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Paulo Sampaio

Em 1º encontro de estudantes conservadores, feminismo é comparado a nazismo

Paulo Sampaio

18/03/2019 05h00

Em seu discurso a favor da ideologia de "direita", no auge da empolgação, o universitário mineiro Nicolas Ferreira, 22 anos, compara o feminismo ao nazismo. Em uma crítica furiosa à eventual legalização do aborto — uma das bandeiras mais caras às feministas — ele afirma que a quantidade de crianças mortas na interrupção da gravidez equivaleria ao das que foram eliminadas na II Guerra Mundial. "Os números mostram isso!", trombeteia Ferreira, insistindo em uma matemática que aproxima a questão do aborto no Brasil  e o Holocausto.

Enquanto expõe suas ideias, ele fala com muito rancor dos professores — especialmente os da PUC de Belo Horizonte, onde estudou direito — dizendo que são "uns postes que ficam lá na frente falando, falando, fazem rodas de debates pra nada; um monte de retardados". Cita uma professora chamada Magda Guadalupe, "que deixa algumas partes do corpo cabeludas e não cumprimenta homens". Diz que foi discriminado por Guadalupe por ser cristão e que registrou um boletim de ocorrência contra ela: "Você não pode abaixar a cabeça para professor de esquerda", ensina.

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O universitário mineiro Nicolas Ferreira (de pé, à esq, vestindo camiseta azul) acredita que o feminismo pode levar a uma mortandade de crianças comparável a do nazismo

Aristóteles & Olavo

Àquela altura do 1º Encontro da União Nacional dos Estudantes Conservadores (Unecon), que se realizou no último sábado, o filósofo grego Aristóteles (384 a.C.- 322 a.C.) já tinha sido comparado ao "influencer" Olavo de Carvalho; o seriado norte-americano Friends (1994-2004) fora apresentado como um programa em que "a agenda de esquerda engole o telespectador" ("Todo mundo pega todo mundo, tem homossexualismo (sic), nudez"); e a chacina de Suzano, que fez dez vítimas fatais na semana passada, era encarada como algo evitável, "se os coordenadores e os professores das escolas tivessem porte de arma e soubessem manuseá-las para poder defender os alunos".

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De acordo com o coordenador do encontro, deputado Douglas Garcia (PSL-SP), 25 anos, a Unecon é 0 braço estudantil do Instituto Conservador, que, por sua vez, passou a promover palestras depois da criação do movimento Direita São Paulo, em 2016.  "Hoje, as universidades são tomadas por uma ideologia de esquerda totalitária, ditatorial. A gente quer ocupar nosso espaço e ter um núcleo da Unecon dentro de cada faculdade, para que esses estudantes possam se fortalecer, defender suas bandeiras", diz.

Tumulto frustrado

O encontro dos estudantes se dá em um salão no quarto andar de um prédio baixo, de aspecto comercial, na Rua Vergueiro, zona sul de São Paulo. Na porta do prédio, quatro jovens vestindo calças camufladas e camisetas com uma insígnia (um homem abaixado, atirando) montam guarda, com uma expressão dura no rosto. Eles estão ali "para evitar qualquer tumulto que pessoas contrárias ao movimento possam provocar", explica o bombeiro civil Caio Santana, 20 anos, criador do Cote (Centro Operacional de Treinamentos Especiais). "Damos treinamento de primeiros socorros, defesa pessoal, civismo e cidadania (para pessoas de direita)."

Para desapontamento de Santana e dos organizadores do encontro, ninguém apareceu para perturbar a ordem. Dos cerca de 150 jovens que Douglas Garcia esperava no evento ("tive de suspender as inscrições porque não ia caber tanta gente") compareceram cerca de 50. Decorado com bolas verdes e amarelas, e um banner grande que anuncia o encontro, o salão é guarnecido com chão frio composto por ladrilhos grandes de cerâmica pretas e brancas. À frente, há uma mesa com  um computador e uma tela para projeções de tópicos dos palestrantes. À esquerda, em outra mesa, coberta com uma toalha azul, se senta, digamos, o núcleo duro do encontro.

Seguranças treinados por Santana montam guarda na porta do encontro, para controlar manifestações (que nunca aconteceram) de grupos contrários ao movimento conservador

Led Zeppelin, Yé, Yé

Assim como Garcia, todos os presentes se mostram apoiadores incontestes do presidente Jair Bolsonaro. Pra eles, nada ameaça a lisura de Bolsonaro e seus colaboradores. Não há "caso Queiroz", ou suposto envolvimento de familiares do presidente com a milícia, nem evidência de uso ilícito da verba eleitoral (pelo ministro do Turismo) que balance as convicções dos frequentadores do encontro. A plausibilidade é relativa.  Em uma tentativa de explicar "porque o presidente não dá ouvidos a tudo o que a mídia fala dele", o guitarrista André Silva, 30 anos, diz: "É uma estratégia para o governo permanecer forte. Até por ser um militar, ele é um excelente estrategista. Se não toma uma providência agora, pode esperar que ele vai atacar o problema no futuro", acredita.

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A vocalista Natália Oliveira, 26 anos, mulher de Silva, solta uma frase que admite dupla interpretação: "Ao eleger Bolsonaro, provamos que o brasileiro é capaz de qualquer coisa." Integrantes da banda Sepia, Silva e Natália apresentam versões de "Whole Lotta Love", do grupo Led Zeppelin, e "Whats up", do 4 Non Blondies. A platéia acompanha o casal animada: "Yé, Yé, Yé".  E Natalia: "Quem disse que roqueiro não pode ser conservador?" Todos: "Uhu!!! Êêêêê"

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A dupla Natália Oliveira e André Silva apresentam Led Zeppelin e 4 Non Blondies: "Quem disse que roqueiro não pode ser conservador?"

Gisele, uma paródia

Em dado momento, a ex-universitária Gisele Garcia, 35 anos, coordenadora da Direita Minas, aparece empunhando uma folha de papel em que se lê: "Quem mandou matar Bolsonaro?". Ela diz que se trata de uma "paródia das manifestações da esquerda". "Eles sempre invadem os lugares e levantam uma plaquinha onde está escrito: 'Quem matou Marielle?"'

Com um ar meio tristonho, Gisele diz que teve que trancar a matrícula no curso de nutrição "por causa de perseguição política". "Eu não tive a coragem do Nicolas, de registrar um boletim de ocorrência. Então, me juntei ao grupo de direita para não deixar que meus filhos passem pelo que eu passei." Soa forçado.

Gisele Garcia, coordenadora do Direita Minas, conta que pretendeu criar "uma paródia com as manifestações de esquerda"

Monarquista bélica

Enquanto isso, do outro lado do salão, a terceiranista do ensino médio Sarah Kelly, 16 anos, conta que começou a "pesquisar o conservadorismo" quando ouviu o termo em um grupo no aplicativo whatsapp. "Eu logo me identifiquei", lembra. Sarah Kelly diz que é contra o feminismo porque acha que "a verdadeira maneira de mostrar empoderamento é estudando e se qualificando".

Ela conta que tinha cinco irmãos, "até que a Rota (Rondas Ostensivas Tobias Aguiar, da polícia militar) matou um". "Ele estava com um rapaz que ia cometer um assalto", diz a jovem, que quer estudar direito e pretende apresentar um trabalho de conclusão de curso sobre "armamento bélico".

Para a estudante, a polarização de ideologias no Brasil só serve para atrapalhar o desenvolvimento. Ela sugere, para que isso não ocorra, que se adote o regime da monarquia, considerado por ela "o poder dos moderados". Sarah Kelly posa à frente de uma bandeira do regime, que ela trouxe de casa. A jovem acredita que, se estivéssemos em uma monarquia, o episódio do "golden shower" (que ela lamenta) não teria ocorrido: "O imperador tem uma limitação moral", afirma.

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Sarah Kelly e a bandeira da monarquia: "É o poder dos moderados"

Mais palestra

Além de Nicolas Ferreira, o encontro contou com uma palestra do professor Gabriel Salgado, 32 anos, que trabalhava "por contrato" em uma escola estadual de São Vicente (Baixada Santista) e no momento está desempregado. Ele incita os jovens a procurar uma identificação ideológica por conta própria, como ele mesmo fez: "Ninguém me convenceu a ser conservador de direita. Eu me identifiquei com essa ideologia conhecendo história".

Ele se queixa de falta de diálogo com os "professores de esquerda". "Uma tristeza eu tenho na vida: todo esquerdista com quem eu converso não quer falar de história. Ele só quer agredir. Dizer: 'Você não merece viver, é fascista, nazista, motorista, taxista." Na sequência, ele dá um conselho aos jovens: "Se o professor é chato e estiver falando groselha, desliga. Vai procurar conhecimento por conta própria."

Professor Salgado associa o filósofo grego Aristóteles ao influencer Olavo de Carvalho

Fascismo na Itália

Um dos momentos mais animados do encontro foi a gincana de conhecimentos gerais. A organização dividiu os jovens em dois grupos e propôs um teste, com perguntas como: "Qual estadista conservadora britânica era conhecida como 'dama de ferro'?"; "Quem criou o fascismo na Italia?"; e "Quem escreveu a obra 'Casa Grande e Senzala'?"

Os participantes que soubessem a resposta deveriam correr para tocar a mão de um dos voluntários do encontro, postado a cerca de cinco metros dos dois grupos, com os braços abertos. Ao fim da disputa, os integrantes do grupo vencedor foram numerados, e um participante do grupo perdedor, que ficou de costas, escolheu um número. O escolhido levou o prêmio —  muito mais por sorte do que por mérito.

Gincana de conhecimentos gerais e livro de Brilhante Ustra como prêmio

Ustra quem?

O prêmio era o livro "A Verdade Sufocada", do coronel da reserva Carlos Alberto Brilhante Ustra (1932-2015), que entre 1970 e 1974 foi chefe do DOI-CODI, um dos principais centros de repressão do Exército durante a Ditadura Militar — de acordo com levantamento do projeto "Brasil: Nunca Mais" e da "Comissão Nacional da Verdade", 502 pessoas foram torturadas e pelo menos 45 morreram durante o período em que o coronel chefiava a organização.

"A Verdade Sufocada" foi parar nas mãos do pedreiro maranhense Jamerson Carlos Lopes, 20 anos, que não fazia ideia de quem é Carlos Alberto Brilhante Ustra. Jamerson Carlos chegou ao evento pelas mãos do primo, o técnico em edificações Jonas Serejo, 26 anos, que controla a entrevista do primo fazendo gestos por trás do repórter.  Serejo diz que se identificou com o Direita São Paulo em uma manifestação de rua.

Bate x Apanha

Para Douglas Garcia, o livro dá "a oportunidade de conhecer uma outra versão da história da Ditadura Militar". "A versão que se conhece até agora, a que é ensinada nas escolas, foi contada pela esquerda." Timidamente, falando muito baixo, Jamerson Carlos Lopes afirma para a reportagem que não conhece sequer a versão da esquerda — apesar de ter estudado em uma escola até o 2º ano do ensino médio.

Garcia diz que a escolha do livro de Ustra "não foi para criar polêmica". É sempre bom esclarecer.

 

Sobre o autor

Nascido no Rio de Janeiro em 1963, Paulo Sampaio mudou-se para São Paulo aos 23 anos, trabalhou nos jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo, nas revistas Elle, Veja, J.P e Poder. Durante os 15 anos em que trabalhou na Folha, tornou-se especialista em cobertura social, com a publicação de matérias de comportamento e entrevistas com artistas, políticos, celebridades, atletas e madames.