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Paulo Sampaio

Barbeiro de São Paulo corta cabelo pelado e, às vezes, rola algo mais

Paulo Sampaio

07/09/2018 04h00

O negócio do barbeiro Rafael Rosa, 25 anos, é cortar cabelos. Mas desde que terminou o curso profissionalizante, no final do ano passado, e percebeu que a concorrência era acirrada, ele achou que deveria oferecer algo mais no atendimento. Foi então que juntou sua experiência como modelo de nu artístico, e o desembaraço com a própria sexualidade, e passou a receber a clientela sem roupa. "Durante um tempo, fui funcionário de uma barbearia em Santa Cecília (região central de São Paulo), mas muitas vezes eu ficava esperando aparecer clientes, quando podia estar atendendo em casa e ganhando muito mais. O corte lá custava R$ 20, eles me pagavam R$ 10", conta Rafael.

Há três meses, ele alugou com um amigo advogado um apartamento de cerca de 80 metros quadrados, em Higienópolis, bairro vizinho à Santa Cecília, e fez de seu quarto a barbearia. Rafael diz que a maior parte de seus clientes é gay e, se for da vontade dos dois, o atendimento inclui sexo. Por isso, ele reserva duas horas para o corte. "A pessoa senta, conversa, diz o que quer, faço perguntas, ela também. Começo o corte. Se houver interesse de ambas as partes, a cama está do lado", afirma ele, bem-humorado. "Esse trabalho me surpreende muito", diz.

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Para o publicitário Humberto Carvalho, que cortou o cabelo no dia da entrevista, a nudez de Rafael Rosa é um "ato político" (Foto: Renato Batata/UOL)

Perfil da clientela

O publicitário Humberto Carvalho, 30, que cortou o cabelo no dia da entrevista, encara a nudez de Rafael como um "ato político". "Eu tô dentro da militância LGBT, acho importante dar essa visibilidade ao trabalho dele na mídia, para desconstruir padrões, quebrar o tabu."

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Para o cabeleireiro Vinícius Pedroso, 22, o Vedroso, o trabalho de Rafael "sugere algo novo". "Sempre tem a história do fetiche, blá, blá, blá, mas existe muita coisa envolvida. Eu acompanho o trabalho corporal do Rafa há muito tempo (nudes artísticos), uma identidade que ele criou, é um diferencial."

Cliente há algum tempo de Rafael, o dançarino Diego Kenth, 28, extrai de suas visitas à barbearia uma "experiência sensorial": "Gosto do toque do Rafa na minha cabeça, ele põe uma música, a gente conversa, é muito bom ficar nu com uma pessoa que tem essa liberdade corpórea", afirma Diego, que também tira roupa na hora do corte.

Circunstâncias delicadas

Rafael reconhece que, ao abrir a possibilidade de fazer sexo no atendimento, muitas vezes ele tem de lidar com circunstâncias delicadas. "Já aconteceu de eu não me sentir atraído, e o cliente tentar me agarrar. Tive de driblar a situação." Ou seja, todos os cabelos são passíveis de corte, mas nem todos os corpos ganham a mesma atenção. Rafael não segue a linha, muito em voga, das massagens tântricas desinteressadas. Quando transa, é porque está a fim.  Seu tipo é o "bombadão" (musculoso), mas: "Muitas vezes a gente se surpreende com um baixinho ou um gordão…"  O sexo é sempre feito com segurança, diz ele, enquanto aponta para um vidro cheio de preservativos.

Embora afirme que gosta dos cortes mais elaborados, com desenhos, riscos, raios e coloração, ele executa o que o cliente pedir. "Corto curto, comprido, com máquina, conservador", diz ele, que mantém em si um corte moicano. Se os clientes toparem, Rafael filma em vídeo a execução do corte, para postar no Instagram.

De "triquíni", como ele diz, o corte sai por R$ 80 (Foto: Renato Batata/UOL)

Barbearia itinerante

Além de trabalhar em casa, Rafael Rosa arma sua barbearia em baladas também. Nessas ocasiões, como não pode entrar nas festas com tesouras ou navalhas, por motivo de segurança, só faz cortes à máquina. A cadeira em que os clientes são acomodados foi achada por uma amiga de Rafael em um terreno baldio. Estreita, forrada de couro vermelho e adaptada com rodinhas, tem as iniciais de uma companhia aérea e, em outra encarnação, serviu para levar idosos ou deficientes físicos até as aeronaves. "O bom dela é que dá para carregar para baixo e pra cima, sem desarmar. De vez em quando o Uber reclama, mas aí eu chamo outro", diz ele.

A fim de oferecer atendimento realmente VIP, o barbeiro dedica pelo menos uma hora por dia a treinos de musculação. Os valores dos cortes variam de acordo com o traje. Se o barbeiro estiver vestido (sim, existe essa opção), sai por R$ 60; usando jockstrap (espécie de cueca que tapa o sexo e deixa a parte de trás ao léu), ou triquíni (micromaiô de lycra), R$ 80; completamente nu, R$ 120. Rafael conta que faz atendimento em domicílio e que a faixa etária dos clientes que o procuram vai dos 25 aos 35 anos. Muitos voltam a procurá-lo por causa do corte, outros por causa do sexo — mas ele diz que o melhor dos mundos é quando voltam por causa dos dois. "Fidelizar no sexo é bom, mas eu quero ser reconhecido profissionalmente." Como barbeiro.

 

 

 

Sobre o autor

Nascido no Rio de Janeiro em 1963, Paulo Sampaio mudou-se para São Paulo aos 23 anos, trabalhou nos jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo, nas revistas Elle, Veja, J.P e Poder. Durante os 15 anos em que trabalhou na Folha, tornou-se especialista em cobertura social, com a publicação de matérias de comportamento e entrevistas com artistas, políticos, celebridades, atletas e madames.