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Advogados estudam casos de homens maduros que sustentam jovens desamparadas

Paulo Sampaio

25/05/2018 05h00

No relacionamento "sugar", baby fica com daddy assumidamente por dinheiro (Foto: Image Source)

Ao saber da existência do site de relacionamento "Meu Patrocínio", no qual homens maduros se dispõem a ajudar jovens desamparadas, o advogado empresarial mineiro Brener Belozi, 35 anos, resolveu pesquisar as implicações jurídicas que o contrato entre as partes — ainda que informal — poderia ter.

Se no passado o senhor rico podia encontrar a moça descapitalizada nos "classificados de pessoas" dos jornais, hoje os dois personagens ganharam apelidos importados. Ele atende por "sugar daddy" (papaizinho doce), e ela — em uma adaptação providencial de status — por "sugar baby" (bebê idem). O dado se propõe a pagar o aluguel da baby, os estudos e as prestações atrasadas (além de bolsas e vestidos). O site possui alegados 550 mil usuários.

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A intenção de Belozi era saber qual o impacto legal que a "evolução dos relacionamentos interpessoais" (como ele chamou) trouxe. Muito envolvido em sua investigação, ele se juntou à advogada Laira Rachid, 38 anos, professora de direito de família, e os dois produziram um "estudo exploratório" de 19 páginas para apresentar no XXVII Congresso Anual do Conpendi (Conselho Nacional de Pesquisa e Pós Graduação em Direito).

Sobre o "relacionamento sugar"

Com o título de "Relacionamento Sugar e a Preocupação de que o Investimento Econômico Possa Configurar Erroneamente União Estável ou Homoafetiva", o estudo questiona, entre outras coisas,  até que ponto a baby pode cobrar judicialmente o daddy (e vice-versa) por obrigações assumidas verbalmente; e como controlar o cumprimento do contrato; existe licitude?

Embora o contrato de namoro seja válido e haja previsão legal para a união estável (para a qual é imprescindível tempo de relacionamento contínuo, duradouro e público, e intenção de constituir família), o acordo em questão não é uma coisa nem outra. Então, onde, no âmbito jurídico, se situaria o acordo entre baby e daddy?

"É, sem dúvida, um assunto inovador. Consultei profissionais da minha área, ninguém tinha ideia do que se tratava. Eu mesmo soube porque ouvi uma entrevista no rádio com a fundadora do site no Brasil (Jennifer Lobo). Comentei com um amigo que, coincidentemente, me disse que era assinante. "

Segundo Belozi, a análise dele e de Laira foi feita "de uma forma sistêmica, dentro do que já existe no judiciário e nos livros de doutrina". O estudo não se propõe a ser conclusivo  — apenas a explorar a questão.

Sete babies, um daddy

O site Meu Patrocínio foi lançado há pouco mais de dois anos e,  segundo informações de sua assessoria, a proporção entre os sexos dos usuários é da ordem de 7 babies para cada daddy. Jennifer Lobo, que é filha de brasileiros radicados em Miami, diz a propósito do relacionamento sugar que "é preciso que as pessoas tenham o direito de presentear ou ajudar financeiramente seus parceiros sem se preocupar se isso vai acarretar em uma obrigação depois que a relação acabar". "As leis e o sistema judiciário precisam acompanhar essas mudanças para garantir liberdade e segurança para as pessoas viverem da forma mais plena possível."

(Curiosidade: a primeira-dama Marcela Temer chegou a aparecer no blog do site como exemplo de sugar baby. Noticiou-se que o Planalto iria acionar Lobo judicialmente, mas a empresária nunca recebeu a notificação. O advogado dela na ocasião, Marcelo Augusto Brandão Camello, lamentou o "cunho negativo" com que o serviço eventualmente sai na imprensa. Disse que reafirmava "total apreço a Primeira Dama da República Federativa do Brasil" e que não permitiria que "distorções interpretativas se perpetuem de forma impune".)

Soft prostitution

De acordo com Lobo, o patrimônio dos daddies, cuja idade média é 40 anos, gira em torno dos R$ 7,7 milhões; já a renda mensal das babies, cuja faixa etária é 25 anos, estaria próxima dos R$ 8 mil.  "Algumas pessoas consideram esse contrato como uma evolução do chamado book rosa, mas, ao contrário do rufianismo (exploração da prostituição), não há nada de legalmente proibido em promover encontros em que uma das partes é paga para ir ao cinema, jantar fora, ou viajar", afirma Belozi.

Invenção dos norte-americanos, a terminologia "sugar" serviu aparentemente para acomodar o patrocinador e a patrocinada em um quadrado moralizante. Graças à retórica do pragmatismo, o acordo fica supostamente preservado da suspeita de prostituição disfarçada (ou 'soft prostitution', segundo a definição de um jornal inglês).

Carro do ano

A princípio, o "sugar daddy" não está pagando a faculdade da "sugar baby", ou o seu aluguel, em troca de sexo. "O relacionamento pode ou não evoluir para isso", diz Lobo. "Depois que um conhece o outro, já não tomamos mais parte no que eles decidem." Ela diz isso com a intenção de diferenciar o "Meu Patrocínio" dos sites de prostituição, em que as profissionais anunciam objetivamente o valor do programa por período de tempo, e também as especialidades delas na cama.

(Ninguém garante que a baby, ainda que veladamente, não se entregue aos apelos de daddy e diga o que seria capaz de fazer por um carro do ano).

Vale tudo

Para Laira, "ligar o contrato sugar à prostituição acaba sendo mais fácil do que lidar com o fato de que o capitalismo invadiu a esfera dos encontros afetivos". "Todo relacionamento se baseia em algum tipo de interesse. O econômico não é mais ou menos louvável que o sexual ou o afetivo", acredita ela.

A propósito, Laira faz questão de chamar à atenção para o fato de que, embora em número infinitamente menor,  o site também contempla aproximações entre "sugar moms" (mamãezinhas doces) e "sugar babies" (homens mais jovens).   As primeiras, de acordo com o site, somam 5 mil (ante 70 mil sugar daddies); os garotos desamparados seriam 60 mil. "Antes que se diga que a iniciativa é machista, vale dizer que o serviço está à disposição de mulheres e de homossexuais."

Moral hipócrita

No entender de Brener Belozi, o relacionamento sugar choca pela clareza das intenções. O advogado afirma que, de uns tempos pra cá, a sociedade tornou-se moralista e hipócrita. "No passado, os nobres eram muito claros quando escolhiam seus cônjuges entre iguais. Hoje, as pessoas vêem o relacionamento assumidamente por dinheiro como algo inaceitável. Sei de casos de gente que cancelou contratos pré-nupciais às vésperas do casamento por achar que o cônjuge se sentiria ofendido. Como se houvesse uma suspeita implícita de golpe do baú."

Embora Belozi veja o relacionamento sugar como algo baseado no dinheiro e, inicialmente, sem espaço para cobranças afetivas, Laira acredita que o objetivo é o mesmo de todos os outros relacionamentos (chegar ao namoro, à união estável ou ao casamento): "O envolvimento tende a evoluir", diz.

Por esse ponto de vista, não se pode excluir a possibilidade de o relacionamento com uma prostituta também evoluir para algo contínuo, duradouro, público e com intenção de constituir família. "Em qualquer relacionamento pode acontecer", resume Laira. "Não existe casamento por interesse financeiro?"

O difícil é determinar parâmetros para estabelecer um contrato. Quanto tempo de relacionamento? Como provar, quando tudo acabou, que houve intenção de consistir família, em um momento de "amor eterno"?.

O que choca, em uma sociedade moralizante e hipócrita, é a clareza de intenções (Foto: Juanmonino)

Além de ter a pesquisa selecionada pela banca do Compendi, Belozi e Laira receberam a informação de que seu estudo foi considerado um dos melhores para a publicação em periódicos da área jurídica. Ainda assim, Belozi acha que pode ser criticado pela escolha do tema. Isso não o intimida: "A gente não pode, por conta de preconceitos ou questões morais, fechar os olhos para a transformação comportamental da sociedade."

Para ele, "o relacionamento sugar é algo recente no Brasil, então ainda não deu tempo de chegar no judiciário". "Mas com certeza vai chegar", ele adianta.

PS: Belozi informa que não é sócio do Meu Patrocíno, tampouco relações públicas do site. "Sequer sou assinante", garante.

 

 

 

 

 

 

 

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Sobre o autor

Nascido no Rio de Janeiro em 1963, Paulo Sampaio mudou-se para São Paulo aos 23 anos, trabalhou nos jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo, nas revistas Elle, Veja, J.P e Poder. Durante os 15 anos em que trabalhou na Folha, tornou-se especialista em cobertura social, com a publicação de matérias de comportamento e entrevistas com artistas, políticos, celebridades, atletas e madames.