"Até três meses atrás, nunca tinha sido assediada", diz Cristina Mortágua
Em frenesi, os fãs de Cristina Mortagua quase tombaram a van que a conduzia à saída da casa de espetáculos Olímpia, em São Paulo, onde tinha acabado de ocorrer a edição de 1992 do Baile das Panteras. Vencedora do concurso que fez história no Rio de 1981 a 1994, ela lembra com uma ponta de orgulho que ficou "apavorada". "O povo balançava a van, menino, foi um fu-dê-vu-di-caçarolê", diz ela, usando uma expressão franco-carioca, que teria um correspondente em "mó sufoco, mermão".
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Era a segunda vez que Cristina se inscrevia. Da primeira, no ano anterior, ela teve uma crise de pânico e amarelou. Quando finalmente tomou coragem, ela seguiu a sugestão do coreógrafo do espetáculo, José Reinaldo, e operou o nariz. Agora eram 28 concorrentes, o quê, segundo Cristina, acarretou em um "climão pesado". "As mulheres já competem entre si normalmente. Imagine em uma disputa assim."
Feminista, mas mulherzinha
Aos 47 anos, Cristina se considera defensora dos "direitos da mulher". "Mas sou feminina, mulherzinha", ressalva. Capa de várias edições de revistas masculinas, como Playboy e Ele & Ela, e rainha seminua em memoráveis desfiles de Carnaval no Rio, ela sempre se mostrou muito orgulhosa em relação ao próprio corpo. "Eu era linda. Não leva a mal não, meu amor, mas eu era maravilhosa!", diz, abrindo uma edição antiga de Ele & Ela e mostrando fotos dela pelada.
Por ter construído sua imagem em cima do próprio corpo, que ela sempre exibiu sem reservas, Cristina diz que volta e meia se surpreende com o "machismo internalizado" de algumas mulheres: "Já ouvi umas defendendo estuprador. Elas dizem: 'Tem mulher que usa umas roupas tão indecentes que parece que tá pedindo para ser estuprada'."
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Na entrevista abaixo, concedida no apartamento dela no Recreio dos Bandeirantes, zona oeste do Rio, Cristina fala de sexo, beleza, de sua relação com os pais, com o filho e com o pai dele, o jogador de futebol Edmundo, com quem "travou" um romance de curta duração, mas comentadíssimo. E também do quanto o seu lado "barraqueira" a atrapalhou. Autointitulada "coach", ela usa um linguajar "técnico" para dizer: "ressignifiquei tudo o que me aconteceu através da resiliência."
Blog –Em 1992, você já era um símbolo sexual. Foi fácil levar o título de "pantera"?
Cristina Mortágua – Várias candidatas eram melhores do que eu. Mas eu era "a" pantera.
Blog – A apresentação seguia um roteiro?
CM – Primeiro, o grupo entrava e dançava uma coreografia de abertura. Aí, vinha a individual, que você não podia alterar nem um passo. Só que eu sou péssima de dança, toda desconjuntada. E pra piorar, eu não conseguia ouvir a música porque o povo veio abaixo quando eu entrei no palco do Olímpia.. É Olimpica?. A música era "Dangerous", do Michael Jackson. Como eu não sabia mesmo fazer a porra da coreografia, comecei a sensualizar (ela relembra a cena, girando as munhecas com os braços levantados e andando sinuosamente pela sala do apartamento). Fiz um misto de Vogue, passarela, tudo junto kkkkkkkk. Eu pensei, "Fodeu, o viado vai me esculachar" (referindo-se ao coreógrafo Zé Reinaldo).
Blog – Como foi a repercussão?
CM – No dia seguinte, eu era capa de todos os jornais mais importantes do País. Não esses do Rio, que você espreme e sai sangue. Tô falando da Folha, do Estadão. E virei socialite (risos). Toda semana eu saía na coluna social.
Blog – Você ganhou outros concursos.
CM – Sim, mas naquela época não havia essa coisa corporativa, de associar o concurso a uma porção de marcas, ganhar dinheiro com isso. Era muito mais amador, mas também mais divertido. Quando fui eleita a "musa do Carnaval carioca", eu nem sabia. Ligaram, no dia seguinte, dizendo que o Sérgio Chapelin (apresentador) estava anunciando no Jornal Nacional. Não me pergunta quem elegeu, que eu não tenho ideia.
Blog – Quem a orientava profissionalmente?
CM – Eu mesma (risos). Ah, a gente ouvia o cabeleireiro, os amigos. Não tinha esse desespero de assessor de imprensa, de marketing, agente, administrador de redes sociais. Não existia ainda o programa do H, que lançou a Feiticeira, a Tiazinha, entende?
Blog – Eles voltaram a promover um concurso das panteras esse ano. Você foi jurada. O perfil da vencedora era bem diferente do das concorrentes da sua época.
CM – Atualmente, eles valorizam a mulher fitness, que tem corpo musculoso. É tudo muito estudado, fabricado, sem humor (ela mostra uma foto em que aparece com a própria perna malhada): Tá vendo? Você vê músculo, mas é uma perna de mulher. Não existia Botox, preenchimento, silicone, megahair, jaqueta nos dentes. No máximo, as mulheres faziam muito regime. A gente contava basicamente com a natureza. Ou era bonita, ou não.
Blog – O que você achou da vencedora deste ano?
CM – Na hora em que ela entrou no palco, vi uma força que na verdade não existe nela. Depois, quando a conheci pessoalmente, percebi que tinha me enganado
Blog – Antes da entrevista, você perguntou se eu faria fotos, disse que não estava preparada, não tinha chamado ninguém para maquiá-la; durante a entrevista, saiu três vezes da sala, dizendo que ia "escovar os dentes e colocar um perfuminho". Ao mesmo tempo, afirma que não é mais "escrava da beleza".
CM – Hoje eu vejo que, muito mais difícil do que ganhar um concurso, é segurar a beleza quando você vira mito. Dá trabalho. Recentemente, troquei as próteses de silicone por duas de 500 ml. O médico disse que meus peitos estavam olhando pra baixo, consertei o olhar deles.
Blog – Então, agora, você não conta só com a natureza?
CM – Imagine! Uso tudo. Só não ponho mais Botox no rosto porque o médico não deixa.
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Blog – Você está mais magra.
CM – Cheguei a pesar 95kg, quando briguei com meu filho e fui parar na delegacia (Acusada de agredi-lo em 2011, quando o garoto tinha 16 anos e revelou sua homossexualidade, Cristina foi levada para o distrito policial, depois processada e absolvida. A juíza levou em conta que ela estava sob o efeito de remédios "tarja preta", em estado de "perturbação de saúde mental"). Depois perdi 17kg, atualmente estou com 78kg, mas meu ideal é 70kg. .
Blog – Em entrevista ao blog, o Alexandre (filho) afirmou que, apesar de você ter tentado exorcizá-lo, hoje se dão muito bem. Ele disse: "A gente entende um ao outro, sem precisar dizer nada".
CM – Eu não tentei exorcizá-lo, isso é uma bobagem. Apenas fui atrás, quando ele fugiu de casa para ficar com o namorado. Hoje, a gente se fala diariamente. Morre de rir junto, ele me mostra fotos dos meninos de quem está a fim. Meu filho adora minha inteligência: me acha debochada, sarcástica, metafórica. Pensa: 'O que essa filha da puta tá querendo dizer?'
Blog – O pai dele é o (jogador de futebol) Edmundo. Apesar de vocês não terem sido casados, sempre a associam a ele. (Tempos depois ela se casou com o jogador Djair, do Atlético Mineiro).
CM – (Animada de novo) Ficamos juntos quatro meses, mas pra muita gente, foram muitos anos. Até hoje acham que a mulher dele sou eu.
Blog – Onde o conheceu?
CM – Fui apresentada a ele pelo nosso cabeleireiro em comum, no Banana Banana (lugar muito festejado em São Paulo, nos anos 1990). A princípio, como homem, ele não me disse nada. Eu nem sabia quem era. Achei a abordagem dele boba. Disse que tinha a minha Playboy, que era meu fã. Isso foi em novembro de 1993; a gente só foi ter alguma coisa em fevereiro de 1994. Ele tinha se casado em janeiro com a Adriana.
Blog – O que a atraía nele?
CM – Eu acho que ele agia da forma que eu gostaria que meu pai agisse. Foi o único homem que me dava ordens e eu obedecia. Ele se mostrava ciumento, eu adorava. Mas não deu tempo de amar.
Blog – Você gosta de futebol?
CM – Eu jamais entendi nada de futebol. Só sei que me dizia flamenguista no Rio, e corintiana em São Paulo. Mas não me pergunta o nome de um jogador de algum dos dois times que eu não tenho ideia. E no entanto, você vê, eu já fui chamada de "maria chuteira". O que eu gosto no futebol é a torcida. Aquilo me deixa maluca (ela imita o ruído da multidão em um estádio). É o nirvana.
Blog – Na mesma entrevista ao blog, o Alexandre disse que quando pensa no pai não ouve uma voz, não sente um cheiro, nada.
CM – Não gosto de ouvir isso. Porque me lembra de um problema com o meu pai, que era peão do jogo do bicho. Eu sofri alienação parental – a parada é séria, complicado falar. Minha mãe me colocou contra ele, que a agredia quando ela estava grávida de mim. Ela saía correndo pela rua, na Penha (subúrbio carioca), para não apanhar.
Blog – Você foi criada por ela?
CM – E pela minha vó, que era o cão pelado. As duas eram muito rígidas. Cresci acreditando que meu pai tinha me abandonado. Mas as histórias eram complicadas. O que sempre me intrigou é que, na minha certidão de nascimento, o lugar reservado para o nome do pai tem só pontinhos. Quando eu era criança, me perguntava por quê. Eu cheguei a ir atrás dele, quando meu filho nasceu, mas não consegui me aproximar, gostar de verdade dele.
Blog – Você se tornou um ícone de "mulherão", sempre despertou muitas fantasias nos homens. Sofreu assédio sexual?
CM – Nunca tinha sofrido, até três meses atrás. O cara me conhecia há muito tempo, e agora a gente estava iniciando uma parceria profissional. Eu sempre soube que ele me curtia, mas achei que já nem pensasse mais nisso. Até que ele veio pra cima de mim, e falou claramente que poderia "facilitar a parceria", se eu ficasse com ele..
Blog – Qual foi sua reação?
CM – Eu fiquei paralisada. Eu acho até que você pode falar tudo para outra pessoa, desde que use as palavras certas. Ele não propôs, ele vomitou. Disse que nós uniríamos o útil ao agradável. Só que um relacionamento não começa assim, né?
Blog – Qual o seu tipo de homem: carente, mandão, submisso?
CM – Carente? Submisso? Deus me livre! Eu gosto de macho, de força, de brutalidade. Daquela mão que te segura pela cintura, sabe? De pegada. O homem tem de ser poderoso. E eu, a mulher desse poderoso. A gente entra lado a lado na festa, mas quem brilha é ele. Se ele esmorece, perco tesão: aí, não vai mais me comer nem a pau! Mas veja: dou a ele a liberdade de saber que tem o meu colo em um momento de fragilidade.
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Blog – Namorou muito?
CM – (Gargalhando) "Muuuuito. Mas deixa as pessoas acharem que foi só o Edmundo.
Blog – Sofreu?
CM – Cara, eu não vou dizer que nunca sofri por ser deixada. Mas eu gosto de ir até o fundo do poço. Procuro a pessoa até o ponto de ela me desprezar, de achar que eu estou rastejando. Aí, um belo dia eu me apaixono por outro, e simplesmente apago a pessoa da memória. É como se nunca tivesse existido. Isso é muito louco. Aí, claro, o jogo se inverte. Quem aguenta?
Blog – Você diz que as mulheres competem entre elas. Isso a impede de admirá-las?
CM – De jeito nenhum. Tiro o chapéu para Lady Di, que eu admiro pelo trabalho humanitário (Cristina vai até o quarto e traz sua carteirinha de capelania universal. Explica que, ali, se aprendem ações de cidadania "mesmo"); Leila Diniz, por ter sido libertária; Jacqueline Kennedy: a mulher foi casada com um presidente da República, de repente ele morreu ela teve de criar duas crianças sozinha…; e a Gisele (Bundchen), que faz tudo com excelência. Eu sou assim também. Se eu fizer uma faxina em casa, você pode se sentar no chão para comer.
Blog – Você se arrepende de alguma coisa?
CM – Acho que, se começasse de novo, seria mais cautelosa. Falar o que se pensa é maravilhoso, mas tem um custo. Apesar de ter fama de "barraqueira", "devoradora", eu adquiri autocontrole, hoje não bato palma para maluco.
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