Mulheres pagam U$12 mil por parto em Miami, para garantir cidadania ao bebê
Paulo Sampaio
30/07/2018 05h00
Embora o pai da criança esteja hesitante, a advogada Gabriela Rotunno, 29 anos, grávida de quatro semanas, já decidiu. Vai desembolsar em torno de U$ 12 mil (cerca de R$ 45 mil) para ter o bebê nos Estados Unidos, pelo programa "Ser Mamãe em Miami", criado pelo pediatra brasileiro radicado na Flórida Wladimir Lorentz, 49 anos.
Ao todo, incluindo hospedagem e alimentação nos dois meses que passarão em Miami, Gabriela e o marido, o militar Gustavo Biargio, 35, calculam gastar cerca de U$ 100 mil. Ela não acha caro: "Vale cada centavo. Eu sei porque trabalho com direito imigratório, e tenho clientes que precisam investir muito mais para conseguir a cidadania. Se você não garante isso quando o bebê nasce, fica muito mais caro consertar depois." Gabriela fala como se ter apenas a cidadania brasileira fosse um erro que precisa ser retificado. "Estou conseguindo o passaporte italiano pra mim. O bebê já vai nascer com três cidadanias."
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A advogada Gabriela Rotunno, com o marido, o militar Gustavo Biaggio, diz que pretende desembolsar U$ 100 mil com o parto do filho em Miami, e que o programa "vale cada centavo" (Foto: Gabi Burdman/UOL)
"Pacientes internacionais"
Desde o início do programa, em 2015, Lorentz conseguiu atrair cerca de 500 futuras mães para dar à luz na Flórida. "Sempre quis atender pacientes internacionais. Gosto de prestar o serviço médico de concierge, personalizado. No caso do programa, a mãe se hospeda em Coconut Grove, uma região nobre da cidade, e fica em um quarto com vista para o mar. Pode escolher entre quatro obstetras", diz o pediatra.
O preço do pacote vai de U$ 11 mil a U$ 14 mil, dependendo do tipo de parto (normal, cesariana, múltiplo). Isso inclui hospital, obstetra, acompanhamento pediátrico e vacinas. E, claro, orientação para tirar o passaporte americano da criança.
O médico explicou durante uma palestra realizada no último sábado, na sala de conferência de um flat em Moema, zona sul de São Paulo, que "a mamãe tem direito a três ultrassons". "Aqui no Brasil, elas fazem mil", diz ele, em tom de piada. E voltando a ficar sério: "Se a mamãe quiser mais do que três, será cobrado dela." Estão na palestra cerca de 25 mulheres e 20 homens.
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O momento mais importante da explanação: o futuro passaporte do bebê (Foto: Gabi Burdman/UOL)
Tudo bonitinho
De acordo com a lei americana, ao dar à luz nos Estados Unidos, uma mulher estrangeira garante a apenas cidadania do bebê. Os pais, caso queiram morar legalmente lá, terão de esperar o filho completar 21 anos para requerer a imigração.
Mas o representante comercial Ricardo Luis Proença, 39 anos, tem planos de abreviar esse tempo. Pretende consegui-lo através de sua mulher, a enfermeira Carla Regina Carloto Proença, 37, grávida de 12 semanas. "Há carência de enfermeiras nos Estados Unidos", anima-se o representante, já de olho em uma caroninha. "É uma das profissões mais valorizadas por eles. Os americanos abrem as portas para esses profissionais."
Segundo Proença, "basta validar o diploma, fazer um teste de proficiência em inglês e enviar um currículo". "A pessoa (enfermeira) tem de se submeter a uma prova nacional da categoria, 'uma espécie de OAB da enfermagem"', explica Proença. "Depois que recebem toda a papelada, eles analisam e respondem com uma vaga de emprego. Você já sai daqui com tudo certinho, bonitinho. E detalhe: eles recebem a família toda do enfermeiro."
Como boa parte dos que pensam em garantir a cidadania americana ao filho, Proença encara o país como a solução de todos os problemas da família (e da vida): "O dia em que ele (o filho que ainda não nasceu) quiser, pode entrar no país e trabalhar. Depois de 21 anos, pode requerer moradia para mãe e pai." O futuro pai de um futuro provável morador de Miami só lamenta que ainda não tenham inventado a "pílula mágica do inglês fluente".
Terra do Mickey
Proença se apaixonou por Miami há cerca de três anos, quando esteve na Disney. Até hoje, não conhece mais nada dos Estados Unidos. Visitar a Flórida já foi suficiente para despertar nele a ideia de ter um filho lá. Começou a fazer pesquisa antes mesmo de conhecer Carla. "Achei o programa (de Lorentz) na Internet. Um tempo depois, conheci a Carla e a convidei para ir à terra do Mickey, sem contar meu projeto", lembra ele, em um café do shopping Anália Franco, na zona leste de São Paulo. O casal reside no Belenzinho, há poucos quilômetros dali.
Na volta da terra do Mickey, Proença perguntou à mulher o que ela achava de ter um filho em Miami. Carla se encantou com a ideia. "Ah, eu adorei, claro. Lá é maravilhoso", diz ela, alisando a barriga. Hoje, segunda-feira, 30 de julho, Carla já deve estar na cidade americana. O programa orienta as mães a irem para os EUA na 32a. semana de gestação. Ela contou que dividiria apartamento com uma mãe do Paraná chamada Valéria.
Carla e Proença, prontos para ter o bebê na "terra do Mickey"e, quem sabe, se mudar para lá no futuro (Foto: Paulo Sampaio/UOl)
Consulta em domicílio
Nascido em São Paulo, Wladimir Lorentz se mudou com os pais para os EUA quando tinha 14 anos. "Eles foram pela mesma razão que os brasileiros vão hoje, em busca de uma vida melhor." Em Michigan, onde a família se instalou, ele chegou a cursar engenharia ("mas só tinha 'robozinho' na sala, eu não me adaptei"), e depois, bioquímica. Migrou para Miami para fazer residência médica, e está na cidade desde 2000.
Durante a palestra, o pediatra aperta uma tecla no computador e surge uma nova imagem no telão. Os quatro obstetras do programa, sorrindo, com uniformes verde-água e vários bebês nas mãos. Lorentz diz que dois dos médicos têm origem latino-americana (colombiana e equatoriana). "O doutor Cardenas esteve na guerra do Afeganistão, salvando soldados no campo de batalha…" Infere-se que os bebês, por osmose, podem assimilar um pouco do heroísmo de Cardenas.
A advogada Irene Kim, idade não revelada, primeira mãe a participar do programa, levou o filho de três anos para prestigiar a palestra de Lorentz. Diz que sempre comparece, quando ele vem ao Brasil. Nessas ocasiões, o pediatra apresenta o programa em vários estados. Desta vez, foi ao Rio, São Paulo, Cuiabá e no município de Sinop, no Mato Grosso. "Queria dar ao meu filho algo que não se compra", diz Irene, que é descendente de coreanos. "A nacionalidade primária não se adquire depois, só o green card. Agora, ele pode ocupar até cargo público lá. Pode ser presidente do Brasil, ou dos Estados Unidos", justifica. E da Coréia também.
O pediatra com a primeira paciente do programa, a coreana Irene Kim, e o filho (Foto: Gabi Burdman/UOL); ela diz que está em todas as palestras, para prestigiá-lo
Ru$$os de Sunny Isles
Wladimir Lorentz bate na tecla da exclusividade. Diz que está sempre disponível para as pacientes, aconteça o que acontecer. Para dimensionar sua entrega à medicina, ele não se furta a fazer comparações com colegas brasileiros. "Nunca deixo de atender quando os pais me ligam. Certa vez, a mãe já estava de volta ao Brasil e me ligou no dia do Ano Novo, porque o pediatra dela não atendia", conta ele, que é formado pela Universidade de Tulane, em Nova Orleans, "uma das vinte melhores dos Estados Unidos".
Seus primeiros pacientes VIP foram os russos. Ele diz que há uma colônia grande em Sunny Isles, no sul da Flórida: "Há 15 anos eles vêm ter bebê em Miami. Eu sou neto de russo, entendo a língua, então isso facilita." Comento que há muitos milionários russos naquela parte dos EUA, e ele se empolga: "Atendi um em um iate de 340 pés, a piscina era maior do que a do meu prédio. Tinha 49 tripulantes. Ia para Galapagos depois."
A Conta
Para tentar relativizar o valor pago pelo parto em Miami, algumas mães entrevistadas pelo blog alegaram que no Brasil teriam de pagar uma "taxa de reserva", caso quisessem ter o filho com o mesmo médico que as acompanhou no pré-natal. Falaram em R$ 11 mil. "Fui verdadeira desde o início com o obstetra que me atendeu no pré-natal aqui no Brasil. Disse a ele: 'Minha intenção é ir ter o bebê em Miami'. Perguntei se ele era contra. Se fosse, eu procuraria outro. Ele foi a favor, e ainda deu força. Até brincou, disse que se eu quisesse ir depois da 32a. semana, ele me acompanharia no vôo", conta a comerciante Tatiana Sangali, 36, dona de um restaurante chinês no centro de Osasco, Grande São Paulo.
Mesmo pagando os R$ 11 mil de taxa de reserva, ainda assim o parto sairia bem mais em conta que o valor do programa — sem contar os extras. É verdade que, em Osasco, Tatiana dificilmente teria vista para o mar.
Um carro melhorzinho
Apesar do risco de o bebê ir para a UTI ser pequeno, 3% segundo Lorentz, ele avisa na palestra que, por dia, custa U$ 4,5 mil. Tatiana embarcou muito tranquila, porque o programa garantiu a ela que o número de casos de sequelas por problemas de parto é "zero". "Eles avisam antes que, se a mãe está com problemas na gravidez, melhor não ir. Não é pra criar dor de cabeça. O programa é indicado para quem teve uma gravidez tranquila e tem reserva de dinheiro. O doutor Vladimir é muito pé no chão."
Tatiana conta que gastou R$ 120 mil, "o custo de um carro melhorzinho". "Eu precisava morar, comer, me locomover." Nem todas pensam apenas no básico. Ela lembra que lá encontrou mães com "os mais diversos tipos de orçamento". "Do controlado, ao extrapolado. Teve uma que chegou com R$ 120 mil, e depois de um mês já não tinha mais nada. Mas tem as que vão com R$ 500 mil, R$ 700 mil…"
Tatiana Sangali diz que desde o início foi "verdadeira" com o obstetra que a atendeu no Brasil: "Avisei que teria o bebê em Miami." (Foto: Arquivo Pessoal)
Embarque no Modismo
"Não existe 'taxa de reserva' no Brasil", afirma o obstetra paulistano Juvenal Barreto Borriello de Andrade, diretor de defesa e valorização profissional da Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia. "O que se estabeleceu é a cobrança de um valor justo por um parto, já que o plano de saúde paga ao médico R$ 400 por paciente internado em enfermaria, e R$ 800 em apartamento. O valor médio que nós estabelecemos não é R$ 11 mil, mas algo entre R$ 3 mil e R$ 5 mil."
Andrade afirma que os contratos firmados pelos planos de saúde não estabelecem que o médico que acompanha a mãe no pré-natal tem de fazer o parto da paciente. "Desafio quem quer que seja a encontrar isso nos contratos. O que ocorre é que, por R$ 800, há cada vez menos médicos querendo fazer parto. Aí aparece um esperto oferecendo parto em Miami, as mulheres embarcam no modismo. Na verdade, elas vão com outros intuitos, para fazer compras, passear, e aproveitam para dar à luz."
Comoção social
O caso da remuneração do parto à parte foi parar na Justiça e, segundo Andrade, "todas as decisões têm sido desfavoráveis aos médicos". "O tema gera uma 'comoção social', e os desembargadores julgam com base nisso. Muita gente utiliza a gravidez como um estado de vulnerabilidade, que deixa a mãe frágil, enfraquecida…"
Mas o médico lembra que o Conselho Nacional de Medicina estabeleceu, no parecer 39/2012, que o obstetra que cobra pelo parto "não infringe a lei". "A sociedade (da classe) não tem nenhum interesse em exaltar a ilicitude."
Atrás de Karina Bacchi
Tatiana Sangali soube do "Ser Mamãe.." quando leu que a atriz Karina Bacchi tinha tido o filho pelo programa. Lorentz diz que não sabia quem era Karina Bacchi, até que sua secretária brasileira contou a ele que tinha visto a atriz fazendo compras em um shopping de lá: "Fui informado de que ela estava procurando maternidade, e mandei minha secretária ver se ela queria ter o filho com a gente", conta Lorentz. "Ela acabou fazendo o parto aqui", diz ele, que garante ter cobrado o preço que cobra de quem não é "celebridade". "Até jogadores de futebol pagaram", garante ele, sem citar o nome de ninguém. "Vem aí alguém mais famoso ainda, mas prefiro que, se for o caso, a própria pessoa se manifeste. O que eu fiz (no caso de Bacchi) foi usar visitas extras à domicílio (U$ 190 da visita + U$ 190 de deslocamento) como forma de agrado. Afinal, ela fala da gente."
O blog procurou Karina, mas até o fechamento dessa edição a atriz não respondeu. Sua assessoria disse que ela tinha um "compromisso pessoal" no fim de semana. Lorentz contou que iria ao "mesversário" de 11 meses de Enrico, filho da atriz. Será que bebês de dupla cidadania comemoram duas vezes o aniversário? O pediatra não soube dizer se Karina Bacchi levará o menino no mês que vem para um happy birthday na Florida.
Castanho avermelhado
Lorentz não aparenta a idade que tem, mesmo se levarmos em conta que ele tinge o cabelo (de castanho avermelhado). Isso se constata nas fotos que o médico projeta da equipe do "Ser mamãe em Miami", em que ele aparece grisalho. Rosto redondo, bronzeado, olhos claros, ele veste uma calça e uma camisa pretas, e um mocassim de bico fino. Enquanto exibe os "slides", responde a perguntas das mães. O teste do pezinho faz parte do pacote? Quanto eu tenho de levar de dinheiro? Posso levar em espécie? Eles param a gente na imigração?
Lorentz tranquiliza os papais e as mamães: "Toda forma (de chegar com dinheiro) é possível. Em espécie, conta no banco…Claro, ninguém vai chegar lá com U$ 100, dizendo que pretende ter um filho."
E o Trump? Lorentz: "Vocês ouvem falar que ele é meio doidão, mas por trás daquela figura tem um homem muito inteligente. Não se sintam culpados em momento nenhum por estar dando à luz nos Estados Unidos. Eu fui pra lá com 14 anos, nunca tive problema porque contribuo para a sociedade americana. Eu acredito que vocês farão o mesmo."
Próximo passo, "serviço de concierge", para aquelas mamães que não querem fazer nada; (Foto: Gabi Burdman/UOL)
Fotos no quarto
Embora, como explica Lorentz, nos Estados Unidos não seja permitido que fotógrafos façam registros dos bebês e seus familiares nas dependências de um hospital, ele já deu um jeito nisso. No Mercy Hospital, vai poder. "Conversei com a direção do Mercy, poderemos em breve fazer os registros. Temos fotógrafo e videomaker, os dois ótimos. Mas a ideia é captar a emoção do momento. Não dá para fazer foto da hora do corte na barriga nem da cabeça do bebê saindo", diz.
Para incrementar o programa, o pediatra pretende em breve disponibilizar um "serviço de concierge pessoal", além do "serviço de concierge médico". "É para quem não quer fazer nada. Eles pegam a paciente no aeroporto, providenciam apartamento, babá, cozinheira, motorista para levar para as consultas, tudo." Mas isso, esclarece, é pago direito para a companhia que fará o serviço. "Eu não levo nenhuma comissão."
Por fim, sempre muito preocupado com a gestante, ele avisa que não quer "nenhuma mamãe embarcando para os EUA com 35 semanas de gravidez". E completa em tom de brincadeira: "Ela corre o risco de fazer um pouso forçado na Venezuela, para dar à luz, e aí, o bebê não vai ganhar a cidadania americana."
"Meu Deus, já pensou?", diz uma mamãe ao meu lado, rindo com expressão de pavor.
Sobre o autor
Nascido no Rio de Janeiro em 1963, Paulo Sampaio mudou-se para São Paulo aos 23 anos, trabalhou nos jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo, nas revistas Elle, Veja, J.P e Poder. Durante os 15 anos em que trabalhou na Folha, tornou-se especialista em cobertura social, com a publicação de matérias de comportamento e entrevistas com artistas, políticos, celebridades, atletas e madames.