"Até três meses atrás, nunca tinha sido assediada", diz Cristina Mortágua
Paulo Sampaio
13/09/2018 04h00
Em frenesi, os fãs de Cristina Mortagua quase tombaram a van que a conduzia à saída da casa de espetáculos Olímpia, em São Paulo, onde tinha acabado de ocorrer a edição de 1992 do Baile das Panteras. Vencedora do concurso que fez história no Rio de 1981 a 1994, ela lembra com uma ponta de orgulho que ficou "apavorada". "O povo balançava a van, menino, foi um fu-dê-vu-di-caçarolê", diz ela, usando uma expressão franco-carioca, que teria um correspondente em "mó sufoco, mermão".
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Era a segunda vez que Cristina se inscrevia. Da primeira, no ano anterior, ela teve uma crise de pânico e amarelou. Quando finalmente tomou coragem, ela seguiu a sugestão do coreógrafo do espetáculo, José Reinaldo, e operou o nariz. Agora eram 28 concorrentes, o quê, segundo Cristina, acarretou em um "climão pesado". "As mulheres já competem entre si normalmente. Imagine em uma disputa assim."
Hoje e ontem: ela mantém no corredor de casa uma foto grande feita nos anos 90 (Foto: Paulo Sampaio/UOL)
Feminista, mas mulherzinha
Aos 47 anos, Cristina se considera defensora dos "direitos da mulher". "Mas sou feminina, mulherzinha", ressalva. Capa de várias edições de revistas masculinas, como Playboy e Ele & Ela, e rainha seminua em memoráveis desfiles de Carnaval no Rio, ela sempre se mostrou muito orgulhosa em relação ao próprio corpo. "Eu era linda. Não leva a mal não, meu amor, mas eu era maravilhosa!", diz, abrindo uma edição antiga de Ele & Ela e mostrando fotos dela pelada.
Por ter construído sua imagem em cima do próprio corpo, que ela sempre exibiu sem reservas, Cristina diz que volta e meia se surpreende com o "machismo internalizado" de algumas mulheres: "Já ouvi umas defendendo estuprador. Elas dizem: 'Tem mulher que usa umas roupas tão indecentes que parece que tá pedindo para ser estuprada'."
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Na entrevista abaixo, concedida no apartamento dela no Recreio dos Bandeirantes, zona oeste do Rio, Cristina fala de sexo, beleza, de sua relação com os pais, com o filho e com o pai dele, o jogador de futebol Edmundo, com quem "travou" um romance de curta duração, mas comentadíssimo. E também do quanto o seu lado "barraqueira" a atrapalhou. Autointitulada "coach", ela usa um linguajar "técnico" para dizer: "ressignifiquei tudo o que me aconteceu através da resiliência."
Blog –Em 1992, você já era um símbolo sexual. Foi fácil levar o título de "pantera"?
Cristina Mortágua – Várias candidatas eram melhores do que eu. Mas eu era "a" pantera.
Blog – A apresentação seguia um roteiro?
CM – Primeiro, o grupo entrava e dançava uma coreografia de abertura. Aí, vinha a individual, que você não podia alterar nem um passo. Só que eu sou péssima de dança, toda desconjuntada. E pra piorar, eu não conseguia ouvir a música porque o povo veio abaixo quando eu entrei no palco do Olímpia.. É Olimpica?. A música era "Dangerous", do Michael Jackson. Como eu não sabia mesmo fazer a porra da coreografia, comecei a sensualizar (ela relembra a cena, girando as munhecas com os braços levantados e andando sinuosamente pela sala do apartamento). Fiz um misto de Vogue, passarela, tudo junto kkkkkkkk. Eu pensei, "Fodeu, o viado vai me esculachar" (referindo-se ao coreógrafo Zé Reinaldo).
Blog – Como foi a repercussão?
CM – No dia seguinte, eu era capa de todos os jornais mais importantes do País. Não esses do Rio, que você espreme e sai sangue. Tô falando da Folha, do Estadão. E virei socialite (risos). Toda semana eu saía na coluna social.
Blog – Você ganhou outros concursos.
CM – Sim, mas naquela época não havia essa coisa corporativa, de associar o concurso a uma porção de marcas, ganhar dinheiro com isso. Era muito mais amador, mas também mais divertido. Quando fui eleita a "musa do Carnaval carioca", eu nem sabia. Ligaram, no dia seguinte, dizendo que o Sérgio Chapelin (apresentador) estava anunciando no Jornal Nacional. Não me pergunta quem elegeu, que eu não tenho ideia.
Blog – Quem a orientava profissionalmente?
CM – Eu mesma (risos). Ah, a gente ouvia o cabeleireiro, os amigos. Não tinha esse desespero de assessor de imprensa, de marketing, agente, administrador de redes sociais. Não existia ainda o programa do H, que lançou a Feiticeira, a Tiazinha, entende?
Ensaio para a revista Ele & Ela, produzido e dirigido por ela mesma: "Essa é a mulher que eu sou."
Blog – Eles voltaram a promover um concurso das panteras esse ano. Você foi jurada. O perfil da vencedora era bem diferente do das concorrentes da sua época.
CM – Atualmente, eles valorizam a mulher fitness, que tem corpo musculoso. É tudo muito estudado, fabricado, sem humor (ela mostra uma foto em que aparece com a própria perna malhada): Tá vendo? Você vê músculo, mas é uma perna de mulher. Não existia Botox, preenchimento, silicone, megahair, jaqueta nos dentes. No máximo, as mulheres faziam muito regime. A gente contava basicamente com a natureza. Ou era bonita, ou não.
Blog – O que você achou da vencedora deste ano?
CM – Na hora em que ela entrou no palco, vi uma força que na verdade não existe nela. Depois, quando a conheci pessoalmente, percebi que tinha me enganado
Blog – Antes da entrevista, você perguntou se eu faria fotos, disse que não estava preparada, não tinha chamado ninguém para maquiá-la; durante a entrevista, saiu três vezes da sala, dizendo que ia "escovar os dentes e colocar um perfuminho". Ao mesmo tempo, afirma que não é mais "escrava da beleza".
CM – Hoje eu vejo que, muito mais difícil do que ganhar um concurso, é segurar a beleza quando você vira mito. Dá trabalho. Recentemente, troquei as próteses de silicone por duas de 500 ml. O médico disse que meus peitos estavam olhando pra baixo, consertei o olhar deles.
Blog – Então, agora, você não conta só com a natureza?
CM – Imagine! Uso tudo. Só não ponho mais Botox no rosto porque o médico não deixa.
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Blog – Você está mais magra.
CM – Cheguei a pesar 95kg, quando briguei com meu filho e fui parar na delegacia (Acusada de agredi-lo em 2011, quando o garoto tinha 16 anos e revelou sua homossexualidade, Cristina foi levada para o distrito policial, depois processada e absolvida. A juíza levou em conta que ela estava sob o efeito de remédios "tarja preta", em estado de "perturbação de saúde mental"). Depois perdi 17kg, atualmente estou com 78kg, mas meu ideal é 70kg. .
Blog – Em entrevista ao blog, o Alexandre (filho) afirmou que, apesar de você ter tentado exorcizá-lo, hoje se dão muito bem. Ele disse: "A gente entende um ao outro, sem precisar dizer nada".
CM – Eu não tentei exorcizá-lo, isso é uma bobagem. Apenas fui atrás, quando ele fugiu de casa para ficar com o namorado. Hoje, a gente se fala diariamente. Morre de rir junto, ele me mostra fotos dos meninos de quem está a fim. Meu filho adora minha inteligência: me acha debochada, sarcástica, metafórica. Pensa: 'O que essa filha da puta tá querendo dizer?'
Grávida de Alexandre (Foto: Arquivo Pessoal)
Blog – O pai dele é o (jogador de futebol) Edmundo. Apesar de vocês não terem sido casados, sempre a associam a ele. (Tempos depois ela se casou com o jogador Djair, do Atlético Mineiro).
CM – (Animada de novo) Ficamos juntos quatro meses, mas pra muita gente, foram muitos anos. Até hoje acham que a mulher dele sou eu.
Blog – Onde o conheceu?
CM – Fui apresentada a ele pelo nosso cabeleireiro em comum, no Banana Banana (lugar muito festejado em São Paulo, nos anos 1990). A princípio, como homem, ele não me disse nada. Eu nem sabia quem era. Achei a abordagem dele boba. Disse que tinha a minha Playboy, que era meu fã. Isso foi em novembro de 1993; a gente só foi ter alguma coisa em fevereiro de 1994. Ele tinha se casado em janeiro com a Adriana.
Blog – O que a atraía nele?
CM – Eu acho que ele agia da forma que eu gostaria que meu pai agisse. Foi o único homem que me dava ordens e eu obedecia. Ele se mostrava ciumento, eu adorava. Mas não deu tempo de amar.
Blog – Você gosta de futebol?
CM – Eu jamais entendi nada de futebol. Só sei que me dizia flamenguista no Rio, e corintiana em São Paulo. Mas não me pergunta o nome de um jogador de algum dos dois times que eu não tenho ideia. E no entanto, você vê, eu já fui chamada de "maria chuteira". O que eu gosto no futebol é a torcida. Aquilo me deixa maluca (ela imita o ruído da multidão em um estádio). É o nirvana.
Blog – Na mesma entrevista ao blog, o Alexandre disse que quando pensa no pai não ouve uma voz, não sente um cheiro, nada.
CM – Não gosto de ouvir isso. Porque me lembra de um problema com o meu pai, que era peão do jogo do bicho. Eu sofri alienação parental – a parada é séria, complicado falar. Minha mãe me colocou contra ele, que a agredia quando ela estava grávida de mim. Ela saía correndo pela rua, na Penha (subúrbio carioca), para não apanhar.
Blog – Você foi criada por ela?
CM – E pela minha vó, que era o cão pelado. As duas eram muito rígidas. Cresci acreditando que meu pai tinha me abandonado. Mas as histórias eram complicadas. O que sempre me intrigou é que, na minha certidão de nascimento, o lugar reservado para o nome do pai tem só pontinhos. Quando eu era criança, me perguntava por quê. Eu cheguei a ir atrás dele, quando meu filho nasceu, mas não consegui me aproximar, gostar de verdade dele.
Blog – Você se tornou um ícone de "mulherão", sempre despertou muitas fantasias nos homens. Sofreu assédio sexual?
CM – Nunca tinha sofrido, até três meses atrás. O cara me conhecia há muito tempo, e agora a gente estava iniciando uma parceria profissional. Eu sempre soube que ele me curtia, mas achei que já nem pensasse mais nisso. Até que ele veio pra cima de mim, e falou claramente que poderia "facilitar a parceria", se eu ficasse com ele..
Blog – Qual foi sua reação?
CM – Eu fiquei paralisada. Eu acho até que você pode falar tudo para outra pessoa, desde que use as palavras certas. Ele não propôs, ele vomitou. Disse que nós uniríamos o útil ao agradável. Só que um relacionamento não começa assim, né?
Blog – Qual o seu tipo de homem: carente, mandão, submisso?
CM – Carente? Submisso? Deus me livre! Eu gosto de macho, de força, de brutalidade. Daquela mão que te segura pela cintura, sabe? De pegada. O homem tem de ser poderoso. E eu, a mulher desse poderoso. A gente entra lado a lado na festa, mas quem brilha é ele. Se ele esmorece, perco tesão: aí, não vai mais me comer nem a pau! Mas veja: dou a ele a liberdade de saber que tem o meu colo em um momento de fragilidade.
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Blog – Namorou muito?
CM – (Gargalhando) "Muuuuito. Mas deixa as pessoas acharem que foi só o Edmundo.
Blog – Sofreu?
CM – Cara, eu não vou dizer que nunca sofri por ser deixada. Mas eu gosto de ir até o fundo do poço. Procuro a pessoa até o ponto de ela me desprezar, de achar que eu estou rastejando. Aí, um belo dia eu me apaixono por outro, e simplesmente apago a pessoa da memória. É como se nunca tivesse existido. Isso é muito louco. Aí, claro, o jogo se inverte. Quem aguenta?
Blog – Você diz que as mulheres competem entre elas. Isso a impede de admirá-las?
CM – De jeito nenhum. Tiro o chapéu para Lady Di, que eu admiro pelo trabalho humanitário (Cristina vai até o quarto e traz sua carteirinha de capelania universal. Explica que, ali, se aprendem ações de cidadania "mesmo"); Leila Diniz, por ter sido libertária; Jacqueline Kennedy: a mulher foi casada com um presidente da República, de repente ele morreu ela teve de criar duas crianças sozinha…; e a Gisele (Bundchen), que faz tudo com excelência. Eu sou assim também. Se eu fizer uma faxina em casa, você pode se sentar no chão para comer.
Blog – Você se arrepende de alguma coisa?
CM – Acho que, se começasse de novo, seria mais cautelosa. Falar o que se pensa é maravilhoso, mas tem um custo. Apesar de ter fama de "barraqueira", "devoradora", eu adquiri autocontrole, hoje não bato palma para maluco.
Sobre o autor
Nascido no Rio de Janeiro em 1963, Paulo Sampaio mudou-se para São Paulo aos 23 anos, trabalhou nos jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo, nas revistas Elle, Veja, J.P e Poder. Durante os 15 anos em que trabalhou na Folha, tornou-se especialista em cobertura social, com a publicação de matérias de comportamento e entrevistas com artistas, políticos, celebridades, atletas e madames.