2017 08h00

Até 1981, a bateria das escolas de samba cariocas era precedida por uma madrinha escolhida entre senhoras da comunidade. Figuras como Gigi da Mangueira e Maria Lata d'Água vinham à frente do batuque, muito adornadas, cheias de brilho, mas sem mostrar quase nada do corpo: no máximo uma nesga de barriga. Naquele ano, Adele Fátima inaugurou a era das celebridades seminuas. Surgiu na Mocidade Independente de Padre Miguel sambando quase toplesss, apenas com um acessório de strass cobrindo os mamilos, calcinha dourada com pingentes cravejados de contas e um arranjo de plumas de pavão nas costas. Salto plataforma. Aí, a designação do posto mudou para "rainha da bateria".

Essa é a versão que ela conta da história. Há quem afirme que a primeira rainha foi Monique Evans, em 1984. Adele não perde o rebolado. "A Monique diz isso porque precisa aparecer. Eu não faço questão, nunca usei o título para impulsionar minha carreira", diz a entrevistada, que se apresenta como atriz, modelo, dançarina, cantora e ambientalista. Arremata: "Tenho as fotos para provar."

Rainha da bateria, 1981

 

Àquela altura ela já era muito popular, graças a um comercial que foi ao ar em 1978. Os leitores maiores de 50 anos certamente se lembrarão das sardinhas 88. Adele aparecia em um biquíni amarelo, caminhando cheia de malemolência pela areia da praia, ao som de um jingle em ritmo de samba. Muito divertida, ela diz: "O biquíni nem era tão pequeno. Na parte de trás cabia os dois '8'."

 

Sardinhas 88. O biquíni nem era tão pequeno (Foto: arquivo pessoal)

Ela afirma que não teria problema se o modelo fosse menor. Adele tirava a roupa sem crise. Saiu pelada na capa de todas as revistas "masculinas" da época. Playboy, Status, Homem, Ele & Ela… "Eu gostava de rebolar, usava roupa decotada, salto 18 e muita joia. Mas nunca fui vulgar. Eu era sensual. Posar nua, de perna aberta, só no ginecologista."

Primeira mulata do Oba, Oba

O noivo dela na ocasião não soube entender sua sensualidade. Todo trabalhado no bronze, o cantor espanhol romântico Julio Iglesias queria desconstruir Adele Fátima. "O Julio era muito legal, mas terrivelmente ciumento. Controlava meu decote, o comprimento da bota, queria que eu ficasse quieta, olhando para o chão.  Ou seja, que eu fosse outra pessoa. E eu já era Adele Fátima. Primeira mulata do show do Sargentelli ("Oba, Oba", de samba)! Ele (Julio Iglesias) dizia que ganhava 1 milhão de dólares por dia, morava em uma casa com um campo de futebol e uma piscina, acho que pensou que poderia me trancar lá dentro." Dançou. Durante o processo, Adele o trocou pelo engenheiro carioca Marcelo Carneiro, 63 anos, com quem teve dois filhos e está casada há 40 anos.

E então, ao falar de Diogo e Barbara, sua voz de garotinha fraqueja. Vem à lembrança o pior momento de sua vida, quando perdeu a filha para um linfoma. Barbara morreu em 2001, aos 18 anos: "Entre o dia em que a diagnosticaram e o que ela se foi, passou-se menos de uma semana." Seus olhos ficam úmidos — e já pela segunda vez.

A primeira foi quando falou de um baque mais recente. "Há um mês, perdi mais dois filhos queridos", conta ela, referindo-se aos cães Thor e Ella, da raça chow-chow. Eles morreram quase ao mesmo tempo, ambos de câncer. A dor de Adele foi tamanha que a levou a mudar-se com o marido de uma casa no extremo do Recreio dos Bandeirantes, na zona oeste do Rio, para um apartamento em Copacabana, zona sul, a mais de 20 quilômetros: "Não dava mais para ficar lá. A casa é incrível, tem cinco quartos, piscina, coqueiro, abacateiro, mangueira, mas eu simplesmente não conseguiria continuar ali. Não quero voltar mais ao Recreio", diz. Ela afirma meio sem entusiasmo que ainda está se adaptando ao novo endereço…

Com Diogo e Bárbara, nos anos 1980 (Foto: arquivo pessoal)

Oitenta perfumes

Não que ela esteja vivendo mal. O apartamento tem 250 m2, espaço suficiente para abrigar por volta de quatro araras de roupas (sem contar os armários), mais de 100 pares de sapatos, uma coleção de botas de todos os tamanhos e modelos, e perto de 80 frascos de perfume. "Uso todos. Não sou fiel a nada, só ao marido." Volta e meia ela faz a contagem tudo o que tem. Diz, brincando, que prefere chamar o hábito de "exercício para a memória" do que de TOC (transtorno obsessivo compulsivo). O quarto menos abarrotado de roupas e acessórios está permanentemente reservado para Diogo, 34 anos, que vive na serra fluminense com a mulher e o filho, mas frequentemente visita os pais.

Durante a entrevista, quando esquece alguma data, a entrevistada grita "Marcelooooo!", e o marido vem tranquilão para acudi-la. Numa dessas aparições, pergunto como ele conseguiu conquistar Adele quando ela estava no auge de sua carreira de símbolo sexual. Ele diz num tom de voz baixo, zero arrogância, que "foi tudo muito rápido". "Nem deu tempo de pensar nisso." Adele continua: "A gente já tinha se visto uma vez, aí nos reencontramos em uma roda de samba e não nos largamos mais."

A musa conta que "foi amor". Só isso explicaria abandonar a incrível bajulação que vinha "de todos os lados". "Até travesti queria me namorar. Mas eu gostava mesmo era de jogador de futebol. Eles ficam uma hora e meia com você na cama e não cansam. É pá-pá-pá. Tem um que a esposa dele tem ciúme de mim até hoje." Apesar de se considerar "muito sexual", Adele afirma que aquietou depois do casamento. "O que eu sinto pelo meu marido ultrapassa tudo. Homem nenhum me chama atenção."

Ela afirma que acredita em uniões sólidas, duradouras, e se diz impressionada com a volubilidade dos relacionamentos: "Eu vejo amiga largando marido para ficar com outra mulher de uma hora pra outra. Acho que sobraram poucos homens heterossexuais. E quem sobrou, ou está casado, ou é filho da mãe, ou brocha, drogado, problemático, ou gosta de bater." Ela faz uma ressalva, digamos, geográfica: "Na comunidade, está assim ó de homem que gosta de verdade de mulher. Já reparou nos lixeiros? Tudo peitão, coxão..! E eles gostam de sexo, viu?"

Pai branco, mãe negra

Adele conta que nasceu "riquíssima", na Urca, bairro da zona sul carioca. Filha de um alemão muito branco chamado Friederich Karl Hahlbon e de uma carioca negra chamada Glória de Souza, ela foi batizada com um nome que contemplou sua avó paterna e ainda cumpriu uma promessa feita por sua mãe a Nossa Senhora de Fátima.  O pai, que era industrial do ramo de alumínio, morreu quando Adele tinha 15.  Glória criou a filha movida a samba. "Eu tinha 4 anos e já frequentava um bloco em Laranjeiras. Aos 18, fui eleita rainha do Bafo da Onça, no Catumbi (zona norte do Rio). Era o máximo!"

Aos 63, ela deve muito de sua invejável auto-estima a esse começo glorioso. A altivez da rainha permanece intacta. Por exemplo: quando pensou em chamar sua biografia de Adele H, e soube que coincidiria com o título do diário da filha do escritor francês Victor Hugo (1802-1885), nossa amiga não se fez de rogada: "Ela (Adele Hugo) só tem um 'h' no nome, eu tenho três. No Hahlbon tem dois. Poderia ser Adele HHH." Sacou?

A filha de Friederich Karl Hahlbon com Glória de Souza foi atração da Playboy alemã

De helicóptero, no Maracanã

Não adianta: durante a conversa com Adele, a imagem de rainha é a que mais lhe vem à lembrança.   Depois do Bafo da Onça, ela foi ungida pela turma do Sindicato dos Jogadores de Futebol do Estado do Rio de Janeiro (Saferj). "Ninguém tinha descido de helicóptero no Maracanã para passar a faixa para os campeões…"

"Marceloooo!" Ela consulta o marido sobre qual time ganhou. Ele diz: "Fluminense."

Marcelo sai, ela continua: "Foi no ano em que o Maracanã desabou…Nunca entendi nada de futebol, mas de jogador eu sabia tudo kkk"; foi musa também dos oficiais da Marinha: "Vivia em submarino"; da Polícia Federal: "Todo mundo sempre me respeitou muito"; de todas as comunidades do Rio: "Eu chegava, parava tudo"; dos traficantes: "Fiz laboratório na cadeia de Franco da Rocha, para trabalhar em um filme em que eu era mulher do Escadinha"; e dos gays: "Todas as bichas me amam. Querem ter o peito da Adele, o quadril da Adele, a coxa da Adele.."

A propósito, ela conta que seus seios serviram de modelo para o cirurgião plástico Ivo Pitanguy, o mais festejado do Rio — e, consequentemente, do Brasil — nos anos 1970-80-90 e início dos 00. Entre outras, passaram pela clínica de Pitanguy em Botafogo Susana Vieira, Sophia Loren, Vera Fischer, Marisa Berenson, enfim, Adele, não. "Lembra do rosto do Michael Jackson logo depois das primeiras plásticas, antes de ele ficar deformado? Agora, olha pro meu…" Diana Ross destronada.

Bond Girl

Tudo com Adele tem a chancela da exclusividade:  "Fui a única Bond Girl do Brasil". E isso em 1979, quando ela era apenas uma passista na avenida, entre centenas de outras. "O diretor Alberto Broccolli, da United Artists, que produzia os filmes da série, estava assistindo ao desfile das escolas e me viu no meio da multidão. Perguntou: 'Quem é aquela?' Dois dias depois, eles me chamaram para uma entrevista no Copacabana Palace. Na época, quem fazia o James Bond era o Roger Moore. Eles promoveram uma noite no (hotel) Méridien com mais de 50 fotógrafos, só para me apresentar."

Com Roger Moore, na capa da revista Manchete: as unhas foram pintadas pelos filhos, quando eram pequenos (Foto: Arquivo Pessoal)

A bond girl chegou a filmar e participou da divulgação do longa, mas suas cenas foram cortadas porque, segundo Adele, a imprensa internacional divulgou que ela estava dormindo com Moore, que era casado: "Jamais tivemos nada. Ele era muito branco, louro demais. Não faz meu tipo." A atriz Emily Bolton a substituiu.

Assim, o filme mais conhecido dos 18 de que Adele Fátima participou acabou sendo mesmo a pornochanchada "Histórias que Nossas Babás não Contavam", uma paródia picante do conto infantil  "Branca de Neve e os Sete Anões", filmado no mesmo ano do 007. "Passou até na Argentina", diz. Sempre muito orgulhosa do currículo, ela conta que foi contratada da TV Globo por 10 anos. "Eu trabalhei em novela (Gabriela, Tititi), em série (Agosto, Memorial de Maria Moura), mas era fixa da linha de shows. Fiz 'Viva o Gordo', 'Brasil Pandeiro', Chico Anisio, Trapalhões…"

Mulher do mundo

Conta que cortaram sua participação pela metade quando engravidou: "Eles tinham pensado em me escalar para uma série, aí perguntaram: 'Como é que está você no casamento?' Me queriam livre, achavam que minha imagem não combinava com vida em família", lembra. "O Adolpho Bloch (ex-propietário da rede Manchete) um dia disse pra mim: 'Adele você não pode casar. Você não é de ninguém. Você é de todo mundo."'

Ao lembrar disso, seu tom de voz mistura mágoa e indignação: "Eles diziam que quem era escalada para a linha de shows não podia trabalhar em novela. Hoje, eles escalam qualquer uma. A mulher ainda rouba o diretor da esposa dele, fica grávida de gêmeos e sai na Caras. Eu sei tudo da Globo. Conheci bem todo mundo lá. Tem os diretores amáveis, e os intragáveis."

Com o marido, Marcelo Carneiro, no começo do namoro (arquivo pessoal)

 

Com Marcelo em Nova York, em 2015: "Sempre passamos o fim do ano lá: detesto o calor do Rio no verão"

Arquivo Inconfidencial 

Logo, estamos na sala de jantar, onde tudo o que Adele Fátima contou na cozinha, quando me convidou para comer bolo e tomar café, é devidamente ilustrado. Marcelo já separou vários álbuns de fotos grandes e deixou em cima da mesa. Ainda assim, ela pede ajuda: "Marceloooooo!" Ele aparece. Ela diz o que está procurando, ele abre os álbuns em silêncio, vira as folhas. Acha. Ela então faz as legendas: "Essa aqui é do Pasquim…Fui capa cinco vezes!!..Deixa eu ver essa..eu e o Roger Moore na (revista) Manchete!..  Olha! O cartaz do filme ('Histórias que Nossas Babás não Contavam)…"

Depois de mais de três horas de recordações, a conversa termina. O assunto, não. Adele vai levar o blog até a porta, mas acaba pegando o elevador e indo até a calçada, com Brutus, um yorkshire de 14 anos, nos braços: "Vamos combinar de tomar um champanhe com camarão pistola?"  Claro. Nada mais a cara de rainha Adele.

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Sobre o autor

Nascido no Rio de Janeiro em 1963, Paulo Sampaio mudou-se para São Paulo aos 23 anos, trabalhou nos jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo, nas revistas Elle, Veja, J.P e Poder. Durante os 15 anos em que trabalhou na Folha, tornou-se especialista em cobertura social, com a publicação de matérias de comportamento e entrevistas com artistas, políticos, celebridades, atletas e madames.