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Paulo Sampaio

Hortência: Não sou mulher que diz 'Quero ser natural' e fica toda enrugada

Paulo Sampaio

07/05/2019 04h01

 

Hortência Marcari, 1,74m: "No basquete, quando você é mais baixa, tem de se virar" (Foto: Marcus Steinmeyer/UOL)

Às vésperas de completar 60 anos, a eterna glória do basquete feminino brasileiro Hortência Marcari mantém muito da energia que a consagrou nas quadras. O timbre de voz rouco, as veias saltadas dos braços atléticos e os olhos alertas no rosto bronzeado reforçam a figura desafiadora dela. Por força do hábito de vencer, tem a atitude de quem está sempre pronta a fazer uma cesta. "Com 1,74m, eu cheguei a marcar jogadora de 1,90m. No basquete, quando você é mais baixa, tem que se virar", explica a ex-jogadora, que será uma das palestrantes do PATH, no dia 1º de junho, sábado, das 11h às 12h*.

A seleção da qual Hortência fez parte disputou cinco mundiais, duas olimpíadas e conquistou uma coleção de títulos internacionais. Para citar apenas três, levou medalha de ouro nos pan-americanos de 1991 (Havana) e no mundial de 1994 (Austrália); e prata nas Olimpíadas de Atlanta, em 1996. Hortência, ela mesma, tornou-se recordista na história da seleção brasileira, ao marcar 3.160 pontos em 127 partidas. Desde 2002, faz parte do Hall of Fame do basquete feminino norte-americano. 

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O pulso com a tatuagem dos jogos pré-olímpicos em Barcelona (1992) e olímpicos em Atlanta (1996) (Foto: Marcus Steinmayer/UOL)

Empoderamento saudável

Em plena forma física, Hortência conta que treina diariamente em uma academia, cuida da alimentação e usa Botox ("Claro! Não sou aquela mulher que diz 'Ah, eu quero ser natural', e fica toda enrugada; respeito, mas não sou assim"). Acha "ótimo" o discurso do empoderamento feminino, que prega que as mulheres se amem independentemente do peso e da aparência, mas afirma que, pessoalmente,  "só seria gorda se ficasse doente".

"A pessoa está acima do peso, mas gosta do que vê quando se olha no espelho. Maravilha. Acho que todo mundo tem de se amar. Minha preocupação é com a saúde. O sobrepeso acarreta problemas nos joelhos; o peito grande pode provocar dores nas costas; a gordura abdominal está associada a doenças cardíacas; sem contar a alteração nas taxas hormonais, no colesterol, a diabetes. Com a idade, isso tende a piorar."

Cacoete motivacional

Longe das quadras há 22 anos, Hortência Marcari seguiu carreira como palestrante e também comentarista esportiva da TV Globo. Tem um discurso pontuado por frases motivacionais, que aparecem como um cacoete adquirido nas palestras que apresenta há 20 anos para um público de empresários e vendedores.

"Você faz escolhas da hora em que você acorda até a hora em que vai dormir. Não tem como fugir disso", diz ela para o blog, fora do horário da palestra. Outra: "Convivi muito em equipe, e aprendi que a gente precisa aceitar as pessoas como são, não importando se achamos que elas estão certas ou erradas. A única coisa que não dá para aceitar é falta de caráter. É como uma laranja podre que contamina o resto."

Não tem segredo

Franca, firme, categórica, Hortência explica que em suas palestras ela não fala 'Ah, eu fui campeã do mundo, eu isso, eu aquilo'. Não. "Eu falo como como atingi as metas, como superei as situações difíceis, as dores. Porque é muito simples, não tem segredo."

Suas recomendações parecem tão acessíveis que o interlocutor mais influenciável chega a se perguntar por que será que a humanidade inteira não é magra, feliz e longeva. "Você tem dois caminhos a seguir: ser mais ou menos, ou ser o melhor. Dos dois jeitos, você paga um preço. Às vezes, o cara se sente feliz sendo mais ou menos. É aquele que fica deitado na rede, vivendo a paz e o amor (faz 'V' com os dedos), e qual o problema? Nenhum. Mas ele nunca vai ser o melhor."

Melhor em quê?

Pelo que ela diz, a palestra parece não ter muita serventia para o profissional talentoso, porém caótico. "Em determinadas profissões, esse cara não vai dar certo, pode ter certeza", avisa. "Por exemplo, ele não vai jogar basquete nunca."

Embora fale "a todo tipo de público", Hortência tem uma declarada preferência pelo "vendedor sangue nos olhos": "As equipes de venda precisam entender como funciona a cabeça de alguém que chegou lá. Eu não vendo nada, eu dou; mas acho que sou uma boa impulsionadora", afirma ela, que apresenta em média cinco palestras por mês, por valores que vão de R$ 15 mil a R$ 20 mil.

Hortência Marcari, em PB (Foto: Marcus Steinmeyer/UOL)

Casamento-ostentação

Apesar da relação visceral que tem com o esporte desde os 13 anos, Hortência abriu um parêntese na vida pessoal em 1989, para se casar com o empresário da noite José Victor Oliva, em uma cerimônia que reuniu mil pessoas ("mais dois mil fãs do lado de fora da igreja"). As colunas sociais se referiam ao enlace como casamento-ostentação. Na época, a união do dono do Gallery — o nightclub mais badalado da cidade — com a atleta musculosa, nascida em uma cidade de 15 mil habitantes a 440 km de São Paulo (Potirendaba), foi comentadíssima.

Levantaram-se várias hipóteses para tentar explicar onde é que os mundos dos dois poderiam se encontrar. Ela diz: "Eu não mudei absolutamente nada. Só ia ao Gallery quando não tinha jogo, ou estava de férias. A gente inclusive morava em casas separadas, e em cidades diferentes." Mesmo assim, fizeram dois filhos. O cavaleiro João Victor, 23 anos, expoente brasileiro do hipismo de adestramento; e o DJ Antônio, 21. Orgulhosa, ela mostra fotos dos dois no celular, diz que João Victor "sou eu"; e Antônio é "mais mauricinho".

Victor Oliva a vê como "um ser humano que veio com um chip a mais". "Geralmente, as pessoas se sobressaem por serem talentosas, ou esforçadas", diz o empresário. "Ela é as duas coisas. Eu a colocaria no mesmo grupo da Hebe, da Ivete e da Lucilia Diniz. Se nós falamos três línguas, português, inglês e francês, elas falam mais uma, a língua do povo. São pessoas para quem tanto faz ter dinheiro ou não, comer sanduíche de mortadela ou no melhor restaurante francês."

Os filhos, João Victor e Antônio, na Hípica Paulista (Foto: Reprodução/Instagram)

Dois "Labutan"

O trânsito na alta sociedade se deu pelas mãos de Oliva e com a ajuda de uma amiga uruguaia que a orientava no dress code: "O Victor me disse: 'Uma das coisas que você precisa ter, e eu vou te dar de presente, é um colar de pérolas'. Eu falei: 'Ah, tá bom, dá que eu uso'."  A amiga se chamava Vic: "Eu aprendi com ela que, tendo uma bolsa boa, um sapato bom, você não precisa de muito mais", diz.

Ela afirma que seu closet é bem fornido, mas não costuma "rasgar dinheiro" — e uma vez por ano faz uma "limpa": "Não sou essa de ficar vendendo, eu dou". As únicas peças de que ela não se desfaz, por enquanto, são dois pares de "sapatos de grife". Que grife? "São 'Labutan' (Louboutin). Tenho um preto e um nude. Esses eu vou usar a vida inteira. Se você me vir em uma festa blacktie, vou estar com um dos dois."

Segundo o empresário de festas Helinho Calfat, de quem ela se tornou muito próxima, "a Hortência se adapta a qualquer perfil de pessoa, sabe conversar de tudo". "Na hora em que precisa falar de coisas sérias, ela fala, quando é pra brincar, brinca. Curte as festas, dança, se diverte, mas não fica muito porque no dia seguinte invariavelmente ela acorda cedo pra treinar."

Borracharia, não

O début na alta sociedade veio depois de um outro avanço no campo, digamos, mundano. Em 1988, Hortência posou para a então prestigiosa revista "Playboy". Impôs condições. "Não apareci nua na capa, nem teve foto minha 'de quatro' (ela se apoia na mesa para mostrar a pose, todos riem); muito menos pôster central e outdoor anunciando a edição. Eu não queria ir parar em parede de borracharia."

Conta que topou posar por três motivos. Primeiro, pelo dinheiro. "Na época, comprei um apartamento de quatro quartos no Morumbi (zona sul de São Paulo)." Segundo, pelo desafio: "Nunca, nenhuma atleta tinha topado fazer Playboy". Terceiro, para mostrar que por baixo do "shortão" de uma jogadora de basquete, tinha um corpo feminino: "Hoje, toda mulher quer malhar, muitas até querem ficar fortes. Algumas tomam doses extras de hormônio GH, para crescer."

Pelo dinheiro, pelo desafio e "para mostrar que embaixo do shortão de uma jogadora de basquete tem um corpo feminino" (Foto: reprodução)

Encontro de almas

Hortência afirma que nunca se importou com as especulações a respeito de sua orientação sexual. Insinuava-se que ela fosse lésbica. "Quando comecei no basquete, a gente era alvo de muito preconceito. Quem jogava, era tida como mulher-macho.  Como nunca fui, aquilo não me dizia nada", afirma.

Por outro lado, ela acredita que "as relações afetivas são encontros de almas, e alma não tem sexo". "Eu posso gostar mais dela ou de você, e isso não quer dizer que eu seja contra ou a favor. Simplesmente acontece."

Rosa e azul

Sobre o tão em voga debate a respeito de identidade de gênero, Hortência diz que se sente confusa em relação à nomenclatura criada para diferenciar as escolhas: "Não consigo entender essas siglas. Pra mim, ou a pessoa se atrai por alguém do sexo dela, ou do oposto. Se foge disso, acho complicado. Tenho amigos gays, amigas gays, amigos trans, amigas trans, uns se vêem mais homens, outras, mais mulheres, mas no fim, são almas", repete.

Para ela, a celeuma do "rosa e azul", criada pela ministra Damares Alves, "já foi": "Ai, gente, deu né?". Eleitora de Jair Bolsonaro, Hortência ainda espera uma prova contundente de que o presidente seja realmente homofóbico e sexista: "Até agora, eu não vi nenhuma atitude dele que você diga: 'Taí um exemplo de ataque à comunidade LGBT"'.

Cito uma recente. Há pouco mais de dez dias, em um café da manhã com jornalistas, Bolsonaro fez uma afirmação que soou como uma agressão simultânea aos homossexuais e às mulheres: "Quem quiser vir aqui para fazer sexo com mulher, fique à vontade. Agora, (o Brasil) não pode ficar conhecido como paraíso do mundo gay."

Hortência: "É, todo mundo tem de tomar cuidado quando vai falar. Especialmente nós, formadores de opinião. Quando você está em um ambiente amigável, na academia, com colegas de trabalho, às vezes relaxa mais." Não era o caso.

Os desencontros nos primeiros 100 dias de governo, considerados desastrosos por cientistas políticos de todas as tendências, são relevados por Hortência: "A gente tem de dar tempo para eles se organizarem. Pegaram o Estado em um caminho, estão tentando desviar daquilo."

Subindo escada no day off

A vitalidade aparentemente inesgotável de Hortência leva a uma curiosidade irrefreável: como será o dia dela, quando não está a fim de fazer nada? "No último feriado, decidi que não queria sair. Os amigos me convidaram para almoçar, mas eu disse: 'Não, quero ficar em casa'. Assisti direto ao NBA, ao noticiário, filmes, e li ("A Sutil Arte de Ligar o F*da-se"). A única coisa que eu fiz, fora isso, foi tomar café da manhã com umas amigas, depois subir aquela escadaria que tem 153 degraus ali no Sumaré (bairro da zona oeste de SP)."

Cento e cinquenta e três degraus? "É. Cada um sobe o quanto aguenta. Eu subo de dez a quinze vezes, correndo."

Entendeu?

*Pela primeira vez, o UOL TAB se une ao Festival Path, o maior e mais diverso evento de criatividade e inovação do Brasil. O Path vai rolar nos dias 1 e 2 de junho, em São Paulo. Confira a programação e compre ingressos aqui.

Sobre o autor

Nascido no Rio de Janeiro em 1963, Paulo Sampaio mudou-se para São Paulo aos 23 anos, trabalhou nos jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo, nas revistas Elle, Veja, J.P e Poder. Durante os 15 anos em que trabalhou na Folha, tornou-se especialista em cobertura social, com a publicação de matérias de comportamento e entrevistas com artistas, políticos, celebridades, atletas e madames.