Ela foi da filantropia com idosos ao mercado erótico dos vibradores
Paulo Sampaio
14/06/2018 05h00
A empresária Paula Aguiar, autora de "Vibrador, o Livro", conta que no início de sua incursão pelo mercado erótico, em 2000, não conseguia nem abrir conta empresarial em banco: "O gerente dizia: 'Não trabalhamos com armas, drogas nem pornografia"'. (Foto: Arquivo pessoal)
A empresária Paula Aguiar tinha pouco mais de 30 anos e trabalhava com informática em uma entidade filantrópica, quando um senhor a procurou querendo contratá-la para montar uma sex shop virtual: "Fui indicada por um conhecido, e recebi o homem no trabalho. Ele abriu uma mala na minha frente e despejou em cima da mesa uma porção de pintos (consolos). Fiquei assustadíssima. Disse: 'O senhor por favor recolha tudo isso agora! Isso aqui é uma casa de acolhimento de crianças e idosos"'. Apesar do choque, ela encaminhou o empresário para o marido, que era programador de sistemas, e os dois iniciaram um profícua parceria no ramo erótico. Paula entrou de curiosa.
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Isso foi no começo do milênio, em 2000. A partir dali, Paula se envolveu de tal maneira na indústria de consolos (e pomadas afrodisíacas, géis lubrificantes, vibradores de todos os tipos e tamanhos, lingeries variadas e infindáveis apetrechos lúdico-sexuais) que, dois anos depois, ela havia se tornado presidente da Associação Brasileira de Mercado Erótico, entidade que "é referência em dados e estatística no mundo todo". De acordo com o site MercadoErotico.org, que reúne mais de 11 mil empresas nacionais do ramo, o setor movimenta R$ 1 bilhão por ano. Nos últimos 12 meses, houve um crescimento de 20% nas vendas de acessórios para casais heterossexuais. As mulheres compram mais.
Esta semana, Paula está lançando "Vibrador, O Livro", sua décima quinta empreitada pelo mundo dos manuais eróticos: "Os modelos mais procurados são os clitorianos. Nunca se falou tanto em clitoris", diz a especialista. Viúva há cerca de dois anos, Paula, 50, diz que tinha um casamento perfeito e que se sentia uma felizarda pela parceria que desenvolveu com o marido, morto de repente em decorrência de um aneurisma. "Sempre nos demos muito bem na cama, mas a medida em que passamos a ganhar os produtos que estavam no site, e a experimentar, tudo ficou muito mais divertido: houve um tipo de conexão inédita", conta ela, que teve dois filhos homens, hoje com 30 e 27 anos. Paula, ela própria, também se dedicou à criação de linhas de produtos para públicos específicos, incluindo os veganos, os maiores de 60 anos e os evangélicos. Sua maior dificuldade ainda é imaginar uma cliente "viúva": "Sempre que criava uma linha, pensava em mim e no meu marido. Agora, estou tendo de reinventar minha fantasia."
A especialista explica os modelos, da esq. para a dir.: "O primeiro (azul) é multiuso pra casal: vibra na glande, no bico do seio, no clitoris, dá pra encaixar o pênis e tem controle remoto com dez velocidades; o lilás é literalmente um propulsor de orgasmos femininos; ele suga o mamilo e o clitoris até a mulher gozar; os de metal com detalhe em pedra "fantasia" (ou preciosa, para quem pode pagar) estão em alta, não só pelo luxo do design e pela facilidade de higienizar, mas também porque funcionam como um dilatador anal, ou seja, eles preparam o ânus para receber a penetração de um pênis de bom tamanho: serve para ambos os sexos" (Foto: divulgação)
Você trabalhava em informática em uma instituição filantrópica que acolhia crianças e idosos, até que um comerciante de artigos eróticos despejou uma mala de consolos em cima de sua mesa. Como isso mudou sua vida?
Olha, eu sempre fui muito espiritualizada. Era espírita kardecista, hoje sou universalista, acredito em todas as religiões. Quando aquele senhor me procurou, eu tinha acabado de voltar de uma peregrinação a Santiago de Compostela (rota espiritual-religiosa na Espanha), jamais imaginei entrar de maneira tão radical no mundo do erotismo. Hoje eu vejo que encarei aquilo como uma missão, que foi tornar o erotismo algo natural — desmistificar o tabu que envolvia o assunto. E também ajudar as pessoas que tinham dificuldades no sexo, especialmente as mulheres.
De certa forma, então, você continuou na filantropia.
Sempre tive uma preocupação muito grande com o ser humano. Mas no caso do erotismo, surgiu também um interesse pelo assunto em si. Eu achei aquilo fascinante, como produto. Acompanhei a criação do site desde o início. Quando eu me dei conta, já não estava apenas dando palpites sobre cores, dimensões, alternativas anatômicas, mas tinha me envolvido completamente com o tema. A ponto de, dois anos depois, estar à frente da Associação Brasileira de Mercado Erótico e presidi-la por 8 anos. Atualmente, sou presidente do Conselho Empresarial da Prevenção do HIV do Estado de São Paulo.
Em 2000, as mulheres ainda não contavam com as redes sociais para denunciar os abusos sexuais que sofriam. Como era a vida de uma comerciante de produtos eróticos, em um universo tão masculino e machista?
O preconceito era enorme. Para não dar margem a nenhum tipo de mal-entendido, eu trabalhava só de terninho escuro, vestida praticamente como um homem. Eu me lembro de uma visita que fiz a um portal parceiro, para tratar de publicidade (quando eles já cogitavam conversar sobre isso com o mercado erótico), e percebi que as pessoas saíam das salas para ver que aparência tinha uma mulher que trabalhava com erotismo. Acho que eles pensaram que eu ia aparecer vestida de couro, com uma máscara e um chicote na mão. Mas qualquer insinuação desagradável era recebida com um sorriso e a frase: "A empresária vende produtos, mas não está à venda."
Você diria que, na época, era mais difícil fechar negócios ligados a erotismo?
Totalmente. Ouvi recusas tanto quando tentei conseguir hospedagem para o site, como para publicação de anúncios e até na busca de fornecedores de embalagem. Não pude nem abrir conta empresarial no banco. O gerente disse: "A gente aqui não trabalha com armas, drogas, nem pronografia." Sabe coisas que para qualquer empresa é algo corriqueiro, faz parte do negócio? Para gente, era uma batalha.
Como estão as coisas hoje?
Por um lado, encaretamos terrivelmente em questões sociais. Você não pode falar mais nada, a patrulha politicamente correta vem correndo atrás. Aquilo que era uma piada nos anos 1990, hoje pode te levar pra cadeia. Qualquer coisa é motivo para berrar, xingar, polemizar. Ainda estou tentando entender o que aconteceu para a gente perder a liberdade de dizer o que quer. Por outro lado, as mulheres não precisam mais colocar chapéu, óculos escuros e cachecol para entrar em uma sex shop. Bom, é verdade que hoje elas podem comprar pela Internet, o que facilitou as coisas. Mas eu vejo em eventos públicos, como feiras eróticas, que o comportamento delas mudou muito. E o empresário do setor se deu conta de que o grande filão desse mercado é a mulher. Virou tendência entre elas frequentar ambientes ligados a erotismo; é 'cult'. E a maior parte se sente completamente à vontade para pegar na mão, cheirar, provar tudo o que está exposto. Isso é maravilhoso. Aquela história de a gente ler nas capas de revistas femininas chamadas do tipo: "Como fazer para levar seu companheiro ao êxtase" é coisa do passado. As mulheres passaram a pensar muito no próprio prazer. Estão sinceronas mesmo.
Por que o livro sobre vibradores?
Primeiro, porque nunca se falou tanto em clitoris. O livro apresenta inúmeros modelos de vibradores, mas o que mais interessa hoje às mulheres são os que promovem o orgasmo clitoriano. Isso levou a indústria a sofisticar a tecnologia desses aparelhos, produzindo-os de todos os tamanhos, texturas, cores. Não é apenas uma questão sexual, mas de anatomia. Há também informações de vibradores para casais heterossexuais e de lésbicas. Para homens, especificamente, existe a cueca vibradora, que pode ser ativada à distância por um controle remoto. Na verdade, quando esse livro estiver à venda, já vou precisar atualizá-lo, tal a rapidez com que se criam novos modelos.
Como é feita a apresentação dos produtos novos para os clientes do mercado erótico?
Promovemos palestras, encontros, demonstrações.
Com modelos vivos?
Não! A vagina e o pênis são de borracha. Até para não assustar a clientela. Temos linhas para idosos, com mais de 60 anos; e para evangélicos. (Ao mesmo tempo em que se assusta com a pergunta, ela conta que nas feiras eróticas de Portugal as demonstrações de utilização dos produtos são feitas por modelos vivas, em geral atrizes de filmes pornô: "Esses eventos, lá, ainda são frequentados majoritariamente por homens. Só as mulheres muito avançadas aparecem. Os portugueses ainda associam o erotismo à pornografia. Como a gente fazia no começo do século.")
Como é a linha evangélica?
Própria para pessoas que se casam virgens, que não praticam sexo anal e preferem evitar o vermelho. Recrutei um casal de evangélicos para prestar consultoria. As embalagens e os produtos são brancos, decorados com pombinhas douradas. De acordo com a fé deles, as pessoas devem se casar sem saber nada de sexo. Quando se vêem na intimidade, e conhecem o cheiro do outro, o gosto, às vezes não acontece o encaixe. O produto vai servir como canal de aproximação e de estimulo para a fantasia. Nenhuma religião proíbe a fantasia sexual.
Como fica o mercado erótico em épocas de crises graves na economia, como a que o Brasil atravessa?
A crise afeta diretamente o desempenho sexual das pessoas. O homem broxa, a mulher grita, eles se afastam. Talvez por isso, o mercado erótico é um dos poucos que se mantém lucrativo. O crescimento nas vendas é tímido, mas positivo, entre 3% e 4% ao ano. Na crise de 2008 nos EUA, a venda de sex toys registrou um aumento significativo. Porque pensa: sair pra jantar está caro; ir ao teatro está caro, ir para um motel também. Aí, você paga R$ 15, R$ 20 por um gelzinho de sexo oral e ganha a noite.
E que tipo de produto pode salvar um casal da debacle também na cama?
Olha, para levantar a libido nos tempos atuais, o mais indicado são os excitantes sexuais em gel e cápsula, ou em bebida, pozinho.
Você ficou viúva há dois anos. Mantém-se sexualmente ativa?
Não sinto necessidade, pelo menos por enquanto. Nossa parceria era tão perfeita que, de certa maneira, mantive autonomia nesse campo. Não vejo porque sair atrás de parceiro, para transar só por transar.
Sobre o autor
Nascido no Rio de Janeiro em 1963, Paulo Sampaio mudou-se para São Paulo aos 23 anos, trabalhou nos jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo, nas revistas Elle, Veja, J.P e Poder. Durante os 15 anos em que trabalhou na Folha, tornou-se especialista em cobertura social, com a publicação de matérias de comportamento e entrevistas com artistas, políticos, celebridades, atletas e madames.