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Ator de filme pornô gay diz que ganha o triplo para transar sem camisinha

Paulo Sampaio

10/06/2018 05h00

Há cerca de quatro anos, o vendedor Felipe Souza, 25, participou de sua primeira cena em um vídeo pornográfico, fazendo sexo com outro homem: "Era um dos meus sonhos palpáveis de adolescência", conta ele, que trabalha em uma loja de roupas em um shopping. Desde então, atuou em dez produções do gênero. Um filme pornográfico completo costuma ter cerca de quatro cenas independentes, não necessariamente com os mesmos atores. Felipe, também conhecido pelo nome artístico de Rafael Ferraz, ou pelo apelido de Fefo, é "versátil"; faz sexo "ativo" (penetrando) e "passivo" (sendo penetrado). Em qualquer posição, diz ele, o cachê sobe de cerca de R$ 300 para R$ 1.000 por cena, caso o ator se disponha a transar sem camisinha.

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O ator de filme pornô e vendedor Felipe Souza (Foto: Arquivo Pessoal)

O Ministério da Saúde divulgou na semana passada uma pesquisa que revela que um em cada quatro homens que fazem sexo com homens (HSH)* é portador do vírus HIV.  Segundo Gerson Pereira, diretor substituto do departamento de Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST-HIV/Aids) do Ministério da Saúde, "na população heterossexual, a contaminação é um evento raro". "Apenas 0,4% dos que participaram da pesquisa estão infectados."

Entre os homossexuais, esse número sobe para 18%. "O caso do Brasil é classificado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como 'epidemia concentrada', porque se restringe basicamente ao grupo dos homossexuais e dos profissionais do sexo", diz. Em um estudo anterior, feito em 2009, a prevalência dos homens que fazem sexo com homens era de 12%.

Na ocasião, os usuários de drogas injetáveis entraram na pesquisa, mas desta vez apenas os HSH e os  profissionais do sexo. "Hoje, os usuários de drogas preferem o crack, que é mais barato", diz Pereira. A pesquisa atual foi feita em 12 cidades brasileiras, e no grupo entrevistado 83,1% se declaram gays, 12,9% heterossexuais ou bissexuais e 4% outros. Do total, 75% transam só com homens.

Nada de preservativo

A pesquisa informa que, entre os HSH infectados, a maioria é de jovens até 25 anos. Felipe Souza está nesse grupo, mas diz que não se infectou. "Usei duas vezes a PEP — Profilaxia Pós Exposição ao vírus da Aids, conhecida popularmente como a pílula do dia seguinte do HIV." Souza às vezes faz sexo sem camisinha, e por isso toma a PrEP, profilaxia pré-exposição ao vírus.

A primeira é recomendada para pessoas que transaram sem proteção, ou em caso de rompimento do preservativo. Tem de ser iniciada no máximo até 72 horas após a exposição ao vírus; administrada durante 28 dias por via oral, deve ser acompanhada por três meses pela equipe de saúde do centro ou pronto-socorro. Já a PrEP é um medicamento de uso contínuo, indicado para parceiros sorodiscordantes (quando apenas um está infectado), ou para quem não pretende usar preservativo.

Aplicativos e festas de sexo

As duas formas de combate à transmissão fazem parte da chamada "prevenção combinada". Especialistas afirmam que o discurso crítico ou a imposição ("use camisinha") como estratégia de prevenção entre os jovens não funciona. A ideia agora é disponibilizar alternativas para que essa população escolha o método mais adequado para o seu estilo de vida. Além o preservativo, da PEP e da PrEP, o governo oferece autotestes rápidos e divulga todas essas possibilidades em lugares onde se encontram os grupos de risco, como aplicativos de busca de parceiros, 'cruising bars', festas de sexo.

O cardápio de opções variadas de prevenção foi a saída encontrada num momento em que a população de risco não parece preocupada com as consequências da prática do sexo desprotegido. Proliferam nas redes sociais grupos só de homens que transam sem proteção e que se organizam para promover festas frequentadas apenas por entusiastas do sexo "sem capa". É o chamado  'bareback' (que em inglês significa montar a cavalo sem sela, uma gíria para sexo sem camisinha). "Essa geração de jovens não tem medo da doença, porque hoje a Aids não mata. Antes, no início da epidemia (anos 1980), a expectativa de sobrevida a partir do diagnóstico eram cinco meses. Agora, se o portador do vírus tomar a medicação corretamente, pode viver quase o mesmo tempo que o soronegativo. A diferença estimada é de apenas seis meses", diz Pereira.

Quase uma gripe

O médico conta que se surpreendeu em suas experiências no Centro de Testagem e Aconselhamento (CTA), com a reação de jovens de 18 anos quando tomavam conhecimento do resultado positivo para o teste de HIV: "Era como se eu tivesse falado em uma gripe."

Para aumentar a prevenção, há cerca de cinco anos o Ministério da Saúde mudou a orientação em relação ao início do tratamento. "Até 2013, os postos só tratavam os pacientes que já estavam com Aids (e não apenas com o vírus da doença)." O parâmetro é a contagem de células CD4 abaixo de 350. O medicamento reduz o número de vírus no organismo até chegar a um nível indetectável. Acontece que o CD4 dos pacientes que tinham acima de 350 continuava baixando, e eles se tornavam transmissores do vírus.

A eficácia comprovada da PrEP e da PEP (quase 100%) leva muitos homens que transam com outros homens sem preservativo a considerar o problema da prevenção resolvido. Pereira lembra que ambas as profilaxias funcionam apenas contra o HIV  — não a sífilis, a gonorreia, o HPV, as hepatites, todas as outras DST. A diferença é que, se o paciente não toma o medicamento, a Aids mata.

Ótimo em matemática

Filho de uma diarista, Felipe Souza diz que chegou a finalizar o ensino médio e que "era ótimo em matemática" — mas desistiu de prestar vestibular para engenharia porque não sabia se era o que queria. Dá graças a Deus:  "Aos 18 anos, você não tem condição de saber o que quer ser." Agora, Souza pensa em ser massoterapeuta.

Enquanto solta uma risada meio tímida, meio nervosa, o entrevistado leva o blogueiro a se perguntar o que leva um "ótimo aluno na escola" a ter dúvida em relação à escolha de um curso universitário, mas não em relação à carreira de ator em filmes pornográficos. "Sempre quis participar de um filme de sexo explícito", diz ele, que mede 1,67m, pesa 59kg e parece bem mais jovem.

Quando é escalado para fazer um filme, a única informação que Souza costuma ter a respeito do parceiro com quem vai contracenar é uma foto. Ele diz que prefere assim. "Se o cara começa a falar, já me dá bode. Prefiro a surpresa. Sempre dá mais certo." Porém, Souza conta que já aconteceu de, na hora, "não rolar a menor química".

Ele diz que os resultados de seus exames apontam que ele está "zerado" em DST: "A única coisa que eu tive foi HPV no nariz, por causa de um 'cunete' (sexo oral anal)."

Responsabilidade na divulgação

O diretor de filmes pornográficos gays J.J. Rodrigues, 62 anos, há mais de dez no ramo, conta que a demanda por cenas feitas sem preservativo é principalmente dos sites americanos. "Eu me sinto incomodado, não só por deixar os garotos se exporem ao risco, como também por divulgar o sexo desprotegido", diz ele, que inaugurou o site sacanagens.net.

Rodrigues (nome artístico) conta que alguns atores não topam fazer as cenas sem camisinha de jeito nenhum: "Outros perguntam logo de saída se existe a possibilidade de ganhar mais, transando sem o preservativo."

Ele afirma que sua "culpa" diminui quando o status sorológico da dupla de atores (ou trinca) é igual: "Se o soropositivo transa sem camisinha com outro soropositivo, ou o negativo com outro negativo, fico menos preocupado", diz ele, que é soronegativo e enfrenta um câncer.

Tem salvação não

Além dos filmes — postados no YouTube e no Instagram –, Felipe Souza pretende continuar a trabalhar na loja de roupas do shopping. Diz que gosta de baladas e não bebe. Não está preocupado em ter um namorado. Eventualmente, um ou outro pretendente o bloqueia na rede social quando descobre que ele participa de "vídeos de sacanagem". Ele conta isso sem rancor.

Diz que faz programa com homens, mas muito eventualmente. Calcula dois por ano. Em uma dessas vezes, o cliente pediu para que ele não usasse camisinha e pagou mais para a transa ser filmada. Ele topou.

Sendo um típico representante da população sexualmente vulnerável, o que será que Felipe Souza sugeriria como método de prevenção contra o HIV? "Campanha?? Atualmente?? Acho que não tem salvação não. Teria de começar do ensino básico. A política de educação sexual regrediu. Eu mesmo me lembro de ter tido duas aulas em todo o curso."

(*Os travestis e transexuais foram submetidos a uma pesquisa separada, por causa da maior discriminação a esse grupo. "Muitos deles não procuram os postos de saúde porque não se sentem à vontade. Os que se submeteram à cirurgia de mudança de sexo, por exemplo, não podem ser atendidos por um ginecologista  — já que não tem aparelho genital feminino –, nem por um urologista — porque não têm mais pênis. Por isso, há um projeto de abrir ambulatórios específicos para essa população", diz Pereira).

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Sobre o autor

Nascido no Rio de Janeiro em 1963, Paulo Sampaio mudou-se para São Paulo aos 23 anos, trabalhou nos jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo, nas revistas Elle, Veja, J.P e Poder. Durante os 15 anos em que trabalhou na Folha, tornou-se especialista em cobertura social, com a publicação de matérias de comportamento e entrevistas com artistas, políticos, celebridades, atletas e madames.