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Em SP, médico legista sadomasoquista ganha concurso de fetiche em couro

Paulo Sampaio

09/04/2018 04h50

Prestes a vencer a etapa Brasil do concurso Mr. Leather 2018, que celebra o fetiche de homens gays pelas roupas de couro, o médico legista Raphael Gonçalves, 37 anos, conhecido como Dom PC, posa para fotos com seu amante submisso, o "Doguinho Play".  Trata-se de um confeiteiro de 32 anos que se compraz em fazer o papel de "cachorrinho" e obedecer as ordens de seu "dono". Doguinho rosna e usa uma focinheira, mas aparentemente é um cão dócil.  "Au-au", ele late, enquanto Dom PC o segura pela coleira.

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O médico conhecido como Dom PC, com seu amante submisso, Doguinho Play (Foto: Paulo Sampaio/UOL)

O vencedor do concurso afirma que a textura, o cheiro e o sabor das roupas de couro o deixam sexualmente excitado. Entretanto, ele explica que  a "cultura leather" não está necessariamente ligada à chamada BDSM (bondage, disciplina, submissão, sadismo e masoquismo). Bondage é a prática de imobilizar o submisso com cordas.  "Leather é uma coisa, BDSM é outra. Mas se estiveram juntos, melhor", acredita Dom PC, que tem 44 botas e 13 jaquetas de couro.

Antes que algum espírito de porco pergunte se a escolha de sua especialidade médica tem a ver com suas preferências sexuais, o legista diz que no BDSM tudo é consensual. Não se trata de roubar a vida de ninguém, mas de "matar de prazer". "Se o cara me vê de couro e pergunta: 'Vai me bater?', eu respondo: 'Gostaria, mas se você aprecia apenas o fetiche da roupa, o toque, o design, vamos curtir juntos."

Dom PC afirma que durante muitos anos preferiu manter sua vida sexual "longe da mídia", mas graças ao "apoio da comunidade" ele resolveu se assumir publicamente: "Eu me senti acolhido, incentivado. As pessoas diziam: 'Vai, que a gente quer ser bem representado!"'

Os quatro participantes do concurso foram analisados por um júri de seis homens reunidos no Eagle, um clube de sexo localizado na Bela Vista, região central de São Paulo, conhecido principalmente pela frequência de ursos (gays gordos e peludos). Dom PC ganhou a disputa, digamos, presencial, a que de fato valia. Nas redes sociais, onde a votação começou em 14 de janeiro, o favorito era o designer gráfico Rodrigo Di Biasi, 42 anos, com 62,2% dos votos, contra 25,5% de Dom PC. Ele apareceu na final do certame acompanhado dos dois maridos. A organização avisava que os votos  on-line não garantiriam a vitória. Dom PC agora vai concorrer ao mundial Leather, que acontece entre 24 e 28 de maio, em Chicago.

O Mr. Leather 2017, Bruno Rubio, o Dom Barbudo (ao centro), entre os candidatos deste ano: da dir. para a esq., André Constantino da Silva (Dhé Leather); Alisson Dias (Maoriguy); Rodrigo Di Biasi (Kake); e Rafael Dom PC (Foto: Paulo Sampaio/UOL)

Parceria e retidão

Pelo que explicam os participantes, o Mr. Leather se propõe a divulgar o eles chamam a "cultura do couro". O professor André Constantino da Silva, 36, o Dhé Leather (uma homofonia com "the" Leather, em inglês), diz que a tal cultura tem a ver com "parceria, integridade, retidão". "Não é só sexo; a comunidade tem valores rígidos", explica Dhé Leather, que participava do certame pela segunda vez e ficou em 4º lugar. PC franze o senho quando ouve a explicação sobre critérios morais. "Para mim, é basicamente um estilo de vida."

Embora nem todos os candidatos fossem, como Dom PC, adeptos do BDSM, em algum momento da entrevista feita pelos jurados a maioria falou em "dar a cara a tapa". No caso, enfrentar o preconceito fora e dentro da comunidade Lgbt. "Existe uma tendência segregar o gay que veste couro, ou cobrar dele uma postura máscula, mas isso é uma bobagem", diz Alisson Dias, 31, o Maoriguy, que se define como dominador. Ele ficou em 3º lugar.

Dom Barbudo posa entre dois médicos sadomasoquistas; Thomaz Magno (à dir), 34 anos, é sádico; seu companheiro, Jefferson Mello, 38, de camisa xadrez azul, masoquista; as correntes grossas com cadeados no pescoço simbolizam o compromisso: "São as alianças do BDSM", dizem

Cheiro de macho

De acordo com os organizadores do concurso, a comunidade leather viveu seus primórdios na Alemanha do pós-guerra,  quando um grupo de homossexuais passou a se identificar com a "masculinidade do militarismo". O uniforme evocaria um "cheiro de macho". Sim, há um cunho ligeiramente nazista na adoração ao couro, mas no calor dos trópicos isso se torna um vapor remoto. Muito agregador, o flanco latino da comunidade acompanha o crescimento exponencial de adeptos do couro em todas as identidades de gênero (cis, trans, bigênero) — ainda que na Eagle só houvesse homens gays.

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Sobre o autor

Nascido no Rio de Janeiro em 1963, Paulo Sampaio mudou-se para São Paulo aos 23 anos, trabalhou nos jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo, nas revistas Elle, Veja, J.P e Poder. Durante os 15 anos em que trabalhou na Folha, tornou-se especialista em cobertura social, com a publicação de matérias de comportamento e entrevistas com artistas, políticos, celebridades, atletas e madames.