Para defender comunidade LGBT, Wyllys precisou deixar de ir a bares gays
Paulo Sampaio
25/01/2019 15h26
Reprodução/Instagram
Em maio de 2015, eu estive no apartamento do deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ), em Copacabana, no Rio, para fazer um perfil dele publicado em julho pela revista Poder. Na ocasião, o que mais me impressionou na nossa conversa foi saber que a principal voz da comunidade LGBT no Congresso Nacional estava evitando frequentar bares e saunas gays, para não dar munição a seus opositores, incluindo muitos homossexuais. "Eu gostaria de ir ao Galeria Café (bar carioca) e sambar até o chão, como fazia antes, mas a representação política trouxe responsabilidades que limitam minha vida pessoal."
Achei o cúmulo do paradoxo. Naquela época, ele ainda se mostrava muito combativo, disposto a seguir uma luta que — não só pelo volume gigantesco da oposição, como pelos argumentos inomináveis usados por ela — já se adiantava inglória. "Não vou ouvir calado opiniões como: 'Tudo bem ser gay, mas não precisa dar pinta'. Como não precisa dar pinta? Quem disse que, para não receber uma lâmpada na cara, na Paulista, tem de andar de corte militar, coturno, jeans e camisa xadrez?" Pois é, quem disse?
Achei que precisava entrevistar o deputado federal Jair Bolsando (PP-RJ), que desde sempre foi um dos mais emblemáticos opositores de Wyllys: "Não tenho nada contra homossexuais. Pode até sentar na minha mesa. Mas não vem lascar um beijo no bigodudo que está com ele porque aí eu chio. Ali não é lugar!" Digamos que o povo que "chia" (e que eventualmente agride homossexuais) está ainda mais à vontade agora que o deputado virou presidente da República. Jean Wyllys preferiu evitar o pior.
Principal voz da comunidade LGBT no Congresso Nacional, o deputado federal Jean Wyllys estendeu sua luta a todas as minorias. Cumprindo o segundo mandato, elegeu-se com votação expressiva e conquistou incrível visibilidade, mas paga um preço alto pela exposição
Por Paulo Sampaio para a revista PODER de julho
Primeiro homossexual assumido a participar do reality show Big Brother Brasil, da TV Globo, em 2005, o deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ) reduziu sua exposição em ambientes gays a quase nada. Parece paradoxal, mas agora que se tornou o arauto da comunidade LGBT e das minorias no Congresso Nacional, ele precisa se cuidar para não ter a imagem denegrida: "Eu gostaria de ir ao Galeria Café (bar carioca de frequência homossexual) e sambar até o chão, como fazia antes, mas a representação política trouxe responsabilidades que limitam minha vida pessoal. No mundo em que a gente vive, com esses celulares com câmera, não posso me arriscar a ser difamado, a aparecer na internet em um vídeo me ridicularizando, preciso tomar cuidado. As pessoas esperam que eu cometa um deslize, para depois dizer: 'Quem mandou colocar veado no poder?'".
Mas se existem câmeras patrulheiras em bares gays, significa que há detratores do deputado entre os próprios integrantes da comunidade que ele defende incondicionalmente. Wyllys isenta os homossexuais que sofrem da chamada homofobia internalizada, um fenômeno que leva os gays a se rejeitarem. "A gente é criado em uma cultura heterossexista de dominação masculina, somos construídos por esses discursos, esses aparatos conceituais. Então, é uma cultura que forja gays homofóbicos. Muitos trepam com culpa, chegam em casa quase se chicoteando, se sentido sujos pelo que fizeram. Isso traz um sofrimento psíquico muito grande. Eu quero ajudá-los a sair disso." Para Jean Wyllys, seus verdadeiros adversários, em um ambiente político devastado pela desinformação e a deslealdade, são a ignorância e a má-fé: "Quem você acha que leva vantagem eleitoral em um país como o nosso, com esse débito enorme em educação de qualidade, com essa despolitização generalizada das pessoas? Quem você acha que dá mais audiência no Ratinho, no Datena: eu ou o cara que investe na falta de discernimento da população e afirma, por exemplo, que a redução da maioridade penal vai reduzir a violência urbana?"
VOZ SOLITÁRIA
Se por um lado a ignorância compromete a compreensão do discurso do deputado do PSOL, por outro possibilita a ele uma incrível visibilidade no Congresso Nacional. Ser uma "voz solitária" em um ambiente coalhado de fundamentalistas, justamente no momento em que a desmoralização da casa chegou a seu ponto mais evidente, proporciona, aí sim, uma exposição "boa". Em seu segundo mandato, ele foi eleito em 2014 com expressivos 144 mil votos – contra 13 mil do pleito anterior (2010). Dono de um espírito aguerrido, uma reconhecida articulação intelectual e uma imperturbável perseverança, Wyllys denuncia permanentemente os privilégios das elites em detrimento dos direitos básicos da população carente. "Minha campanha custou R$ 70 mil, angariados por crowdfunding, com doações individuais feitas em todo o Brasil. Esse dinheiro é de pessoas que se sentem representadas por mim, que deram R$ 100, R$ 200, R$ 300. Agora, você sabe quanto custou a campanha do (presidente da Câmara) Eduardo Cunha (PMDB-RJ)? Sete milhões. Os doadores são grandes corporações que o sustentam em troca da manutenção de interesses próprios. Fazem isso justamente para que ele aprove o financiamento privado de campanhas", afirma.
Wyllys se refere a Eduardo Cunha como "a encarnação do mal". Difusor de princípios controversos, o presidente da Câmara personifica uma espécie de "adversário perfeito" do deputado. Não só pela defesa de pontos de vistas extremamente conservadores, como pela forma com que faz isso. Evangélico fundamentalista, Cunha não tem pudor quando se trata de distorcer as intenções da oposição. Antes de assumir a presidência da Câmara, tuitou: "Estamos sob ataque dos gays, abortistas e maconheiros". Assessores de Cunha não retornaram a ligação da reportagem. De acordo com a deputada Erika Kokay (PT-DF), Jean Wyllys tem sido vítima de "profunda desonestidade intelectual". Em um dos episódios promovidos para prejudicar sua imagem, o deputado foi apontado como o autor de frases de intolerância religiosa e em defesa da pedofilia na internet. Juntamente com Erika e o deputado Domingos Dutra (SDD-MA), Wyllys protocolou uma representação criminal por calúnia, difamação, falsificação de documento público, injúria, formação de quadrilha e improbidade administrativa contra o deputado Marco Feliciano (PSC-SP) e o pastor Silas Malafaia. Feliciano se queixa de que "o Jean não conversa com ninguém, é egocêntrico, joga para a plateia". "Ele não aceita ser confrontado, faz mais mal do que bem para o movimento gay, muitos homossexuais não se sentem representados por ele." Há controvérsias. Wagner Tronolone, fundador do Diversidade Tucana, liderada por homossexuais do PSDB, diz que, apesar de não comungar do ideário político de Jean Wyllys, o considera "uma figura importantíssima na defesa da causa LGBT". "Valorizo muito a atuação dele no Congresso. Ele dá a cara a tapa em um ambiente extremamente conservador."
BEIJO NO BIGODUDO
Boa parte dos opositores de Jean Wyllys se aproveita de seu discurso radical para fazer o contraponto politicamente incorreto – e conseguir projeção. Wyllys costuma dar trela a políticos que agregam mais com ele do que o contrário. O deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ) tornou-se famoso por isso. A PODER, Bolsonaro explicou: "Não tenho nada contra homossexuais. Pode até sentar na minha mesa. Mas não vem lascar um beijo no bigodudo que está com ele porque aí eu chio. Ali não é lugar!". Embora reconheça no "discurso performático" de Bolsonaro a intenção de construir um personagem, Jean Wyllys não tem dúvida de que ele age assim por convicção: "O Bolsonaro serviu ao regime militar, ele foi parte daquela estrutura de poder que caçou pessoas, exilou, matou. E nunca quis a redemocratização, as Diretas Já. Queria a permanência da ditadura". Firme no propósito de chocar, Bolsonaro reage com cinismo: "O Brasil nunca viveu uma ditadura. Isso só está na cabeça desse povo de esquerda que quer se vitimizar. Além de tudo, são mal informados". (Ao dar o seu voto contra o impeachment de Dilma Rousseff, Jean Wyllys cuspiu no agora presidente Jair Bolsonaro, e enfrentou um processo por isso, mas foi absolvido).
De uns tempos pra cá, Jean Wyllys tem usado a expressão "analfabeto político" para se referir a pessoas que, no seu parecer, emitem opiniões sem ter ideia do que estão falando. O "ignorante" que deu origem à série foi o adolescente Kim Kataguiri, 19 anos, integrante de um movimento chamado Brasil Livre. Em um artigo publicado na seção Tendências e Debates, da Folha de S.Paulo, Kataguiri convocou os leitores a participar da manifestação de 15 de março, a favor do impeachment de Dilma. Escreveu ele: "A Petrobras é uma verdadeira Apple da picaretagem, e a Dilma, nossa gerentona, a Steve Jobs da incompetência". Inconformado com o espaço dado pelo jornal ao garoto, Wyllys postou na internet: "(Os analfabetos políticos falam) mesmo sem se aprofundar nos conhecimentos em questão; mesmo renunciando a tarefa de se informar melhor sobre eles; mesmo partindo de preconceitos, boatos ou mentiras". Kataguiri replicou com um vídeo: "Que moral tem um deputado que diz defender os negros e os gays, mas, ao mesmo tempo, idolatra Che Guevara? Você sabia que se estivesse lá, deputado, na Revolução Cubana, seria fuzilado simplesmente por ser gay?". Sobre os frequentadores do ato contra Dilma, Wyllys diz que a "elite mais egoísta" é a de São Paulo. "Você não precisa nascer pobre, nem passar fome, para ter a percepção do que seja isso. Mas os paulistas simplesmente não conseguem. O pior discurso sobre os pobres vem sempre de lá. Eles chamam o Bolsa Família de 'Bolsa Vagabundo'."
À PROVA DE RUÍDO
Jean Wyllys recebeu PODER em seu apartamento carioca, localizado em uma esquina da movimentada rua Barata Ribeiro, que atravessa Copacabana do Lido ao Posto 4. Com móveis meramente funcionais, sem nenhuma alusão a designers ou estilos, a sala escura rescende a incenso. Ele explica que mandou instalar janelas antirruído para isolar o interior do barulho da rua. "Não era possível me concentrar", diz, enquanto se deixa fotografar antes da entrevista. O escritório fica em um dente da sala que dá para a rua. Aparentemente, o deputado não tem vaidade física. Não pede para trocar a roupa para fazer as fotos, nem para ver na máquina como estão saindo as imagens.
Manso a princípio, ergue as sobrancelhas quando o assunto mexe com suas convicções. "Não vou ouvir calado opiniões como: 'Tudo bem ser gay, mas não precisa dar pinta'. Como não precisa dar pinta? Quem disse que, para não receber uma lâmpada na cara, na Paulista, tem de andar de corte militar, coturno, jeans e camisa xadrez? Não existe modelo de homossexual. É preciso respeitar a bicha 'pão com ovo' do mesmo jeito que a bicha 'sala de estar', que é a que vai ao Spot". (De acordo com a "Aurélia, a Dicionária da Língua Afiada", elaborada pelo jornalista gay Vitor Angelo, a definição de "pão com ovo" é: "(pejorativo)(SP) homossexual pobre, tanto econômica como culturalmente"). A "sala de estar" seria a alegadamente refinada. Sem namorado no momento, Wyllys diz que a política demanda muito tempo de sua vida e que, por mais contraditório que possa parecer, a luta pela liberdade não deixa tempo para que ele mesmo usufrua dessa liberdade. "Como não posso estar nos aplicativos (de busca de sexo), o máximo que me permito é ir a uma sauna gay. Mesmo assim, as pessoas que estão lá se escandalizam com a minha presença." E haja espírito combativo para enfrentar o preconceito.
Sobre o autor
Nascido no Rio de Janeiro em 1963, Paulo Sampaio mudou-se para São Paulo aos 23 anos, trabalhou nos jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo, nas revistas Elle, Veja, J.P e Poder. Durante os 15 anos em que trabalhou na Folha, tornou-se especialista em cobertura social, com a publicação de matérias de comportamento e entrevistas com artistas, políticos, celebridades, atletas e madames.