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Byafra: "O Caetano é esperto. Você acha mesmo que ele gosta da Anitta?"

Paulo Sampaio

14/08/2019 04h00

O cantor, alçando voo no Museu de Arte Contemporânea de Niterói, perto do local onde foi atingido por um parapente desgovernado (Foto: Paulo Sampaio/UOL)

Famoso nos anos 80 pelo hit "Sonho de Ícaro", o compositor e cantor Byafra reconhece que a letra da música é um pouco rarefeita ("Voar, voar/Subir, subir/Ir por onde for/Descer até o céu cair/Ou mudar de cor/Anjos de gás/Asas da ilusão"). Mas ele prefere chamar o estilo de "realismo fantástico", como é conhecida a escola literária latino-americana que transita entre o real e o mágico e descreve acontecimentos estranhos como algo corriqueiro.

Nascido em 1957 em Niterói, região metropolitana do Rio, Byafra foi Biafra, com "i", até 1998.  Ao contrário do que se pode imaginar, ele não mudou a grafia do nome por sugestão de algum numerólogo. A culpa foi da internet. "Meu nome no Google aparecia associado à República de Biafra e a Guerra Civil Nigeriana", lembra o cantor, batizado Maurício Pinheiros Reis. Família e amigos o chamavam de Biafra por causa da magreza, associada às crianças subnutridas da nação africana que existiu entre 1967 e 1970.

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Bom menino: roupa branca, ombreiras e gola de padre (Foto: Acervo Pessoal)

Vou de Táxi

Autor de 14 álbuns que venderam cerca de meio milhão de cópias, Byafra emplacou várias baladas românticas em novelas, como "Helena" ("Marrom Glacé", 1979) e "Vinho Antigo" ("Jogo da Vida", 1981). Algumas se tornaram famosíssimas na voz de outros intérpretes, incluindo Roberto Carlos ("Por ela", uma versão, e "Mudança"); Simone ("Leão Ferido") e Angélica ("Vou de Táxi").  No show que apresenta atualmente, canta por volta de 20 músicas dele e de compositores como Cazuza ("Codinome Beija-flor"), Guilherme Arantes ("Cheia de Charme") e Suely Costa e Abel Silva ("Jura Secreta"): "Meu público é de senhoras de 40+", explica.

Em 2009, Byafra voltou a fazer sucesso não só entre as senhoras de 40+ mas também com um público jovem que pouco sabia a respeito dele. Foi quando um parapente o atingiu na orla de Niterói, enquanto ele cantava "Sonho de Ícaro" para uma participação no documentário "Alô, Alô, Terezinha", de Nelson Hoineff, sobre o apresentador Chacrinha.

"Aquele ícaro desavisado me deu uma porrada, eu não vi que ele estava vindo", conta o cantor. "O Hoineff disse que ia usar na chamada do filme, eu achei que ele estava brincando. De repente, tô eu andando na praia e recebo uma porção de mensagens de gente me perguntando da minha saúde: 'Disseram que você está no hospital, todo quebrado…"'

Mico instantâneo

De acordo com ele, "isso prova que a vitória não gera notícia, só a derrota". "O ser humano é basicamente mau. Tanto que no [jornal americano] New York Times tem lá: 'good news is bad news'."

Transformado em uma espécie de mico instantâneo, o episódio do parapente reverteu positivamente para Byafra, na forma de um convite muito atraente. Um banco o procurou para usar o incidente em um comercial. "Foi um excelente retorno. Cobrei bem. Coloquei o dinheiro para render, vivo dele até hoje", ri.

Mestrado em MPB

O lado comercial da carreira sempre esteve no foco de Byafra. O que importava era bombar nas rádios, fazer sucesso e ganhar dinheiro. Para ele, um hit nas paradas era apenas mais um degrau. "Meu projeto era o seguinte: depois de uma música estourar muito na rádio, eu partia para outra. Com o tempo, eu já não ia precisar contar com apenas um sucesso para fazer show."

Formado em música pela Unirio, ele conta que recentemente tirou o bacharelado em canto na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Define seu timbre de voz híbrido, feminino, como de tenor. Diz que pretende fazer um mestrado em MPB, mas reclama: "Isso não existe nas faculdades do Brasil. Nossa música não é valorizada".

Pink Floyd

Apesar de estudar música clássica, ele assume a preferência pela "popular, de consumo fácil, despretensiosa".

Pergunto: quando você compunha uma letra, pensava: "essa vai estourar" ou "nossa, essa é linda"? Byafra: "Bom, lógico que, se eu faço uma sonata em três partes, vai ser mais difícil tocar na rádio. Não vou inventar nada difícil. Mas uma canção tem o seu jeito de ser. Quando eu escrevia ou alguém compunha pra mim, eu procurava escutar a letra e me perguntar: 'Eu falaria isso? Na minha vida real, eu assumiria isso?' Se assumisse, eu cantava." Segundo ele, "quando é mentira, o povo nota, saca?"

Ácido em Niterói?

Em relação à letra de "Sonho de Ícaro", ele diz que "assumiria os versos na vida real". "Claro que sim! Eu adoro rock progressivo." Ele associa a letra da música às "imagens e metáforas" utilizadas por grupos como Pink Floyd e Emerson, Lake and Palmer, dos anos 1970, de quem era fã. "Tem tudo a ver", acha.

Ao contrário daqueles roqueiros, a quem se atribuíam grandes "viagens de ácido", Byafra diz que nunca usou droga. Preferia jogar bola na areia e cantar no coral da escola: "Ninguém tomava ácido em Niterói. E tem o seguinte: se você toma ácido, não faz música nenhuma. Os roqueiros não tomavam ácido para compor aquelas músicas. Eles compunham aquelas músicas para tomar ácido."

No auge, com os destaques de 1982 eleitos pela Rádio Globo: Roberto Carlos, Simone, Djavan e Amelinha (Foto: Arquivo Pessoal)

Crítica pra quê?

Byafra afirma que nunca tentou fazer parte da elite da MPB. "Eu sabia que meu trabalho era popular, tinha meu público e cantava pra ele. A pior coisa era ver cantor popular que queria ser da elite e ficava no meio do caminho. Um sofrimento."

Por conta dessa convicção, ele levou boas bordoadas de críticos implacáveis da época, como Maria Helena Dutra, do Jornal do Brasil, e José Ramos Tinhorão, do Globo. "Eles diziam: 'Esses garotos fazem um trabalho apelativo, ficam imitando música internacional.' Tinhorão achava que o que a gente cantava não era música. Eu nunca dei bola. Ia ganhar o quê, se a Maria Helena Dutra ou o Tinhorão me elogiassem? Quantos discos a mais eu ia vender? Quantos shows? Deixava eles acharem o que quisessem. Meu público jamais deixou de ir a um show meu por causa da crítica."

Playback na periferia

E olha que ele se apresentava em playback (cantava em cima da própria voz). Chegava a fazer sete apresentações por noite, no subúrbio do Rio, executando cerca de quatro músicas em cada uma: "Até tentamos fazer com a banda, mas na maioria das vezes a gente ia para periferias muito pobres, eles não tinham dinheiro para pagar todo mundo. No início, a gente ainda pegava a aparelhagem, colocava dentro de uma Kombi, e os músicos iam em outro carro." O Lulu Santos me dizia: "Não vale a pena! Alguns lugares têm o palco tão pequeno que nem cabe tudo aquilo."

Em relação à fama, Byafra diz que sempre buscou manter os pés no chão: "Tinha gente que pirava, acreditava naquilo tudo. Uns começavam a andar na rua com segurança. Eu achava engraçado [gargalhando]. Pensava: 'Daqui a pouco tá o cara com o segurança, e ninguém pedindo autógrafo. Olha a comédia"'.

Água e óleo: Byafra e Pepeu Gomes gravando, em 1987 (Foto: Arquivo Pessoal)

Sem amanhã

Para ele, o advento da internet foi bom e ruim. "Bom, porque o sujeito do Acre, que não tinha acesso à minha música, agora vai no YouTube e me acha. A forma da garotada consumir, hoje, é totalmente diferente. Às vezes, começam a te ouvir não é nem pela música. Alguma coisa chamou a atenção deles e levou para a música."

Por outro lado, diz, "a internet quebrou as gravadoras". "O canal de divulgação e massificação não é mais a TV, mas as redes sociais. E tudo se dá muito rapidamente. Muitos artistas querem aparecer logo e lançam um refrãozinho fácil. O sucesso é imediato, e eles não se importam com o tempo que vai durar. O amanhã não existe."

Recriando estratégias

Nem o amanhã, nem o ontem. Byafra acredita que a geração de 20, 30 anos despreza a memória da música, do teatro, da cultura. Com isso, os próprios artistas de elite do passado estão tendo de recriar suas estratégias: "Outro dia, o Caetano estava no programa do Nelson Motta cantando com a Anitta. Ele é muito esperto. Você acha que o Caetano gosta mesmo da Anitta?"

Sobre o mercado da música, ele considera que ser pequeno é tão ruim para a longevidade do artista como ser grande demais: "Você virar uma Ivete pode ser um problema. Começa a colocar o preço do show nas alturas, o que é bom, enquanto você está enchendo estádio. Aí, de repente, quando já não está com essa bola toda, vai ter de diminuir o preço. Complicado."

Fim do Zezé

E como andará a voz do tenor? Ele explica que não é possível manter o mesmo timbre para sempre. "Foi o que acabou com o Zezé Di Camargo. Querer manter o mesmo tom com que cantava aos 25 anos, nos 40. Tem de ir baixando."

Casado pela segunda vez, duas filhas, Byafra conta que leva uma vida simples, mantém os amigos de sempre e viaja de vez em quando com a mulher. Diz que não ficou rico, nem mesmo depois do episódio do parapente. "Comprei meu apartamento, tenho um carro normal e faço shows pelo Brasil." Ele reitera que nunca pensou em morar na zona sul do Rio: "Para que eu vou pra Ipanema, se Niterói tem praias maravilhosas? Pior é que o povo tá descobrindo isso, vem gente à beça pra cá. Pensei em sugerir a Prefeitura colocar uma placa: 'Conheça Búzios'."

Seu projeto mais recente foi o livro "Sonho de Ícaro", em que estende ainda mais a prosa mágica da música. "Transformei o Ícaro em personagem. É realismo fantástico. Pegaram o cara (Ícaro), trancaram ele dentro de uma biblioteca que tinha sido privatizada, e por isso precisavam de dinheiro. As pessoas não iam na biblioteca para ler livro porra nenhuma, iam só para ver o Ícaro. Ele decorou os livros todos. Aí, nego perguntava coisas para ele, ele citava Voltaire. Nego dizia: 'Pô, o cara é inteligente'. Era nada, ele tinha decorado tudo hahahaha."

Voar, voar, subir, subir…

 

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Sobre o autor

Nascido no Rio de Janeiro em 1963, Paulo Sampaio mudou-se para São Paulo aos 23 anos, trabalhou nos jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo, nas revistas Elle, Veja, J.P e Poder. Durante os 15 anos em que trabalhou na Folha, tornou-se especialista em cobertura social, com a publicação de matérias de comportamento e entrevistas com artistas, políticos, celebridades, atletas e madames.