Estudo mostra que a população negra de SP é mais vulnerável à Aids
De uma maneira geral, as estratégias de prevenção contra o vírus do HIV têm sido ineficientes. O cenário se torna ainda mais preocupante entre os negros, já que o número de infectados que desenvolveram a Aids se revelou muito maior do que entre brancos. É o que mostra um estudo de tendência que o sanitarista Artur Kalichman, coordenador e diretor técnico substituto do Centro de Treinamento e Referência DST-Aids, ligado à secretaria da Saúde do estado de São Paulo, apresentou ontem na 22nd International Aids Conference, em Amsterdam, tida como o mais importante evento sobre a doença no mundo.
Como Kalichman explica, quem tem o vírus não necessariamente desenvolveu doença. "Uma coisa é contrair o HIV; outra é desenvolver Aids, outra morrer de Aids", diz o sanitarista. "Depois de 1996, quando a mortalidade por Aids começou a cair por causa do tratamento com o coquetel (combinação de medicamentos anti-retovirais), o desenvolvimento da doença e a morte por ela passaram a depender do acesso ou não ao tratamento."
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A epidemia só cresce
Realizado entre 2007 e 2016, o estudo revelou que o número de casos de infecção por HIV não para de crescer. O resultado, tanto entre brancos como entre negros, é alarmante. O crescimento mais lento entre negros não indica necessariamente que eles tenham contraído menos o vírus: "O mais importante é observar a tendência ao aumento de casos, que se baseia em estatística", diz o sanitarista. Ele reconhece que "a vulnerabilidade à infecção por HIV mostra que as campanhas de prevenção têm falhado".
Em relação aos casos de pessoas HIV positivas que desenvolveram Aids, observa-se que entre os brancos há um crescimento seguido de queda, enquanto entre os negros os números só aumentam. Para Kalichman, isso indica que "os brancos fazem mais o teste, sabem mais rapidamente o diagnóstico, começam a se tratar logo e não desenvolvem a doença".
Racismo e iniquidades
O quadro revelado pela pesquisa é, segundo o médico, reflexo direto do racismo. "O preconceito de cor leva a uma série de iniquidades que dificultam, para essa população, o acesso à prevenção do HIV, ao teste e ao tratamento da Aids. Para onde você olhar no Brasil, saúde, educação, salários, vai ver que os negros estão em desvantagem. Isso evidentemente impacta nos acessos. Enquanto nossa sociedade não enfrentar o racismo, uma questão que é estrutural no Brasil, esses resultados não vão melhorar."
Medicamentos para brancos
No início da epidemia, nos anos 1980, quando não havia medicamento eficiente para combater a doença, tudo o que agora se vê no primeiro gráfico, da infecção por HIV, evoluiria na mesma proporção nos casos de Aids – 5, 6, 8 anos depois (prazo para o desenvolvimento da doença, a partir do diagnóstico).
As novas drogas para a prevenção do HIV, a PrEP (Profilaxia Pré-Exposição ao vírus) e a PEP (Profilaxia Pós-exposição), que apresentam um bom resultado, devem ter impacto positivo na reversão desse cenário. Mas Kalichman reconhece: "É bem provável que tenham mais impacto entre brancos do que entre negros."
Resultado previsível
Para militantes dos coletivos de negros soropositivos, o preconceito racial, de classe e de orientação sexual (e gênero) estão na base de todo o problema. "Essas informações (que aparecem no estudo) sempre foram visíveis. É muito óbvio. Está ligado à questão sócio-econômica, à qualidade de vida dessas pessoas. A maioria vive em lugares insalubres, cortiços, pensões lotadas, barracos com esgoto a céu aberto", afirma Helcio Beuclair, idealizador e coordenador político do coletivo Arouchianos, que reúne a comunidade que frequenta o Largo do Arouche, no centro de São Paulo.
Soropositivo desde 2015, auto-referido "pardo" ("meu pai era negro"), Beuclair conta que ele próprio foi vítima da ineficiência das campanhas de prevenção. "Quando contraí o HIV, nem sabia da existência da PEP (Profilaxia Pós-Exposição ao vírus da Aids).
Pesadelos e alucinações
Ele sugere que o blog converse com o militante soropositivo Carlos Henrique de Oliveira, 25 anos, fundador do coletivo Loka de Efavirenz (referência a um medicamento que, segundo Oliveira, provocava efeitos colateriais violentos nos usuários, como "pesadelos e alucinações"). "A proposta dele é terrorista mesmo", afirma Beuclair. "Não adianta ir no diálogo: quem são eles na The Week? (boate cujo ingresso, para quem não é "membership", custa R$ 40 "seco", ou R$ 80 "consumíveis").
Oliveira conta que, apesar de trabalhar com saúde pública (na área administrativa), ele só recebeu o diagnóstico da infecção pelo vírus HIV em 2014, quando já estava com os sintomas da Aids. "O erro nem é no programa estadual, mas no do País, que enxerga o HIV apenas pelo aspecto biológico: dá o remédio e pronto." Ele afirma que a mulher negra tem 2,4 vezes mais chance de adoecer de Aids.
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