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Bailarinos de Anitta, Ludmilla, Valesca e Pabllo se juntam em uma banda gay

Paulo Sampaio

09/08/2018 05h00

"Desde quando bailarino canta?", foi a primeira coisa que me perguntaram, quando eu disse animadamente que ia entrevistar uma banda gay formada por quatro ex-integrantes das trupes das cantoras Anitta, Ludmilla, Valesca e Pabllo. "Espertinhos! Querem pegar carona no sucesso delas!"

Comentário inevitável. Fazer o quê? Dançar e cantar. "A gente já se conhecia há bastante tempo, e aí um dia eu estava conversando com o Jhury e veio a ideia de montar uma banda", diz Lucas Oliveira, 24 anos, ajeitando a franja loira, muito lisa, que ele joga pra lá e pra cá, em golpes de pescoço. "O Bibiu e o Basseto inteiraram quatro, pra fechar o grupo."

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Quem é quem

Originalmente, Lucas era jogador de handball; aos 15 migrou para dança, estudou, rodou, girou e "de repente" se viu em uma apresentação com Anitta em um estádio lotado; Jhury, 22, conta que estourou dançando nos shows de Valesca Popozuda, há quase cinco anos; Bibiu, 31, é oriundo do grupo de dançarinos de Ludmilla, a quem todos chamam de "madrinha da banda"; e Thiago Basseto, 22, de Pabllo e Anitta. "Nosso trabalho tem tudo a ver com o que nós fizemos com elas, mas, ao mesmo, é do nosso jeito", explica.

A estreia oficial da Funtastic foi na "Tretona", uma versão expandida de uma festa gay chamada "Treta", que naquele dia 13 de julho animou um galpão estilizado na área portuária do centro do Rio. O quarteto cantou 25 músicas, durante uma hora, para 4 mil pessoas. Por mais que estar no palco não fosse uma experiência nova, eles tiveram de segurar a audiência agora na linha de frente. A "madrinha" estava lá, pra dar uma força, e também a drag Aretusa Lovi. "Havia uma expectativa enorme, porque afinal muita gente ali nos conhecia das apresentações com as cantoras. Mas no fim foi um sucesso. O pessoal da gravadora veio nos parabenizar, eles ficaram mega felizes", diz Bibiu.

Do-ré-mi-fá..

Entre a primeira conversa de Lucas com Jhury, no ano passado, e a estreia na Tretona, os bailarinos tiveram oito meses de aula de canto: "Eles estavam bem crus, a gente partiu praticamente do zero", diz a preparadora vocal e fonoaudióloga Dani Lima, 43, que os acompanha durante a sessão de fotos e a gravação do vídeo para este post, em um estúdio na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio. Dani conta que um dos maiores desafios deles era "dançar e cantar ao mesmo tempo".

"Fizemos muitos exercícios de respiração, fortalecimento dos músculos da laringe e de percepção musical (ouvido). Eu precisei ser prática. Não daria para transformá-los nos melhores cantores do mundo em oito meses." Mas a professora diz que se surpreendeu: "Eles tiveram um desempenho muito acima das minhas expectativas." O fato de serem quatro, diz Dani, ajuda: "Eles sabem a parte da música que cada um canta melhor", explica. "E assim um complementa o outro."

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A parafernália técnica sopra a favor do espetáculo, e não só no deles: "A Beyoncé canta de cabeça pra baixo no clipe dela. Você acha?", pergunta Jhury, que é fã da cantora, assim como todo mundo ali. Faz parte da referência musical do grupo, que define a música da banda como pop. Eles dizem se inspirar também em Jennifer Lopez e Ciara. E ainda na "Rouge": "Somos a versão gay da girlband delas", explica Jhury, enquanto afasta do rosto a meia-prótese capilar castanho-avermelhada que cascateia em ondas. Ele a empurra ligeiramente com a mão, antes de dar um espirro, e depois repete o gesto muitas vezes — mesmo sem espirrar — por puro experimentalismo.

 Imagens: Netto Jordão

Cadeia alimentar gay

Em um pingue-pongue durante a gravação do vídeo, eles respondem o basicão de cada um: idade, vida pregressa, a dança, a relação com o preconceito, com o sucesso.  Bibiu passou a infância em Realengo, subúrbio do Rio; Lucas, na Ilha do Governador, idem; Jhury, Taquara, extremo da zona oeste; e Basseto, Duque de Caxias, Baixada Fluminense. Além da difícil aceitação da orientação sexual deles, inclusive na família, eles citam a famigerada homofobia internalizada (preconceito entre os próprios homossexuais).

Basseto explica que "na cadeia alimentar gay", muita gente o vê na "base": "Eu sou o gay preto, magrelo, afeminado, da Baixada. No topo, ficam as barbies brancas, lindas, ricas, da zona sul." Agora, ele e os três companheiros de banda saboreiam a volta por cima. Prestes a galgar o panteão do pop carioca, eles percebem que o ressentimento alheio (travestido de despeito contra preto, magrelo, afeminado etc) tende a aparecer mais. "Alguns comentários negativos sobre a banda (nas mídias sociais) são desproporcionais", diz Bibiu. "Eu acho que você pode não gostar, fazer uma crítica, tal, mas radicalizar, postar um comentário escroto…é suspeito né? Pra quê?"

Pinah de Amoedo

Muito alegres e ruidosos, os quatro espantam qualquer tipo de vodu na base da gargalhada alta. "Bicha o que te deram no café da manhã!?", pergunta Lucas para Bibiu. "A senhora tá meio alterada!" Como crianças no recreio do jardim da infância, os quatro estão permanentemente entretidos com alguma invencionice.  No meio da algazarra, "elas" só se chamam no feminino, e cada uma tem um nome artístico.  Lucas é Nicole; Jhury é Nick; Bibiu, Pinah de Amoedo; e Basseto atende por Kate Lúcia.

Nunca namoraram entre si: "Eu e o Lucas até quase", diz Jhury, fazendo graça. "Mas aí a gente resolveu que era melhor ser feminina o resto da vida, e deixamos o namoro pra depois."

Coreógrafo neutro

Muito cuidadosos em relação à vaidade um do outro, os quatro chamaram um bailarino "neutro" para criar a coreografia do show. "Cada um tem aula com o seu, mas o de todo mundo é alguém de fora. E foi ótimo, porque ele pode nos enxergar individualmente. Nossa dança é que nem nossa música: tem muito de muita coisa, mas é muito própria da gente."

Na terça-feira, a Funtastic gravou com Ludmilla um clipe da música "Não Vou Parar", que, junto com "Balança a Raba", é o carro chefe da banda. Em cinco minutos de "amostra grátis", no estúdio onde posaram para as fotos, eles cantam de verdade e, bem, dançar nem se fala.

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Sobre o autor

Nascido no Rio de Janeiro em 1963, Paulo Sampaio mudou-se para São Paulo aos 23 anos, trabalhou nos jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo, nas revistas Elle, Veja, J.P e Poder. Durante os 15 anos em que trabalhou na Folha, tornou-se especialista em cobertura social, com a publicação de matérias de comportamento e entrevistas com artistas, políticos, celebridades, atletas e madames.