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As 'sapas' são muito chatas, diz lésbica criadora de festa para mulheres

Paulo Sampaio

23/06/2019 04h00

Festa de Glaucia ++ completa 22 anos em agosto: "Sempre preferi as bi, elas são muito mais divertidas que as lésbicas" (Foto: Iwi Onodera/UOL)

Há 22 anos, a produtora lésbica Glaúcia Nascimento, 45 anos, mais conhecida como Gláucia ++, criava uma festa especialmente dedicada ao público feminino, na qual só mulheres trabalhavam. Batizou-a de Cio. "Se um homem quisesse tocar, teria de se vestir de mulher", conta Gláucia. Em mais de duas décadas, a festa passou por quatro clubes: The Cube; Torre do Dr. Zero; Stereo e Ultralounge. Atualmente, acontece sempre às quintas-feiras, no clube Jerome, em Higienópolis, zona central de São Paulo.

O tempo passou, e, na edição da semana passada, 90% dos frequentadores eram gays cis (identificados com o gênero designado no nascimento). Uma das DJs era a mulher trans Valentina.

Gláucia tem duas explicações para o fenômeno. Primeiro, ela mesma diz que sempre gostou mais da companhia das "bi" (forma reduzida da expressão "bicha", ou "biba", utilizada na própria comunidade LGBTQI+). "As 'sapa' são muito chatas, sérias. Não frequento lugar de lésbica, não dá certo. As bi são bem mais divertidas", diz ela, que sempre preferiu namorar garotas não iniciadas no sexo lésbico.  'Sapa' é a forma reduzida da palavra "sapatão".

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Boteco e cerveja

O segundo motivo, diz ela, é que as lésbicas não gostam de dançar música eletrônica. "Elas reclamam de ambiente escuro e do som. Preferem se sentar em um bar, ou boteco, conversar e tomar uma cerveja." Gláucia explica que, tradicionalmente, os bares para lésbicas ofereciam música ao vivo, em geral pop ou MPB. No auge da noite, as cantoras mandavam sucessos lésbicos como "Barbara", de Chico Buarque, "Tola foi Você", de Angela Rorô, e "Eu gosto é de mulher", de Ana Carolina. Muitos desses estabelecimentos, como o Café Vermont do Itaim Bibi, o Farol Vila Madalena e o (bem mais antigo e lendário) Ferros Bar, fecharam suas portas.

Muito divertida, Gláucia usa o linguajar das "bi" em seus relatos e, embora reconheça que já traiu e foi traída, é muito leve ao contar as histórias. "Nunca fui uma sapa-sapa. Minhas amigas 'bi' diziam que eu nasci drag e não sabia." Na entrevista abaixo, ela fala da transformação no comportamento das mulheres que curtem mulheres e das que passaram a curtir.

 

 

Universa: Em 22 anos, muita coisa parece ter mudado para as mulheres lésbicas

Gláucia: O sexo entre as mulheres, especialmente as que têm até 30 anos, se tornou fluido. O fato de uma menina namorar outra não significa necessariamente que ela vai ser lésbica para o resto da vida. Isso tem um lado bom, de liberdade. Quando eu tinha 18 anos, muita gente quando se assumia, e saía de casa, estava "condenada". Tipo não podia voltar atrás.

Você pensou em "voltar atrás"? 

Não! Já fiquei com homens, mas não dá para namorar. Gosto de mulher mesmo.

 Essa maior liberdade que as pessoas têm hoje de expressar sua orientação sexual talvez explique o fato de os casais de mulheres terem ficado mais "visíveis". Amigos héteros comentam que nunca viram tantas meninas de mãos dadas nas ruas.

Sim, a liberdade de escolha tirou muita gente do armário. Ao mesmo tempo,  hoje se vive o "amor líquido". As pessoas são livres, mas as relações são mais frágeis e imprevisíveis. Ninguém tem garantia de nada. Bom, nunca teve mesmo, rs.

 Para alguém que não curte guetos, como você, essa geração que não tem os "vícios"  adquiridos no convívio com grupos fechados de "sapas" deve se mostrar mais atrativa.

Eu já tentei ficar com novinhas, mas não dá muito certo. Elas são muito animadas, gostam de sair e já querem casar. Eu tô sossegada.

Ao que parece, nem só as mais novas estão experimentando. Observa-se hoje que muitas mulheres heterossexuais mais velhas, recém-saídas de casamentos de 20, 30 anos com homens, iniciam relacionamento com amigas lésbicas

E nunca mais querem outra coisa, rs. Porque mulher conhece mulher sexualmente, tem um ritmo parecido. A possibilidade de relaxar e aproveitar é maior.

Você inventou o termo "bolacha", um eufemismo para "sapatão".

Começou como uma brincadeira, "bater uma bolacha", significava ficar com alguém. Aí, pegou. Durante muito tempo, em São Paulo, as pessoas usaram bolacha para se referir às lésbicas.

Atualmente, as próprias lésbicas, que antes consideravam ofensivo serem chamadas de "sapatão", estão usando o termo.

É uma maneira politizada de encarar o preconceito, uma forma de desarmar o próprio agressor e assumir a orientação sexual em todos os seus aspectos. Eu continuo achando ofensivo. Mas como eu sei o que eu sou, não me importo.

Existem muitos nomes para designar os diferentes gêneros. Em Nova York, a Comissão dos Direitos Humanos oficializou 31; no Brasil, fala-se em 17; e na Alemanha, mais de 70. 

O babado hoje é essa nomenclatura. Todo mundo quer pertencer a um grupo. São nomes pelos quais a pessoa quer ser reconhecida e chamada. Então, vão surgindo termos para designar cada vez mais grupos.

Em suas abordagens, você usa muito o linguajar dos gays. Acha que é a convivência?

Sim, eu sempre me montei com as "bi". Elas diziam que eu era uma drag e não sabia. Nunca fui uma sapa-sapa. Todo mundo sempre questionou isso.

Acha que as "bi" são menos complicadas que as "sapas" para namorar?

Sem dúvida. Um dia, minha irmã me perguntou como é namorar outra mulher. Para ela entender, eu tentei fazer uma analogia: "Imagina você namorando você mesma."  Ela disse: "Eca!"

Os gays dispõem de uma série de possibilidades para busca de sexo casual: aplicativos, festas, saunas, darkrooms, cruising bars. Esse apelo não funciona com as lésbicas. Acha que isso as torna mais fiéis que os homens? 

Elas também traem, mas não abertamente. Nunca confiei em mulher lésbica. A namorada de uma fica com a de outra, que, por sua vez, está saindo com a da primeira. É o chamado rebuceteio. Se a gente pergunta se tá rolando traição, o texto é sempre o mesmo: 'Você tá louca??' Depois, vem a confissão, em prantos."

Ao evitar o grupo das "sapas", você foi menos traída?

De jeito nenhum! Fui traída muitas vezes. Recentemente, inclusive, por uma mulher que nunca tinha tido relacionamento com outra. Mas também já traí muito. Aos 28 anos, não me pergunte porquê, decidi que não trairia mais. E desde que assumi esse compromisso, me sinto muito pior quando sou traída.

Ultimamente, pessoas de todos os gêneros e orientações sexuais têm assumido fetiches.

Eu adoro salto, tapa na bunda e na cara.

Você tem um tipo de mulher?

Gosto muito de sexo, a ponto de as namoradas reclamarem, mas não curto popozuda. Tipo mulher da Thammy. Sou mais uma Fernanda Lima (muitos risos). Bobinha, né?

Uma das maiores fantasias dos homens heterossexuais é transar com duas mulheres. 

Sim, o hétero viril. O que ele não sabe é que, com as lésbicas, vai acabar chupando o dedo.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Sobre o autor

Nascido no Rio de Janeiro em 1963, Paulo Sampaio mudou-se para São Paulo aos 23 anos, trabalhou nos jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo, nas revistas Elle, Veja, J.P e Poder. Durante os 15 anos em que trabalhou na Folha, tornou-se especialista em cobertura social, com a publicação de matérias de comportamento e entrevistas com artistas, políticos, celebridades, atletas e madames.