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Família de vítima se revolta com adiamento do júri de Nahas, após 15 anos

Paulo Sampaio

18/03/2018 04h00

Na segunda-feira 12 de março, o economista Julio Cesar Orfali, 51, leu estarrecido nos sites de notícias que o julgamento do empresário Sérgio Nahas, acusado de matar sua irmã em 2002 com um tiro de pistola, havia sido adiado mais uma vez: "Eu soube pela imprensa, fiquei chocado, ninguém nos comunicou (a família). Tinha testemunha vindo do Sul", disse ele, incrédulo. O júri estava marcado para começar na quarta-feira, 14, com previsão de se prolongar por três dias.

A assessoria do Tribunal de Justiça de São Paulo informou ainda não sabia da suspensão do júri. A informação foi passada ao blog pelas assessorias do Ministério Público e do Supremo Tribunal Federal (STF). O ministro Celso de Mello, do STF, tomou a decisão depois de analisar um pedido de habeas corpus feito pela defesa. Procurada pela reportagem, a criminalista Dora Cavalcanti, que defende Sergio Nahas, disse que estava em reunião.

Nahas teria puxado o gatilho quando sua mulher, a empresária Fernanda Orfali, descobriu a relação dele com travestis — de quem comprava cocaína — e o confrontou. A bala ricocheteou na coluna vertebral dela e atingiu seu coração. Fernanda tinha, então, 28 anos. Ele, 38.  Nesses 15 anos, a defesa interpôs inúmeros recursos, a maioria inadmitidos por serem considerados protelatórios.

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O casamento de Fernanda e Nahas foi celebrado com festança em 8 de março de 2002, por coincidência o Dia Internacional da Mulher (Foto: Arquivo Pessoal)

Tentativa e erro

O assistente de acusação, Ricardo Takamune, diz que a matéria do habeas corpus já havia sido analisada e recusada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo e pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Quando isso acontece — e a defesa apela no STF –, o tribunal superior pode: a) julgar, mesmo assim, o mérito do recurso; b) sequer reconhecer o pedido, já que se trata de matéria encerrada pelos outros tribunais. Foi o que aconteceu.

A defesa então insistiu, entrando com um novo recurso (agravo). Aí ocorreu algo que, de acordo com Takamune, "não é praxe". Celso de Mello decidiu acolher o agravo e submeter à turma de ministros do STF, que agora vai julgar o mérito. "Isso não acontece normalmente. O cliente precisa investir dinheiro para patrocinar toda essa pressão no Supremo", diz.

Dora Cavalcanti era sócia do ex-ministro Marcio Thomaz Bastos (1935-2014), primeiro criminalista a assumir o caso. Ultimamente, ela fundou com um grupo de advogados a ONG Innocence Project Brasil, que presta serviço a vítimas de erro judicial.

O promotor Romeu Zanelli — um dos três que trabalharam no caso — afirma que só deseja que o júri aconteça: "Tudo o que eu quero é encerrar o caso. Mas está difícil."  Ainda não há data marcada para o julgamento do mérito do habeas corpus.

 

Duplo adiamento

O júri de Sergio Nahas havia sido agendado primeiramente para os dias 8, 9 e 10 de novembro do ano passado — dois meses depois de o caso completar 15 anos. Porém, na véspera do feriado de Finados, imediatamente antes do julgamento, a defesa encaminhou ao Tribunal de Justiça um parecer que reforçava a argumentação de que a vítima sofria de depressão e por isso se matou. "Ela tem um histórico da doença, sempre frequentou psiquiatras", sustentava Dora Cavalcanti. A acusação diz que a advogada estava ganhando tempo enquanto esperava a decisão de Celso de Mello a respeito do agravo no STF.

Familiares de Fernanda afirmam que ela nunca foi a um psiquiatra até se casar. "A Nanda era a pessoa mais alegre da casa, fazia brincadeira de tudo, carregava 18 batons na bolsa. Não consigo nem imaginá-la tentando se matar", diz Júlio Orfali. A mãe dela, Nadir, conta que o pai de Sérgio, José Nahas, "providenciou um psiquiatra para acompanhar o filho no período de abstinência, e outro para ajudar a Fernanda a conviver com um marido viciado".  Segundo Nadir, o psiquiatra de sua filha era conhecido de José Nahas da igreja Ortodoxa e "encheu a Nanda de antidepressivos". Ainda se apresentou mais tarde como testemunha de defesa de Sérgio e depôs durante quatro horas, diz Julio.

Manobra protelatória

Ao receber o parecer encaminhado pela defesa em 1º de novembro, o promotor Fernando César Bolque — que estava com o caso na ocasião — achou que só poderia ser uma estratégia para adiar o julgamento. "O texto tem 53 laudas, dez documentos, e me foi dado à ciência apenas na quarta-feira às 17h30. Imagine ler e avaliar esse conteúdo a dois dias do júri", disse na época. Bolque se sentiu "surpreso com a atitude da defesa". "Achei estranho a advogada usar uma manobra protelatória, porque no mesmo dia ela deu uma entrevista para a TV afirmando que tinha todo interesse no julgamento, já que estava certa da inocência de seu cliente."

Dora Cavalcanti afirmou que "os documentos foram juntados pela defesa rigorosamente dentro do prazo legal estipulado no artigo 479 do Código de Processo Penal".

O promotor contra-argumentou que o artigo 479 "deixa claro que não basta juntar os documentos, mas dar ciência à parte contrária". "A defesa teve 15 anos para fazê-lo, mas deixou para a véspera do júri. Por que será?", indagava-se Bolque. Depois de uma acirrada discussão de Bolque com Cavalcanti, o juiz Luiz Felipe Vizoto Gomes determinou o adiamento do júri.

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A família

Na quinta-feira, o blog gravou um vídeo com os três irmãos de Fernanda Orfali, no qual eles contam o martírio que tem sido sua vida desde a morte dela. "Minha mãe adoeceu pra sempre. E não há médico que descubra o que ela tem, porque não é nada físico. É tristeza. É doença da alma", diz Alexandre. "Eles eram pequenos empresários, cada um tinha uma confecção no Bom Retiro (região central de São Paulo), mas depois do assassinato da minha irmã não tiveram força para manter o negócio. Perderam tudo", conta Renata, a irmã.

Da esq. para a dir., Alexandre, Fernanda, Nadir, Julio, Julio "pai" e Renata com o filho (Foto: Divulgação)

Procurado por meio de sua advogada de defesa, Sergio Nahas declinou de gravar um vídeo expondo a versão dele. Dora Cavalcanti disse que prefere falar quando estiver próximo do júri — que não tem previsão de data para ocorrer. "Isso leva tempo", diz o assistente de acusação. "O STF tem uma infinidade de processos para analisar." Para Takamune, a defesa visa à prescrição do caso, que ocorre em 2024.

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Sobre o autor

Nascido no Rio de Janeiro em 1963, Paulo Sampaio mudou-se para São Paulo aos 23 anos, trabalhou nos jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo, nas revistas Elle, Veja, J.P e Poder. Durante os 15 anos em que trabalhou na Folha, tornou-se especialista em cobertura social, com a publicação de matérias de comportamento e entrevistas com artistas, políticos, celebridades, atletas e madames.