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Paulo Sampaio

Ato pró-Moro tem Pai Nosso, Hino Nacional e Regina Duarte falando em amor

Paulo Sampaio

01/07/2019 05h13

O Pai Nosso, momentos antes da tentativa de confisco do bloco do repórter (Foto: Paulo Sampaio/UOL)

O trio do movimento Nas Ruas executou o Hino Nacional, puxou um Pai Nosso e ainda teve uma palavra de Regina Duarte. Emocionada, a atriz pegou o microfone e falou sobre "fé, amor e esperança": "Eu poderia estar aí, com vocês, gente. Tive uma carreira abençoada, cheia de personagens maravilhosos, que me colocaram no lugar em que eu estou (em cima do trio). Fui criada por um militar e uma religiosa, que me ensinaram a respeitar regras e a vontade de Deus!"

Regina Duarte fala em ato pró-moro

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Todos: "Regina! Regina! Regina!" Ela sorri e inclina a cabeça para um lado e para o outro, meio na diagonal, em um movimento de ternura.

Lá embaixo, no asfalto da Avenida Paulista, região central de São Paulo, manifestantes gritam palavras de apoio ao ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, em um ato que ocorreu ontem, simultaneamente, em ao menos 70 cidades do pais.

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Pautas mil

Apesar de os organizadores informarem que a pauta era basicamente a  "reforma da previdência" e "pacote anticrime", a convocação foi feita principalmente para hipotecar solidariedade a Moro, no caso das revelações feitas pelo site The Intercept Brasil. O site tem divulgado supostas trocas de mensagens entre o então juiz e o procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força tarefa Lava Jato em Curitiba.

As mensagens, trocadas pelo aplicativo Telegram, exporiam a proximidade entre Sergio Moro e a força-tarefa e colocariam em dúvida a imparcialidade dele na condução dos processos da Lava Jato. A Constituição brasileira proíbe que o Ministério Público e o Poder Judiciário exerçam influência um sobre o outro. O artigo 254 do Código de Processo Penal estabelece que o juiz será considerado suspeito "se tiver aconselhado qualquer das partes". 

Porém, para o corretor de imóveis Élcio Santos, 50 anos, "isso é a coisa mais normal do mundo (o juiz sugerir ao Ministério Público Federal trocar a ordem de fases da Lava Jato; cobrar a realização de novas operações; dar indicação de testemunha)". "Eles (Moro e Dallagnol) eram colegas de trabalho, conversavam sobre assuntos profissionais, é natural que eles se falassem." Santos está com amigos do grupo virtual de relacionamento "Bolsolteiros", que foi criado em novembro e hoje tem cerca de 6 mil integrantes.

Quem é esse?

A médica cearense Renata Magalhães, 32 anos, afirma que o The Intercept Brasil "é uma piada, uma brincadeira de mau gosto". Renata ignora informações importantes a respeito do jornalista norte-americano Glenn Greenwald, fundador do site. Aparentemente, ela ignora com orgulho.

"O cara é um desconhecido! De onde ele surgiu? Ninguém sabe!", indigna-se a médica, que veste uma camiseta onde se lê "In Moro We Trust".

Greenwald se tornou mundialmente famoso — menos para Renata — quando revelou, em 2013, com dados fornecidos pelo ex-agente da CIA e da NSA Edward Snowden, o monitoramento indevido de informações privadas, e em massa, pelos serviços de inteligência dos Estados Unidos. Pelo conjunto de reportagens, ele recebeu o prêmio Pulitzer em 2014.

Renata volta à carga: "Que prêmio é esse!? Pergunta pra qualquer um aqui (na manifestação), você vai ver que ninguém sabe!"

O Pulitzer é um prêmio norte-americano muito prestigiado entre jornalistas, que se outorga desde 1917 (também) a reportagens de expressão em todo o mundo.

A médica Renata Magalhães (esq.) e a dentista Gabriela Arraes (Foto: Paulo Sampaio/UOL)

Foi o Zé Dirceu!

Um pouco adiante, ao entrevistar o autônomo Alexandre Cupertino, 41 anos, o blog vê uma boa oportunidade de seguir a sugestão de Renata e testar o conhecimento de um manifestante a respeito de Glenn Greenwald e o prêmio Pulitzer. Para Cupertino, o jornalista norte-americano é "um criminoso que a esquerda contratou um para desmoralizar o Moro". "Provavelmente, foi o Zé Dirceu (que contratou). Eu sou da área de TI, sei como trabalham os hackers", afirma Cupertino.

Pelo raciocínio dele, a palavra "força", na expressão força-tarefa, é sinônimo de "união": "Natural que juiz e procurador se unam em busca da Justiça".

Em relação ao Pulitzer, Cupertino diz: "Qualquer um pode institucionalizar um prêmio. O Lula não ganhou um na ONU? O problema é a credibilidade."

Nordestino homofóbico

Enrolado em uma bandeira com as cores do arco-íris, que representa o movimento LGBTQI+, Cupertino pretendeu mostrar que "tem gays que aprovam Bolsonaro". Sobre a homofobia declarada do presidente, o autônomo diz que seu pai também era preconceituoso: "Ele era nordestino, do tipo que não admitia. Eu mesmo lavava a boca com sabão depois de beijar um homem."

Cupertino está com a secretária Andréa Pezzin, 46, vizinha dele no Tucuruvi (zona norte de SP). Em sua primeira vez em uma manifestação, Andréa considerou a experiência bem tranquila. "Não vi briga, achei bem passiva."

O autônomo Alexandre Cupertino e a secretária Andréa Pezzin. Em sua primeira vez, ela diz que "a manifestação estava muito passiva" (Foto: Paulo Sampaio/UOL)

Momento de tensão

O trio do movimento Nas Ruas havia acabado de rezar o Pai Nosso, quando tentaram confiscar à força o caderno de anotações do repórter. O motivo da violenta abordagem foi uma pergunta inconveniente a respeito do ministro Moro.

Foi feita ao empresário Tomé Abduch, 44 anos, que manda no trio. Abduch havia dito que o Intercept tem um direcionamento de esquerda — manifestantes mais sagazes observaram inclusive que "o nome do site termina com as letras PT" — e que estava "causando instabilidade em um momento muito importante para o Brasil".

Abduch assegurou que "o próprio Moro disse que pediria para sair (do ministério), caso ficasse provado que ele havia cometido qualquer ato ilícito". Nesse ponto, o blog se viu na responsabilidade de fazer uma pergunta de ordem fática, aparentemente fácil de responder: "Será mesmo?" 

Pra quê.

Puxa-e-empurra

Fora de si, o empresário passou a gritar que o repórter tinha de publicar exatamente o que ele disse. "É óbvio", disse o repórter. Não adiantou. Enquanto Abduch o empurrava com a mão e informava que o expulsaria do carro, vociferou em tom de xingamento: "Imprensa de esquerda!". Em uma tentativa de se defender (fisicamente), o repórter sentiu um novo puxão no bloquinho, desta vez efetuado pelo capanga de Abduch.

A deputada Carla Zambelli, que tinha acabado de cantar o hino, rezar, falar para a multidão e postar tudo nas redes sociais, intercedeu em favor do repórter — que a essa altura buscava, com a fotógrafa, uma saída de "emergência".

Haja fé, Regina Duarte.

Sobre o autor

Nascido no Rio de Janeiro em 1963, Paulo Sampaio mudou-se para São Paulo aos 23 anos, trabalhou nos jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo, nas revistas Elle, Veja, J.P e Poder. Durante os 15 anos em que trabalhou na Folha, tornou-se especialista em cobertura social, com a publicação de matérias de comportamento e entrevistas com artistas, políticos, celebridades, atletas e madames.