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Xuxa, Cristina Mortágua, Viviane Araújo: elas começaram como "panteras"

Paulo Sampaio

13/09/2018 04h10

Arrastar-se em um biquíni de oncinha pelo chão do Golden Room do Copacabana Palace, no Rio, com expressão de felina selvagem, ao som de Madonna, não era suficiente. O coreógrafo José Reinaldo, artista por trás do lendário Baile das Panteras, realizado entre 1981 e 1994, queria mais: "Com esse nariz você não ganha!", disse ele para Cristina Mortágua, hoje com 47 anos, símbolo-sexual muito homenageado pelos  adolescentes e marmanjos dos anos 1980/1990. Para quem assistia à eleição da "pantera do ano" ao vivo, ou mesmo pela TV, era difícil enxergar o nariz de Mortágua no topo daquela natureza colossal, de 1,74m de altura ("descalça") e 70kg generosamente distribuídos em peitos, braços, abdômen, bunda e pernas, tudo preservado pela juventude dos 22 anos de idade.

Zé Reinaldo explica: "Ela se inscreveu em 1991, mas na última hora teve uma crise de pânico e não apareceu, nem deu satisfação. No meio do ano, me convidaram para participar de um programa na Globo, e o produtor perguntou se podia chamá-la também, para a gente fazer as pazes. Eu estava com muita raiva, não queria vê-la. Mas eles acabaram me convencendo. Foi quando eu disse que, de qualquer maneira, ela não teria vencido o concurso, por causa do nariz. Ela se inscreveu no ano seguinte e, um mês antes, operou. Obviamente, levou o título. Era um escândalo de mulher. E ainda é!"  Hoje, Cristina afirma que "várias candidatas eram melhores". "Eu só ganhei porque eu era 'a' pantera."

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Cristina Mortagua, capa da edição de maio de 1992 da revista Playboy: "um colosso" (Foto: Arquivo pessoal/Rerpodução)

Amigo do Boni

Lançado em 1981 pelo produtor carioca Walther Guimarães e patrocinado pelo "empresário da noite" Ricardo Amaral, o Baile das Panteras se realizava durante o Carnaval, elegia a vencedora entre 20 candidatas e teve vida longa —  13 anos. Primeiro, a disputa ocorria no Copacabana Palace; depois, no Clube Monte Líbano e, por fim, na casa de espetáculos Metropolitan. A edição que deu o título a Mortagua foi em São Paulo. Naquele ano, o traje era branco "em homenagem a ela", diz Zé Reinaldo.

O programa Fantástico, da TV Globo, transmitia o evento com certo aparato. "A gente era amigo do Boni, então eles faziam a cobertura de graça", diz Walther Guimarães, 60 anos, referindo-se ao então todo-poderoso diretor de operações da emissora carioca, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho. Na época, não havia a facilidade que se tem hoje de acesso a "nudes" de famosos, por isso a exposição das moças nesses concursos atraía uma audiência extraordinária. Para as participantes seminuas, era uma oportunidade de vencer na vida.

O carnaval andava "muito gay" (Foto: Facebook/Reprodução)

Eleita do rei

A pantera ganhadora da primeira edição foi Xuxa, hoje com 55 anos. A vitória dela, segundo Guimarães, contou com o dedo providencial do presidente do júri. "A Xuxa deveria agradecer ao Pelé todos os dias. Ele ficou louco quando a viu no concurso. Na mesma noite, os dois saíram do Copa e foram para o Hippopotamus. No dia seguinte, ele a levou para a editora Bloch (que publicava a revistas Manchete e Fatos & Fotos, espécie de 'Caras' daquela época) e a apresentou ao (dono) Adolpho Bloch. Naquele mês, ela foi capa da todas as publicações da editora."

E também da famigerada Playboy, da Editora Abril, que ainda tinha muito prestígio. Um dos prêmios da pantera ganhadora era sair pelada na capa. "A gente tinha um acordo com a Playboy", lembra Guimarães, que assinava na revista a coluna "Gatas, Coelhas e Panteras". Procurada pelo blog, a assessoria de Xuxa não se manifestou até a publicação do texto.

Globo, Abril, Bloch, Pelé, todos queriam integrar o seleto grupo de felizardos que participava da dilacerante escolha da mulher-pantera. Estar próximo das moças mais desejadas da época agregava muito em termos de status junto às mulheres de uma maneira geral, e aos próprios homens. Gerava a fantasia de que aqueles privilegiados "comiam todas"; de que eles precisavam ter "saúde" para dar conta de duas ou três "candidatas" ao mesmo tempo. No site do concurso no Facebook, o "our story" começa com: "Batalhões de mulheres de vários Estados do Brasil disputaram, ao longo dos anos, vagas entre as finalistas desse concurso que dominou o imaginário masculino por quase 2 décadas.."

Espinhazinha na bunda

A patrulha feminista ainda não era uma ameaça ao escracho machista. "O Amaral se divertiu muito promovendo o concurso. Ele dizia 'Olha a bunda daquela, cheia de espinhazinha"', lembra Walther Guimarães. Segundo ele, a vencedora de 1982, uma moça chamada Maíra, "foi ofuscada por uma morena que dançava em cima de uma cadeira, na festa promovida depois do concurso". "O Amaral deu um beliscão na bunda da figura, ela reagiu brava: 'O que que é?' Quando ele viu que era uma travesti, chamou toda a imprensa e a apresentou como a mais bonita do Brasil. Nascia Roberta Close." O blog tentou falar com Ricardo Amaral por meio de sua assessora, e do próprio Guimarães, mas não obteve resposta.

No sentido horário, a partir do alto, à esquerda: Jorge Guinle, Ricardo Amaral e, segundo a legenda,  "uma lourinha que aparece entre eles"; Boni ("ele só pensou em se divertir"); Xuxa, a pantera de 1981, passa a faixa para a de 1982, Teresa Cristina;  Anna Maria Tornaghi e Terezinha Sodré; várias panteras identificadas apenas por detalhes do corpo, posam muito à vontade

Graças ao sucesso de suas ideias, Walther Guimarães tornou-se um produtor serial de concursos  — entre eles, elegia a "Garota de Ipanema", a "Garota Bumbum" e o "Casal Ele & Ela"; ainda promovia a luta entre mulheres besuntadas de óleo e comandava a patinação do Roxy Roller, na casa de espetáculos carioca Canecão. "Era muito legal o Rio nessa época. Tinha três boates de luxo, o Hippopotamus, o Regine's e o Chez Castel. Todo mundo queria ir. Hoje, não tem público para encher uma."

Me dê motivo

Além de Xuxa e Mortagua, várias outras panteras conseguiram mais do que cinco minutos de fama. Entre as mais conhecidas, estão Diana Burle, Andrea Guerra, Núbia Oliver (Oliveira na época), Viviane Araújo e Luciana Pereira. "Quer encontrar uma porção delas? Vai na Bola de Neve (igreja neopentecostal fundada em 1999). Tá tudo lá", diz Guimarães.

Apesar da incrível disponibilidade para exibir o corpo, nem todas as candidatas seguiam o script estabelecido pelos organizadores. Diana Burle, 54, pantera de 1984, se recusou a posar nua para a Playboy. "Eu não queria fazer de jeito nenhum. Tive uma criação muito rígida, não via quê nem pra quê fazer fotos pelada; não encontrava motivo para aquilo."

Nudez insinuada

Depois de muita conversa com os produtores da revista, Diana acabou topando posar, mas com condições: "Ficou combinado que a nudez seria apenas insinuada. Eu usaria uma camiseta molhada e calcinha..Nua, nua, não." Acabou posando, mas as fotos nunca saíram na revista.

Àquela altura do campeonato, seria o caso de perguntar a Diana, já que ela teve uma educação muito rígida, que "motivo" ela viu em participar de um concurso de panteras, onde se apresentaria de biquíni, em uma coreografia de forte apelo erótico. "Eu não tinha ideia de pra onde aquilo ia me levar. Era como se eu, ao mesmo tempo, participasse dos concursos e assistisse a minha vida. Uma espécie de BBB de mim mesma."

Desclassificada sqn

Diana conta que Zé Reinaldo vestia as candidatas de acordo com o biotipo de cada uma. As coreografias também seguiam um ritmo, digamos, customizado — ou adaptado ao approach das respectivas concorrentes. "A gente fazia três entradas: primeiro, em grupo; depois, sozinhas; e, no fim, com o Zé. Na minha apresentação, ele me mandou colocar um pé em cima da mesa onde se sentavam os jurados. Só que, quando eu coloquei, alguém gritou: "Está desclassificada, isso não pode!' Mas, ao mesmo tempo, o Copacabana Palace todo urrava meu nome", lembra.

Ela não tinha contado aos pais que participaria do concurso. Mas sua mãe, a irmã e o cunhado apareceram de supresa. "Logo depois que anunciaram o resultado, eu estava muito aturdida. Quando vi os três, fiquei feliz e ao mesmo tempo sem graça. Eu não sabia o que eles achavam daquilo. Sabia que aquilo era uma exposição bem ambiciosa para o tipo de educação que eu tinha tido."

Diana com o pé em cima da mesa onde ficavam os jurados: quase desclassificada (Foto: Reprodução/Arquivo pessoal)

Receita do sucesso

Lidar bem com a celebridade não era para qualquer pantera. De acordo com Luciana Pereira, 44 anos, a vencedora de 1995, "aparecem a sua frente uma porção de oportunidades, e você tem de fazer escolhas rapidamente". "De repente, aos 21 anos de idade, a garota vira a mulher mais bonita do momento, a mais assediada, e surgem convites de todos os lados. Naquela época, não tinha agente, assessor, segurança. A gente ia com a cara e a coragem."

Capa quatro vezes da Palyboy, ela foi chamada pela matriz americana para ser VJ na TV da revista. Apresentava os vídeos eróticos do canal e participava dos eventos de gala da revista. "Eu tinha muito o perfil da Playboy americana, loira, peitão (já era grande, coloquei mais ultimamente, pra sustentar). E, ao mesmo tempo, era a cara do 'mundo de Playboy', a mulher linda, intocável. Eu me fazia respeitar, tinha postura, eles valorizavam muito isso."

Primeira classe e Ferrari

Mas se a vitória no concurso das panteras produziu dividendos, por outro lado confinou Luciana em uma rotina solitária. A vida dela, naquela época, era ir aos Estados Unidos para trabalhar, e voltar. "Eu só viajava de primeira classe, eles mandavam um motorista me buscar em casa, em São Paulo, e se responsabilizavam pela minha segurança durante todo o trajeto, ida e volta. No dia dos eventos da revista, em Miami, me pegavam de Porsche, Ferrari, tinha todo aquele glamour, eu achava incrível, mas não era meu mundo. As joias não eram minhas, o carro não era meu…Então, eu vivia em um quarto de hotel, rodeada de luxo, mas sozinha…"

Na época, ela achava que tinha "muito mundo" para aproveitar. "Eu soube guardar dinheiro, graças a Deus. Era isso ou casar com homem rico. Mas é geral. A mulherada procura  o  conforto." Sobrevivente, ela hoje se apresenta como jornalista de TV e tem projetos que considera mais de acordo com sua atual realidade. Namora um homem 13 anos mais velho, cuja identidade ela prefere preservar. Diz apenas que é "gato". Rico? "Não é pobretão."

Luciana Pereira virava a cabeça dos homens; na capa da Playboy de maio de 1995 (Foto: Reprodução)

 

Gente, vira a página

Em janeiro deste ano, houve uma tentativa de reviver o Baile das Panteras, com José Reinaldo assinando a coreografia. Apesar do empenho dele e das candidatas, o tempo mostrou que não seria mais possível ter o mesmo impacto. Com concorrentes "fitness", menos "reais", o concurso sumiu sem deixar rastro, em meio ao populoso arrastão de exibicionismo promovido pelas redes sociais. "Você não via feminilidade nas meninas. Elas não têm celulite, o corpo não é de mulher", avalia Luciana Pereira. Por outro lado, diz ela, "não dá para viver do que aconteceu no passado".  "O problema de muitas ganhadoras daquele tempo é justamente esse. Elas postam fotos da época, querendo eternizar aquele momento, e acabam deprimidas. Gente, vira a página!"

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Sobre o autor

Nascido no Rio de Janeiro em 1963, Paulo Sampaio mudou-se para São Paulo aos 23 anos, trabalhou nos jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo, nas revistas Elle, Veja, J.P e Poder. Durante os 15 anos em que trabalhou na Folha, tornou-se especialista em cobertura social, com a publicação de matérias de comportamento e entrevistas com artistas, políticos, celebridades, atletas e madames.