Show de strippers tinha plateia de famosos, ereção e Guilherme de Pádua
Aquele show de strip-tease masculino em San Francisco, na Califórnia, não saía da cabeça da travesti Eloína. Ela tinha certeza de que, se produzisse algo do gênero no Rio, seria um estouro de bilheteria. Mas que administrador de teatro nos anos 1980 estava disposto a arriscar a reputação da casa com um espetáculo tão apelativo? "A única que acreditou na minha ideia foi a (atriz) Brigitte Blair, dona do teatro Serrador. Fui com 5 meninos, para fazer duas noites, ficamos mais de doze anos, com casa lotada", lembra Eloína, que conseguiu estrear em 1987.
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A princípio, segundo ela, a "Noite dos Leopardos" era "um show bem tosco". Um grupo de jovens musculosos, bronzeados, com um jeitão meio infantil, meio cafajeste fazia três entradas no palco; na primeira, eles apareciam com pouca roupa e máscaras; na segunda, só de sunga; e na terceira, surgiam nus, frente e verso, com o pênis ereto. "Eu pedia a umas amigas para dar uma força aos rapazes nos bastidores", conta ela, referindo-se ao modus operandi utilizado para que os atores atingissem o ponto de rigidez peniana esperado pela audiência. Muitos voluntários se ofereciam para dar a tal "força" — mas ela era rigorosa em relação a liberar a entrada de curiosos no backstage.
Mesmo para o elevado padrão carioca de exibicionismo, o show se revelou uma novidade. Os leopardos se multiplicaram, logo eram 10 em cena, depois 12, 18, o show migrou para o Teatro Alaska, na lendária galeria de mesmo nome, em Copacabana, e então se tornou uma atração assistida por visitantes ilustres do mundo todo. No auge, a plateia que prestigiava o vigoroso escrete de Eloína incluía gente como Caetano Veloso, Madonna, Cazuza, Elza Soares, Liza Minnelli, entre muitos outros. Em uma noite particularmente bem frequentada, a atriz veterana Henriqueta Brieba, que morreu em 1995 aos 94 anos, aplaudiu de pé o espetáculo: "Eu a levei até o táxi na saída", gaba-se o leopardo Luiz Carioca, hoje com alegados 50 anos (veja entrevista), estimados cinco casamentos, três filhas de diferentes mulheres ("todas fãs que me abordaram na saída do show").
Guilherme de Pádua: "pau pequeno"
O blog tentou conseguir com Eloína contatos de outros atores do show, mas ela desconversou. Disse que é difícil localizá-los. "Um se casou em Nova York e fez a vida lá. Outros três me pedem para não citar o nome em entrevistas, porque trabalham na Polícia Federal. Há também os que morreram de Aids [como Maurício Gimenes]." E tem Abel, considerado por ela a maior estrela de todas as temporadas. Segundo Eloína, ele mora em um subúrbio do Rio, ela não tem o telefone…
Guilherme de Pádua, assassino confesso da atriz Daniela Perez, filha da dramaturga Gloria Perez, também foi leopardo. Embora tenha negado a este blogueiro, em uma entrevista feita em 2006 para a Folha de S. Paulo, Guilherme passou sim pelo show de Eloína (segundo todas as pessoas consultadas neste texto). Curta temporada. "Tinha o pau pequeno, não ficava à vontade no show. Não era a dele", conta Eloína, sem rancor.
O elenco se renovou muitas vezes. Giuliano Ferraz, leopardo da última "safra", que entrou em 1997, conta quase se desculpando que fez o show apenas dos 18 aos 23 anos. Depois voltou para o "meio cristão" onde fora criado, fez um curso básico de teologia e virou pastor. "Tem gente que diz que eu larguei os shows para ficar milionário no templo, mas eu prego sem ganhar nada", esclarece. Giuliano, também conhecido como Julio Vidal, diz que sustenta os dois filhos com o salário que recebe como assessor de um vereador (do PDT) em São José do Rio Preto (SP). "Isso também gera falatório. Eu sou o ator pornô que foi se arrepender na igreja e agora se dar bem na política." Para quem estrelou cerca de 300 filmes pornográficos, incluindo um "projeto" com a ex-chacrete Rita Cadillac, Ferraz parece muito preocupado com o "falatório". "Estou em paz com a minha consciência", garante.
Edson "Eloína" Santiago
Nascida há 72 anos no subúrbio carioca do Catumbi e criada por uma madrinha, Eloína foi Edson Santiago até pouco depois da adolescência, quando passou a trabalhar como camareira de "grandes estrelas do teatro de revista". Fã de todas, ela escolheu para seu batismo artístico o nome da vedete gaúcha Eloína Ferraz, hoje com 80.
Como muitos travestis da época, Eloína fez carreira em Pigalle, no bas-fond de Paris. Diz que desembarcou na cidade com US$ 300, "sem saber pedir um café", mas acabou se instalando por mais de 20 anos ali. Voltava para o Rio em ocasiões especiais, como o Carnaval, quando desfilava como rainha da bateria da Beija-Flor. Com o sucesso da Noite dos Leopardos, passou a alternar períodos no Rio e fora do Brasil. "A Rogéria tomava conta de tudo pra mim quando eu não estava", lembra. Diz que ganhou muito dinheiro, mas gastou mais ainda. Os leopardos também enchiam os bolsos — ou deixavam que os enchessem:"Você não imagina o que jogavam de dinheiro para eles no palco. Um dia, subiu um homem, eu tomei um susto. O cara deu a chave de um carro a um dos meninos."
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O amante mais conhecido de Eloína foi um rapaz 21 anos mais novo que ela, nascido da Lapa, bairro da zona oeste de São Paulo, chamado Germano Vezzani. Ele não era leopardo, mas conquistou muito mais ao lado dela. Eloína entregou a Vezzani a administração do caixa, os direitos sobre o nome do espetáculo e ainda descolou para ele uma participação na novela "Transas e Caretas", da TV Globo (Lauro Cesar Muniz, 1984). "Foi o amor da minha vida. Morreu aos 39 anos, em um acidente de carro na estrada para Búzios", lembra. "Completaria 51 anos no mês passado (dezembro)."
Segundo diz, ela namorou muito, mas não homens ricos. "Não tive sorte com milionário, como as outras (travestis). Quer dizer: elas dizem, né? De qualquer maneira, o almofadinha de terno nunca fez a minha cabeça. Sempre gostei do bonito natural, com pauzão. Hoje, se quiser alguém assim, tenho de pagar."
O pulo dos gatos
O show dos leopardos já tinha cerca de quatro anos quando Eloína chamou o coreógrafo Ciro Barcelos, que fazia parte do grupo Dzi Croquettes e produziu a abertura do "Fantástico", para criar um espetáculo com começo, meio e fim: "Eu nunca tinha assistido ao show", lembra Ciro. "Sabia que os caras ficavam nus, de pau duro. A Eloína queria elaborar aquilo porque recebeu a proposta de um produtor francês para levar a apresentação pra fora."
Ciro lembra que, a princípio, "não sabia o que fazer". "Nenhum daqueles homens era ator. Eles vinham de academia de ginástica e de prostituição. Eu disse 'meu Deus, e agora?'." Para aceitar a proposta, ele se convenceu de que seria um grande desafio. "Me dediquei uma semana a eles, fazendo oficinas, laboratórios, a fim de descobrir o dom de cada um — além do pau grande. Então, um jogava capoeira, o outro era lutador de tae-kwon-do, outro tocava violão…Em cima disso, montei o roteiro de um show de variedades com duas entradas da Eloína. Eles tinham texto, mas sobretudo dançavam. Em um dos quadros mais aplaudidos, a Eloína ia na frente, cantando, e eles atrás dela, cada um com um leque, naquele clima do Moulin Rouge de Paris. No fim, havia uma votação para escolher o mais bonito, e alguém era chamado na platéia para beijar a bunda do eleito."
Grécia antiga
Ciro conta que o mais difícil foi "sofisticar" a última cena do espetáculo. "Na hora do pau duro, para justificar aquela entrada absolutamente gratuita, criei a atmosfera de uma sauna, que remetia ao homoerotismo da Grécia antiga. Eles entravam enrolados em uma toalha, na fumaça do gelo seco, se olhavam, se tocavam… o público enlouquecia com a exuberância dos corpos."
E os bastidores do espetáculo? "Ah, meu amigo, eu já pensei até em produzir um documentário sobre aquilo. Ali era o grande show. Vi cenas inacreditáveis. Eles se excitavam apenas conversando, às vezes sobre futebol, garotas, da maneira mais natural que você possa imaginar. A Eloína era muito rigorosa em relação ao acesso de pessoas ali. Ficávamos basicamente eu e ela."
Chamariz de prostituição
Depois de quatro anos de "muito sucesso", lembra Ciro, "a coisa foi se perdendo". "Ninguém ali queria fazer carreira de ator. Para muitos, o espetáculo não passava de um chamariz de prostituição. Havia uma intensa rotatividade, não se manteve o padrão que eu achava que deveria ter, então eu saí."
Eloína reconhece que o show foi bem mais longe do que ela jamais imaginou. Ainda que se leve em conta tudo o que a travesti viveu em Paris, em San Francisco e na Marquês de Sapucaí, ela será sempre mais lembrada como "a Eloína dos leopardos". Toda gradeada, a galeria Alaska deixou de ser templo de modernos passou a ser de evangélicos. "Quem jamais a esquece não pode reconhecer"(Chico Buarque).
Para garantir que nunca antes, nem depois, seria possível conceber algo parecido com sua invenção, Eloína cristaliza a "Noite dos Leopardos" no tempo: "Aquilo tudo teve a sua época. Ninguém havia feito nada naquele gênero, nem teria o menor sentido montar aquilo hoje! Diante do que você vê na Internet, do acesso a cenas de sexo que qualquer pessoa pode ter, o show soa tão puro…"
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