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Eleitor gay de Bolsonaro considera a parada do orgulho LGBT um "nojo"

Paulo Sampaio

28/05/2018 05h00

Nenhum dos homossexuais entrevistados neste post participarão no próximo domingo da 22a. Parada do Orgulho LGBTI+ (cuja sigla quer dizer lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, intersexuais e mais).  Eleitores do candidato à Presidência da República Jair Bolsonaro (PSL), famoso por declarações polêmicas a respeito da comunidade gay, eles consideram o evento "uma baixaria": "Já vi a parada de perto, mas não participei, nem pretendo participar", diz o estudante de direito Lucas Lopes, 20 anos.  "Acho completamente ridículo. O que você vê é simples e claramente promiscuidade, pessoas nuas, quase praticando o ato sexual na rua, isso quando não praticam. Minha opinião se resume a nojo!" Lucas não está namorando no momento.

O tema da parada LGBTI+ deste ano será "Eleições"; e o slogan: "Poder para LGBTI+, nosso voto, nossa voz".

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O estudante de direito Lucas Santos, para o qual a parada do orgulho gay é "um nojo" (Foto: Arquivo Pessoal)

Para o engenheiro paulistano Júnior Smith Hays, 30, também solteiro, "você não conquista os seus direitos ficando pelado em público". "A intenção é chamar a atenção, mas de uma forma maléfica. Minha avó assiste à parada todo ano e desce o cacete."

Camisinhas pelo chão

A designer de roupas transexual Monique Fornazier Borges, 38 anos, e o auxiliar administrativo Carlos Athila Ribeiro, 30, ambos mineiros, pensam parecido. "Os gays nem sabem o verdadeiro significado disso tudo. Saem pelas ruas fazendo trejeitos, expondo seus corpos escandalosamente, de maneira vulgar, fútil, e daí eu pergunto a eles: 'Como exigir respeito dos outros se vocês não têm por si mesmos?"', diz Monique.

E Athila: "Nunca enxerguei como protesto o desfile de drags, transexuais, gogo boys pelados ou seminus, bebendo, e todas aquelas drogas….até camisinhas pelo chão".

O vice-presidente da Associação da Parada LGBTI+, Renato Viterbo, 50 anos, acredita que "a sujeira está na cabeça deles". "Promiscuidade é vender o voto e apoiar um candidato que não defende a sua causa. Por conta desses discursos hipócritas, falso-moralistas, de pessoas que se escondem atrás da religião e vivem na mentira, o conservadorismo está tomando conta do Congresso Nacional e nossas pautas não são atendidas. Quando eu digo nossas pautas, estou falando das deles também."

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Junior Hays diz que sua avó assiste todos os anos à parada e "desce o cacete"  (Foto: Paulo Sampaio/UOL)

Macheza inconteste

Apesar de já ter sido deputado sete vezes, Jair Bolsonaro só se tornou uma figura nacionalmente conhecida quando, no auge da crise política, usou a tática do choque para atrair a atenção do eleitorado. Capitão da reserva, ele se declarou a favor da ditadura militar e da tortura como prática legítima para impor ordem. Era tudo o que uma parcela conservadora (e desnorteada) da população precisava ouvir no momento em que políticos de todos os partidos se viam envolvidos em intrincadas organizações criminosas.

Na ocasião, o capitão abusou da jactância para se posicionar também contra os direitos da comunidade LGBT. Seguro de sua macheza inconteste, o vulcão de testosterona cospia impropriedades para todos os lados. Entre as mais célebres, estão:

"Não vou combater, nem discriminar, mas se eu vir dois homens se beijando na rua, vou bater."

"O filho começa a ficar assim, meu gayzinho, leva um couro e muda o comportamento dele."

"Sou preconceituoso, com muito orgulho." 

"90% dos filhos adotados (de homossexuais) serão homossexuais ou garotos de programa." 

"Só porque uma pessoa faz sexo com o órgão excretor, ela não merece lei de proteção (contra ações homofóbicas)."

"Seria incapaz de amar um filho homossexual; não vou dar uma de hipócrita aqui: prefiro que meu filho morra em um acidente de automóvel do que apareça com um bigodudo por aí. Pra mim, ele vai ter morrido mesmo."

Tais afirmações renderam ao então deputado 30 pedidos de cassação e quatro condenações. Ou seja, a oposição parece ter caído na armadilha. "Se ele está tão em evidência, é por causa da mídia", acredita Junior Smith Hays.

Ser humano evoluído

Para muitos militantes homossexuais, parece um contrassenso votar para presidente da República em um candidato que fez questão de deixar claro seu desprezo pela comunidade gay. Mas por mais definitivas que as declarações de Bolsonaro possam parecer, os personagens deste post acreditam que "isso tudo faz parte do passado" e que "o Bolsonaro já se retratou". "Como qualquer outro ser humano, ele evoluiu", garante Hays.

A respeito da afirmação de Bolsonaro de que bateria no casal de gays que ele visse se beijando na rua, Monique afirma que "foi feita há tanto tempo, o próprio Jair se desculpou". "O que ele falou naquela época não tem o mesmo valor hoje."

Mas Monique, pelo visto, ainda concorda com o que Bolsonaro afirmou. "Não é respeitoso nem um casal hétero se beijando na frente de outras pessoas, que dirá um de homossexuais. Tem muitos gays que proporcionam tais cenas para bater de frente com a sociedade."

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A designer de roupas transexual Monique de Borges não se conforma em ver gays (na parada) "fazendo trejeitos, expondo seus corpos de maneira escandalosa, fútil, vulgar" (Foto: Arquivo Pessoal)

Culpa da espontaneidade

Lucas Lopes acha que "o Bolsonaro errou em muitas frases e isso é óbvio, como qualquer ser humano". Lopes está convencido de que "assim como eu, ele não apoia o ativismo LGBT porque são pessoas que não respeitam ninguém e exigem respeito". "Quanto aos gays em geral ele já disse milhões de vezes não ter nada contra e para mim é bem claro isso mesmo."

Nem Lopes, nem Hays, nem Monique ou Athila cogitam a possibilidade de Bolsonaro ter se "retratado" e dito até que gosta dos gays para atrair a expressiva parcela do eleitorado que os homossexuais representam. "Não existe a menor possibilidade!", dizem todos. "Ele é muito espontâneo. Só diz o que realmente está pensando."

Procurado pelo blog, Jair Bolsonaro não se manifestou. Seu assessor informou que ele estava sem tempo.

Orgulho da diferença

Os quatro entrevistados se consideram homossexuais diferenciados. De certa forma, até obsequiosos: "Acredito que hoje existam muitos  gays e transexuais que, como eu, tiveram oportunidade de mostrar para o Bolsonaro que nem todos nós somos iguais (leia-se promíscuos, desrespeitosos, vulgares, fúteis), e isso fez com que ele tivesse uma outra ideia a respeito da comunidade", diz Lopes.

Para defender sua escolha, os quatro usam o argumento de que "opção sexual não tem nada a ver com ideologia política". Carlos Athila diz que "o Brasil está muito acima de homo e heterossexualidade". "Temos que olhar para o país como um todo, economia, segurança, educação, saúde, combate à corrupção, redução de impostos, redução do Estado, etc."

Consciência política

Athila afirma que deixou de ir à parada gay faz cinco anos, "depois de tomar consciência política". Agora que está mais "consciente", ele chegou à conclusão de que: "Nunca existiu ditadura militar no Brasil; existiu um regime ou período militar muito elogiado pelas pessoas de bem que viveram na época, o regime que nos livrou do comunismo. Foi ruim para bandido e comunista. Minha primeira opção é Bolsonaro Presidente, segunda opção Intervenção Constitucional Militar. Bolsonaro nunca defendeu tortura, Ele defendeu meios energéticos (sic) à altura do crime/ação que o bandido cometeu a sociedade/pessoas ou ao Estado."

Carlos Athila e Bolsonaro: "Nunca existiu ditadura militar no Brasil." (Foto: Arquivo Pessoal)

Preguiça da perseguição

Antes que alguém diga que o post retrata opiniões isoladas de quatro pessoas, talvez seja oportuno dizer que Athila chegou a ter, só ele, 16 mil seguidores no facebook. Diz que deletou a página porque ficou com "preguiça" da perseguição que "o próprio Facebook exerce às páginas de Direita". "Isso estava atrapalhando o acesso das pessoas ao meu perfil."

Lopes, por sua vez, fundou uma página chamada "Gay de Direita, Gay Direito", onde conta com 13 mil seguidores.

1500 visitantes bloqueados

Com 53 mil seguidores , Hays pode se dar ao luxo de deletar 1500 que o atacaram quando ele resolveu postar um comentário sobre a atriz Meghan Markle: "A mulher é feminista até que aparece um príncipe Harry no caminho. Aí, põe vestido de noiva, casa na igreja e tem cinco filhos."

Hays diz que colheu retornos raivosos pela "brincadeira" (como ele definiu). "As pessoas diziam que eu tinha de morrer, que eu era um bosta, que eu deveria enfiar os mais diversos objetos no rabo."

Ele se queixa de que "só a esquerda pode dizer o que quer": "O Lula já falou que Pelotas (cidade a 260km de Porto Alegre) é um polo exportador de viado. Eu tenho gravado."

Por "esquerda", ele entende a grande maioria dos militantes que combatem o preconceito de raça, cor e orientação sexual. "Tinha uma amiga feminista que eu conhecia desde a primeira série, que me bloqueou." Ele conta que boa parte dos candidatos a seus namorados o bloqueiam quando descobrem suas inclinações políticas.

Bateu, levou

Caso aconteça de Bolsonaro se eleger Presidente da República e, já no cargo, em um de seus intrépidos acessos de espontaneidade, tiver uma recaída homofóbica, Hays sugere o contra-ataque: "Eu acredito na defesa pessoal. Se o Bolsonaro diz: 'Bichinha tem de apanhar', você vai lá e bate nele. Se fizer algum comentário preconceituoso sobre as práticas sexuais dos gays, não é pra ficar choramingando, como eu vi um outro dia. Pergunta se a mulher enfia cinta-caralho nele."

A propósito, em suas críticas à "esquerda", Hays diz: "Odeio discursos de ódio."

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Sobre o autor

Nascido no Rio de Janeiro em 1963, Paulo Sampaio mudou-se para São Paulo aos 23 anos, trabalhou nos jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo, nas revistas Elle, Veja, J.P e Poder. Durante os 15 anos em que trabalhou na Folha, tornou-se especialista em cobertura social, com a publicação de matérias de comportamento e entrevistas com artistas, políticos, celebridades, atletas e madames.