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Paulo Sampaio

Amiga que maquiou Tatiane Spitzner depois da queda diz que foi angustiante

Paulo Sampaio

12/08/2018 04h45

Profissionalmente, a cabeleireira Ivanise de Andrade, 32 anos, não se lembra de uma missão que tenha exigido tanto dela quanto à que assumiu no último dia 22 de julho. Por vontade própria, ela foi à funerária onde estava o corpo da advogada Tatiane Spitzner, sua cliente e amiga de longa data, especialmente para maquiá-la antes do velório. Tatiane caiu do quarto andar do edifício Golden Gate, em Guarapuava, cidade a 250km de Curitiba, depois de ser brutalmente agredida pelo marido, o professor Luis Felipe Manvailer, suspeito de ter jogado a mulher da sacada. Ela tinha 29 anos.

A juiza Paola Gonçalves Mancini, da 2a. Vara Criminal de Guarapuava, aceitou a denúncia do Ministério Público contra Manvailer. Ele é réu pelos crimes de cárcere privado (por impedir a fuga da vítima); homicídio quadruplamente qualificado (por motivo fútil, asfixia, recurso que dificultou a defesa da vítima e feminicídio); e fraude processual (por remover o corpo da vítima e alterar a cena do crime). O professor, que nos últimos tempos passou a desprezar a mulher na cama e a dizer que tinha nojo dela, pode pegar de 12 a 30 anos de prisão.

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Lindo céu

A fim de esconder as marcas da agressão e da queda no rosto de Tatiane, a cabeleireira utilizou base para fazer  "uma pele", e sombra para "esfumaçar"as regiões onde havia hematomas. Ivanise, mais conhecida como Iva, conta que a advogada estava irreconhecível. "Não dava para dizer que era a Tati. Eu a maquiei cantando baixinho, para conseguir ir até o final", diz ela, que levou cerca de uma hora para concluir a missão e cantou uma música religiosa chamada "Lindo Céu". "Foi a minha despedida."

Ivanise de Andrade, cabeleireira e amiga de longa data de Tatiane, assumiu a difícil missão de maquiá-la na funerária, antes do velório Foto: Arquivo Pessoal)

O mais perturbador para Iva foi lembrar que cerca de 24 horas antes, na tarde de sábado, Tatiane havia ido ao salão para fazer as unhas.  Pintou-as de vermelho. Muito vaidosa, a advogada queria estar impecável na festa de aniversário do marido. Naquela noite, Luis Felipe comemorou 32 anos na Box Lounge, a casa noturna mais incensada de Guarapuava. Como "agradecimento", o professor passou o caminho de volta para casa, incluindo a subida no elevador, golpeando violentamente a mulher. "Pela minha experiência, o nariz da Tati não quebrou na queda. Aquilo foi um soco", diz Ivanise.

A cabeleireira fala com conhecimento de causa. Ela conta que "não são poucas" as clientes que recorrem aos seus serviços para esconder marcas de agressões domésticas. "Em vez de denunciar os maridos, elas vêm apagar o que eles fizeram", diz.

Apanham mesmo

Os números corroboram a incrível revelação de Ivanise. Segundo Priscila Schran de Lima, secretária municipal de Políticas para as Mulheres em Guarapuava, a cidade já ocupou o 86º posto no ranking brasileiro de registros de violência doméstica. O dado é expressivo, se levarmos em conta que o Brasil tem cerca de 5 mil municípios: "Desde a criação da secretaria, em 2013, conseguimos baixar esse número em 50%; agora, estamos entre os 400", diz Prisicila.

Para fazer visitas às vítimas de violência domésticas citadas anonimamente por amigos, parentes e vizinhos, a secretária conta com uma equipe formada por advogada, psicóloga e agente de saúde: "Não é briga de 'mano', de homem para homem; elas apanham mesmo."

Turbilhão emocional

Por meio de seus advogados, Manvalier nega que tenha matado a mulher. A defesa afirma que o casal vivia "feliz" e que ia para o quinto ano de relacionamento. Alegando que ele está "profundamente abalado pelo turbilhão emocional sofrido nos últimos dias" e que vinha apresentando "quadro de depressão profunda", seus advogados pediram a transferência do professor da Penitenciária Industrial de Guarapuava (PIG) para o Complexo Médico-Penal (CMP), em São José dos Pinhais, na região metropolitana de Curitiba, "para atendimento psiquiátrico e psicológico urgente".

O laudo médico elaborado pela secretaria da saúde de Guarapuava relata que o professor "não se lembra do que ocorreu". De acordo com o documento, Manvalier diz ainda que acha que a mulher "pulou da sacada".

Sobre o autor

Nascido no Rio de Janeiro em 1963, Paulo Sampaio mudou-se para São Paulo aos 23 anos, trabalhou nos jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo, nas revistas Elle, Veja, J.P e Poder. Durante os 15 anos em que trabalhou na Folha, tornou-se especialista em cobertura social, com a publicação de matérias de comportamento e entrevistas com artistas, políticos, celebridades, atletas e madames.