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Mulheres da elite de SP se reúnem em cabeleireiro para evento pró-Bolsonaro

Paulo Sampaio

28/09/2018 04h00

Grupo "Mulheres com Bolsonaro" na varanda do salão de cabeleireiro (Foto: Renato Batata/UOL)

Para a arquiteta e corretora de imóveis Bya Barros, 56 anos, "o único presidenciável que pode resolver o problema dos 65 milhões de desempregados do Brasil é o Bolsonaro". Porém, diz ela, "não vai ser fácil enfrentar uma imprensa de esquerda, que apoia o PT e recebe muito dinheiro deles". Bya estava entre as estimadas 50 mulheres da elite de São Paulo que se reuniram anteontem em um cabeleireiro no nobre Jardim América, zona oeste da cidade, para manifestar seu apoio ao candidato a presidente da República pelo PSL — havia homens também, mas em número bem menor. "São pessoas de um nível alto", diz Cristina Legramantti, a assessora do salão, instalado em uma casa de 2.500 metros quadrados na Rua Colômbia.

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Segundo a última pesquisa do Datafolha, Jair Bolsonaro lidera as intenções de voto, com 28%. Está à frente também no índice de rejeição dos eleitores, com 44%. Bolsonaro recebeu alta hoje, depois de 23 dias internado no Hospital Albert Einstein por conta de um golpe de facada aplicado por Adelio Bispo em um ato de campanha em Juiz de Fora, Minas Gerais. Ainda de acordo com as pesquisas, o candidato do PSL deve disputar a presidência com o segundo colocado, Fernando Haddad, do PT, que conta com 22% das intenções de voto.

"Tenho um amigo empreendedor que deixou o Brasil porque não aguentou tantos anos de bandalheira no governo do PT. Saiu falido. Foi para a Venezuela. Quebrou de novo. Afinal, quem está disposto a comer ração e a pedir sabonete emprestado para tomar um banho digno?", pergunta Bya, sem dizer o nome do amigo, nem dar detalhes sobre a ruína dele. Enquanto fala, ela posa para fotos sentada em frente a uma das bancadas do salão, onde há um espelho feericamente iluminado. Um profissional recrutado para atendê-la liga o secador no máximo e o aponta para os cabelos longos e loiros dela, a fim de deixá-los esvoaçantes.

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Homem fazendo brigadeiro

Toda de preto, salpicada de joias, Bya afirma que a derrocada do Brasil é tamanha que "nem as empregadas domésticas arrumam emprego mais". "Todos os dias, me ligam umas dez! Já tem homem fazendo brigadeiro, bordando pra fora…E os motoristas do Uber? Já reparou? São pessoas extremamente bem preparadas, sem colocação no mercado. Outro dia, peguei um que estava de blazer e falava cinco idiomas. Eu falo três! Entende?"

Bya garante que, pelo que tem conversado "com as pessoas nas ruas", Bolsonaro ganha no primeiro turno. Ela afirma que a amostragem de sua pesquisa é bem ampla. "Sou arquiteta, lido com pedreiro, vou da classe super E à super A." Um dos pontos que a levaram a se decidir por Bolsonaro foi a "simpatia pelo pensamento dele". "No 7 de setembro, quando eu era adolescente, não viajava. Ficava na cidade para participar do desfile. Tive aula de moral e cívica e cantava o Hino Nacional com o maior orgulho."

Bya Barros: "São 65 milhões de desempregados; o que tem de gente batendo bolo em casa pra vender!" (Foto: Renato Batata/UOL)

Rejeição em massa

Dos eleitores que rejeitam Bolsonaro, a maioria são mulheres. Segundo levantamento do DataFolha, 49% delas dizem que não votam nele de jeito nenhum. O candidato conquistou o desprezo de grande parte do eleitorado feminino depois de fazer uma série de declarações misóginas, sexistas, racistas e homofóbicas. Em uma ocasião, disse à deputada federal Maria do Rosário que não a estuprava por que ela não merecia; em outra, quando Preta Gil perguntou o que ele acharia se um de seus filhos se casasse com uma negra, ele respondeu: "Preta, eu não vou discutir promiscuidade (…) Meus filhos foram muito bem educados e não viveram em um ambiente como lamentavelmente é o teu". Num terceiro momento, chamou a Secretaria de Políticas para Mulheres do governo Dilma de "sapatona".

As frequentadoras do encontro no cabeleireiro não dão importância a tais declarações, afirmando que "isso faz parte do passado, ele já se retratou"; ou que "ele é muito brincalhão, não pensa de fato assim";  e ainda que "todo mundo, quando está estressado, fala sem pensar". Mas a crença mais recorrente é a de que "tem muita manipulação da mídia sobre ele". "É igual ao Big Brother, tudo editado", compara a endoativista (militante de apoio às mulheres com endometriose) Ariane Steffan, 43, que se apresenta como "prima do Olavo de Carvalho, filósofo de direita".  "Prefiro acreditar no que o Bolsonaro diz, do que no que sai na imprensa."

Diz pra quem?

Entra em cena a candidata à deputada federal Joice Hasselmann, 40, autodefinida "maior influenciadora política do Brasil". Depois de afirmar que é muito próxima de Bolsonaro, Joice conta que o candidato fez  tudo para convencê-la a concorrer a um cargo na Câmara dos Deputados. "O Jair insistiu um mês, direto. Um dia, ele disse (imitando a voz de Bolsonaro): 'Olha aqui, Joice, não tô te convidando, tô te intimando. É o capitão que está falando"'. Todos riem.

Na plateia, as pessoas acompanham a palestrante com a expressão de crianças que ouvem uma história infantil. Aparentemente, dão crédito a tudo o que ela fala. Por sua vez, Joice diz tudo o que elas querem ouvir. "Me passaram informações muito graves sobre ratos que estão tentando comprar parte da imprensa para fraudar notícias (sobre Bolsonaro)". Ela usa um tom cavernoso: "Eu sei de onde vem". Sobre o "caso Adelio", Joice diz: "Acho muito estranho que tenha acontecido em um reduto petista (…) Boas fontes me informaram que havia células do Hezbollah no meio do povo. (…) Havia um avião esperando pelo Adélio, para leva-lo dali."

Joice é grande, opulenta e sua presença cênica parece reforçada por um vestido longo de veludo molhado azul-turquesa, com bordados no decote. Entre uma revelação e outra, solta frases como: "trabalhei nos maiores veículos de comunicação do país, sei como funciona".

Pata de vaca

Para "acabar com a sem-vergonhice que está aí", a candidata promete chegar à Câmara fazendo alarde: "Vou entrar colocando o pé na porta", diz ela, que usa um sapato pata de vaca com salto de 13 centímetros. "A Gleisi, o Jandirão, a Maria do Rosário e o Jean Wyllys são meus! Deixa comigo!" Um homem na plateia arremata: "Sou mais Hasselmann do que Hoffmann!" Todos batem palmas e gritam Uhu!!, como se a palestrante fosse um orgulhoso campeão de vale-tudo.

Ao garantir que Bolsonaro levará a presidência já no primeiro turno, a candidata afirma que o eleitorado dele é muito maior do que mostram os números. "Nenhuma pesquisa consegue calcular a fatia do 'eleitor envergonhado', aquele que não tem coragem de dizer que vai votar no Bolsonaro." Por que não tem coragem?

Ela compara a situação do candidato com o "fenômeno Trump". "Muita gente que dizia que ele era machista, que abusava das mulheres, que  isso, que aquilo, acabou votando nele."  Joice responde à pergunta de alguém na audiência sobre risco de fraude eleitoral. Ela defende que haja um "clamor popular" para que o exército acompanhe a contagem dos votos.

Joice Hasselmann e o sapato pata de vaca salto 13cm: "Vou entrar (no Congresso) colocando o pé na porta!"(Foto: Renato Batata/UOL)

Grupo bem bacana

De acordo com Ariane Steffan, a "prima do Olavo de Carvalho", as eleitoras ali presentes fundaram há uma semana o movimento "Mulheres com Bolsonaro" como uma resposta ao "Mulheres contra Bolsonaro" (#elenão), que reúne mais de 5 milhões de ativistas e convocou manifestos hoje, em diversas cidades do Brasil e do mundo."A gente criou um grupo bem bacana no whatsapp, só de mulheres da alta sociedade, que se uniu em um esforço para eleger o Bolsonaro no primeiro turno", diz Ariane. O grupo dela também planejava convocar um manifesto em São Paulo, hoje. Entre as mulheres da alta sociedade, estão Helô Pinheiro (garota de Ipanema), Nadia Bacchi (a mãe de Karina Bacchi) e Lily Ribeiro (mulher do cardiologista mineiro Lair Ribeiro, mais conhecido como "fenômeno da autoajuda").

Nadia Bacchi, 70, diz que vota em Bolsonaro porque pensa no "Brasil macro". "Olho para o país em termos de nação. Me preocupo com o futuro dos meus filhos, dos meus netos." Ela conta que procura analisar as declarações do candidato do PSL a fundo: "Nós não acreditamos que ele seja esse terror. Às vezes, aparece só aquele pontinho nevrálgico, negativo, mas a gente sabe que o todo é muito maior", afirma ela, um tanto sofismática.

Ariane Steffen, a prima do Olavo de Carvalho, uma das integrantes do "grupo bem bacana" (foto: Renato Batata)

Coma induzido

Lá pelas tantas, o espírito bolsonariano baixa no salão, evoca demônios e deixa as eventuais almas conciliadoras de cabelos em pé.

"Se uma pessoa que defende a castração química e a redução da maioridade penal em caso de crime hediondo não é a favor das mulheres, quem é?", pergunta a administradora Elektra Kanakis, 41, bastante identificada com o ideário bolsonariano. Para ela, "há muito exagero no que está sendo propagado sobre ele".

"O Brasil está com câncer, enfartado, em coma induzido", acha Lily Ribeiro, 62. "O que as pessoas chamam de corruptos, eu chamo de assassinos!", continua a mulher de Lair Ribeiro, que considera Bolsonaro o remédio para a cura do câncer. "Nosso País está precisando de um homem com a energia dele! É o único que tem coragem de falar tudo que a gente pensa! Único que quer acabar com os direitos humanos que, de humanos, não têm nada!"

Embarque pelo heliponto

Lily pega embalo: "Lugar de ladrão é preso, e não com gente tomando 'continha' dele! Tem de dar autonomia para a polícia!"

E então: "Se isso virar a Venezuela, querido, sabe o que eu faço? Arrumo as malas, pego minha família e vou embora! Meu marido tem passaporte americano, eu tenho europeu…Faço como boa parte dos meus vizinhos", diz ela, que mora nos Jardins, também na zona oeste, em um prédio equipado com heliponto. "Não preciso nem sair pela garagem", comemora.

 

Elektra Karnakis, a favor da castração química (Foto: Renato Batata/UOL)

Quem não fala uma besteira?

O blog lembra às frequentadoras do encontro que Ana Cristina Valle, ex-mulher do candidato Bolsonaro, o acusou de ameaçá-la de morte no passado — de acordo com reportagem da Folha de S. Paulo. Por sua vez, a revista Veja teve acesso ao processo da separação judicial do casal, que tem 500 páginas e inclui acusações de furto de cofre, ocultação de bens e relatos de "comportamento explosivo" e "desmedida agressividade" por parte dele.

Mas não há evidência que balance as convicções das eleitoras de alto nível de Bolsonaro. Elas simplesmente não acreditam no noticiário. Preferem ouvir Joice Hasselmann ("ele é extremamente brincalhão; não é machista nem homofóbico, é machão"). Referindo-se aos jornalistas, a comerciante aposentada Dorothy Kherlakian, 69, acha que "as pessoas que divulgam mentiras e não provam deveriam ser multadas".

Não importa que as duas reportagens estejam fartamente documentadas. "Ela (Ana Cristina) já desmentiu tudo em um vídeo!", diz a professora de física Denise Viola, 56. "Vamos falar português claro, são 'falsas notícias'." Denise reconhece, no entanto, que Bolsonaro pode ter se excedido com Ana Cristina: "Quem não fala uma besteira na vida!? Ainda mais sendo militar e autêntico!"

Né?

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Sobre o autor

Nascido no Rio de Janeiro em 1963, Paulo Sampaio mudou-se para São Paulo aos 23 anos, trabalhou nos jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo, nas revistas Elle, Veja, J.P e Poder. Durante os 15 anos em que trabalhou na Folha, tornou-se especialista em cobertura social, com a publicação de matérias de comportamento e entrevistas com artistas, políticos, celebridades, atletas e madames.