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Paulo Sampaio

Candidata do Partido Novo vende bota Louis Vuitton para bancar campanha

Paulo Sampaio

03/09/2018 04h00

Gabriela Camargo, 31 anos, está frustrada. Candidata à deputada estadual em São Paulo pelo Partido Novo, ela tinha em mente vender 16 de seus sapatos de grife para ajudar no patrocínio da própria campanha. Então, ela foi informada de que a lei eleitoral não permite.  "De acordo com o registro de candidato, só é possível usar o dinheiro de bens que a pessoa declarou no imposto de renda. Ninguém declara sapato", avisou a ela o coordenador da campanha, Murillo Ferreira, 32, que anteriormente trabalhou com Marta Suplicy e Michel Temer.

A candidata chegou a vender uma botinha Louis Vuitton e um scarpin Louboutin, por R$ 1 mil cada, em um grupo criado só para isso no aplicativo WhatsApp. "Pensava em conseguir por volta de R$ 16 mil, o que já seria uma ajudinha", diz ela, que, na falta dessa possibilidade, resolveu se desfazer  de "umas ações" e de sua Pajero Sport 2006, pela qual pede R$ 30 mil. Já que não pode usar o dinheiro obtido com a venda dos próprios sapatos, a mãe e a irmã venderão os delas. "Minha mãe tem muito mais que eu. Nunca imaginei que fosse tão caro financiar uma campanha."

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Gabriela Camargo pensava em conseguir R$ 16 mil com a venda de seus sapatos, mas o coordenador da campanha informou que só é permitido usar dinheiro declarado no Imposto de Renda: "Ninguém declara sapato", disse ele; o modelo da foto é da grife italiana Prada (Foto: Fernando Moraes/UOL)

Os não-contaminados

O Partido Novo foi fundado pelo engenheiro carioca João Amoedo, 55 anos, que fez fortuna no mercado financeiro e, desde 2010, passou a se dedicar em tempo integral a um projeto particular de renovação das lideranças no Brasil. Seu discurso prega uma espécie de "faxina ética" que só admite partidários que não têm envolvimento com a política tradicional. Seria um grupo de "não-contaminados". Amoedo se define como neoliberal, defende bandeiras privatistas e a redução dos poderes dos políticos. O Estado deve se ater, segundo ele, a questões relativas à saúde, segurança, educação, e na promoção de uma rede de proteção para quem está na pobreza. De acordo com o Datafolha, o candidato tem  2% de intenções de votos.

A ideia de isolar todos os desonestos do país na política e de criar um grupo de desinteressados salvadores da pátria atraiu Gabriela. Em seu Instagram, ela postou um vídeo onde aparece de rabo de cavalo e cara lavada, com a camisa de sua campanha, dizendo: "O Novo é um partido que surgiu da vontade de pessoas normais, que nunca se envolveram com política, de fazer diferente! Que cansaram de ver tanta baderna e bagunça e resolveram fazer alguma coisa pelo nosso país! Eu acredito no Novo porque ele não fica apenas no discurso! O Novo abriu mão do fundo partidário! Todo candidato e filiado é aprovado pelo critério ficha limpa! E todos os candidatos, quando eleitos, são obrigados a cortar pelo menos 50% das verbas de gabinete!"

Sem ajuda do marido

Gabriela garante que não contou com a colaboração do marido. Casada há dez anos com um executivo do mercado financeiro, ela conta que o conheceu quando passava férias em Saint Tropez, no sul da França, com a mãe, o padrastro e a irmã. Prefere omitir a identidade dele, que "é muito discreto". O casal tem dois filhos, uma menina de 7 anos, um bebê de 1 e 4 meses, e mora com mais duas gêmeas e um garoto do primeiro casamento dele em uma cobertura de 800 metros quadrados no Itaim-Bibi, zona oeste de São Paulo, cuja sala abriga uma piscina suspensa de 6 metros de comprimento por 3 de largura. "Minha campanha não tem nada a ver com o negócio do meu marido.  São duas coisas completamente separadas."

Para chegar ao apartamento dos Camargo, é preciso apresentar o RG na portaria, tirar foto, passar por quatro seguranças que se comunicam por radinhos e atravessar dois portões que funcionam como eclusas fluviais. O segundo só abre quando o primeiro se fecha. A voz robótica de um dos seguranças, encerrado em um bunker blindado, indica o elevador climatizado e orienta a não pressionar botão algum: eles mesmos fazem isso, por controle remoto.

No living de pé direito muito alto, dois cães da raça Lulu da Pomerânia latem alegremente,  mimetizados no chão revestido com mármore cor de areia, do mesmo tom dos quatro sofás grandes, cada um com capacidade para cinco pessoas; na parede acima de um deles, há seis guitarras penduradas, quatro da marca Gibson e duas Fender, e por toda a sala espalham-se esculturas e trabalhos assinados por artistas renomados (ela pede para não publicar seus nomes).  "São só artistas brasileiros", diz Gabriela, que tem olhos azuis-intenso, fala rápido, comendo as palavras, e passa muito a mão nos cabelos longos e negros, especialmente quando a resposta não vem fácil.

A plataforma de Gabi

A candidata diz que é "pró-mercado" e que quer promover "uma ponte entre o privado e o social, para que o dinheiro vá direto para as necessidades básicas da população, e não para financiar mordomias e a corrupção no governo". Não dá exemplos práticos para explicar como viabilizará seu projeto.  Em seus comícios, ela tem repetido que "a gente (o Partido Novo) resolveu se unir contra eles (a classe política) para fazer diferente".

Afirma que sua plataforma tem como base a educação, a saúde e a geração de empregos. "A educação é o mais importante, mas eu percebi recentemente, pesquisando na internet, que sem moradia decente a criança não tem condição de estudar. Se ela não tem onde fazer a lição de casa, como vai aprender?" A filha de Gabriela e os enteados estudam em uma escola internacional, cuja mensalidade gira em torno dos R$ 10 mil.  Ela acredita que a escola pública "tem tudo para chegar lá": "O Brasil é um país grande, com uma economia enorme." Enquanto não acontece, ela acha que "o foco no ensino público deve ser português e matemática". "Filosofia é importante, mas a gente está em uma situação emergencial."

Política no sangue

Apesar de frisar que sua candidatura está fundamentada em um empenho pessoal para transformar o País, Gabriela diz que sempre adorou política. "Política é assim, né?, quando a gente gosta, está no sangue. Li muito sobre o assunto." A princípio, ela queria estudar para ser jornalista. Chegou a cursar dois anos de Ciências Sociais e Publicidade na Unifor (Universidade de Fortaleza), quando passou uma temporada morando com a avó no Ceará. De volta a São Paulo, fez um semestre de jornalismo na Fiam (Faculdades Integradas Alcântara Machado) e terminou Publicidade na Anhembi-Morumbi: "Só não fiz o TCC (trabalho de conclusão de curso)."

Durante um tempo, teve uma confecção de roupas com a irmã, e chegou a abrir uma loja no Shopping Center Norte, de frequência popular, chamada Aparecida ("por causa da santa"). "Mas não deu certo. É praticamente impossível manter uma loja e rodar o negócio em um shopping", diz.

Eleitora de Lula em 2002 e 2006, ela diz: "Claro que já fui de esquerda! Eu era jovem, fazia ciências sociais!" Na ocasião, a candidata se encantou com a leitura do clássico vintage "A Engrenagem", do filósofo francês Jean Paul Sartre (1905-1980), que, em última análise, versa sobre "a podridão do poder".  Ela afirma que "Lula é um gênio", mas diz que ficou muito decepcionada com o PT.  Para deixar claro que não é "volúvel", afirma que não passou a pensar diferente: "Continuo sendo a mesma Gabriela que ia mudar o mundo, só que agora o caminho é outro."

Sobre o autor

Nascido no Rio de Janeiro em 1963, Paulo Sampaio mudou-se para São Paulo aos 23 anos, trabalhou nos jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo, nas revistas Elle, Veja, J.P e Poder. Durante os 15 anos em que trabalhou na Folha, tornou-se especialista em cobertura social, com a publicação de matérias de comportamento e entrevistas com artistas, políticos, celebridades, atletas e madames.