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Elas votaram em Bolsonaro, aprenderam a atirar e apoiam o decreto das armas

Paulo Sampaio

16/01/2019 05h00

Mais uma vez, a publicitária Fernanda Scandelari saúda o presidente Jair Bolsonaro por um "importante avanço". Fernanda, que apoia Bolsonaro desde 2014 e fez "campanha gratuita", considera o decreto que facilita a posse de arma, assinado ontem por ele, um "excelente começo para quem quer ter seu direito à autodefesa". "A flexibilização é pequena, mas já dá sinais de que podemos esperar medidas efetivas para o porte", acha a publicitária de 32 anos.

A posse dá o direito de manter a arma em casa. O porte, que não foi tratado no decreto, de levá-la para a rua — as regras são outras, mais rigorosas.

Fernanda conta que, pessoalmente, nunca passou por nenhum episódio de violência. Apenas "quase assaltos". Mas seus pais, com quem mora, sim. "Os dois foram feitos reféns, os bandidos levaram bens deles, e com o tempo nossa casa acabou se tornando uma muralha." Ela conta que fez cursos "básico", "avançado" e "israelense" de tiro. Era a única mulher na turma. "Só sou contra o uso de arma para caça. Para o resto, totalmente a favor."

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A publicitária Fernanda Scandelari fez curso de tiro "básico", "avançado"e "israelense"; ela acredita que o decreto de flexibilização da posse de armas, assinado ontem pelo presidente Bolsonaro, "foi um importante avanço" (Foto: Arquivo Pessoal)

Por esporte

Apesar de atirar por "esporte", a microempresária Pamela Andressa Pereira, 27 anos, acredita que a arma vale também como recurso para autodefesa. Ela entrou na escola de tiro há dois anos, por influência do avô: "Eu tenho isso um pouco de família. Ele é falecido, mas passou pra mim".

Pamela se declara favorável ao decreto assinado pelo presidente. "A posse dá o direito à legítima defesa. Não é certo tirar isso das pessoas que trabalham, que são do bem, que não praticam assalto nem têm antecedentes criminais", diz ela, que votou em Bolsonaro e acha que "ele está fazendo um bom trabalho, principalmente na economia".

Tiro prático

No tiro esportivo, a pessoa que aciona a arma está em movimento. A ideia é competir. No defensivo, o treinamento é indicado para reações rápidas a situações de ataque — e, por isso, a pessoa em geral treina parada, ou abrigada. Quem explica é o presidente da Federação de Tiro Prático de São Paulo, José Carlos Belino, 57 anos, que agrega atiradores de prática esportiva.

Embora o adjetivo "esportivo" dê ao tiro prático uma conotação menos violenta, Belino explica que a pessoa está igualmente apta a ter reações rápidas, em caso de ataque. "Os treinamentos são intensos. Os praticantes buscam obter alta performance, em velocidade e precisão. Em 1,5 segundo, a pessoa bem treinada já dá dois tiros."

Elemento surpresa

Porém, diz Belino, por mais preparado que alguém esteja tecnicamente, nunca se sabe a reação que vai ter, por exemplo, em caso de assalto na rua. "Tem o elemento surpresa, ninguém está preparado para um episódio de violência." Ainda assim, ou por isso mesmo, ele é a favor do decreto da facilitação da posse. "Todo mundo tem de ter direito à autodefesa."

Belino não acredita que o decreto pode, como afirmam seus críticos e as estatísticas, aumentar os índices de criminalidade — já que vai possibilitar um  número maior de armas por residência –, além de representar uma maneira populista de isentar o poder público de garantir segurança à população. Para ele, "é preciso desmistificar o uso de arma no Brasil". "Um carro, se mal utilizado, pode causar a morte de dezenas de pessoas", compara.

Lá no Texas

Para defender sua tese, ele fala da experiência que teve no Texas, onde morou durante dois anos. "Todo mundo lá anda armado, as pessoas estão acostumadas, é normal para eles. Por isso, o índice de criminalidade com arma de fogo é muito baixo. Em todo aquele tempo em que eu estive lá, só houve um caso de conflito com arma, por causa de uma briga entre marido e mulher, que a Swat resolveu com negociação, sem disparos."

O noticiário mostra outra realidade. No ano passado, o estudante Dimitrios Pagourtzis, 17 anos, abriu fogo em uma escola em Santa Fé, na região de Houston,  matando dez pessoas e deixando outras dez feridas. Usou um revólver 38 e uma espingarda que seu pai mantinha em casa, legalmente. Cerca de seis meses antes, um homem havia matado 26 pessoas em uma igreja em Sutherland Springs, perto de San Antonio.

Porsche e AR-15

Uma das maiores apoiadoras de Bolsonaro, a deputada federal eleita Joice Hasselmann (PSL-SP) aproveitou a assinatura do decreto para repostar em seu canal no Youtube um vídeo feito há um ano nos Estados Unidos, no qual ela aparece treinando em uma academia de tiro.

O vídeo, que mostra Joice chegando ao lugar em um Porsche branco, glamouriza a figura da atiradora. Com ênfase no batom aplicado na boca, nos cabelos esvoaçantes e nos olhos verdes dela, a postagem recebeu  31 mil visualizações. "Sou boa nisso", disse ela ao blog, "atiro até de AR-15 (rifle semiautomático de uso militar)."

Arma na cabeça

Joice conta que no interior do Paraná, onde foi criada, ter arma "era algo comum". Apesar disso, ela diz que nunca precisou usar uma para se defender. "Já fui escoltada por militares, pela polícia e até por segurança privada, a depender da situação. Sempre tinha alguém armado, porque fui ameaçada de morte."

Ela afirma que ainda não tirou porte de arma, no Brasil. Mas pretende fazê-lo logo. "Já apontaram um revólver para a minha cabeça. Se eu estivesse armada, talvez não tivesse passado por isso", acredita.

Homem x Mulher

Proprietário da academia de tiros Centaurus, em São Paulo, o ex-policial militar Nélson Oliveira Jr., 65 anos, afirma que as mulheres costumam se tornar melhores atiradoras do que os homens. A explicação: "Quando a mulher vai fazer um bolo, e lê: 'uma colherzinha de sal', o que ela faz? Pega um punhado com os dedos, medido no olho, e joga na massa. Na hora do tiro, como não tem prática, faz tudo com atenção e calma. Já o homem chega achando que é o Schwarzenegger ou o Steven Seagal."

(Resta saber como seria um bolo feito pelo Schwarzenegger).

Apenas aprender

Oliveira afirma que 30% dos frequentadores de sua academia são mulheres — e que esse número cresceu 40% nos últimos meses. O curso tem duração de uma semana, custa R$ 590 e oferece prática com revólver, pistola, carabina e espingarda calibre 12.  "50% querem apenas aprender a atirar, e não compram armas. O resto se dedica ao esporte", afirma.

De acordo com Oliveira, um revólver 38 custa entre R$ 3 e R$ 5 mil, enquanto a pistola 380, entre R$ 5 e R$ 7 mil. A AR-15, que a deputada Joice Hasselmann manuseia bem, não é autorizada para uso doméstico no Brasil — só militar.  O interessado em tirar a posse de arma pode esperar de 30 a 60 dias, e pagar por volta de R$ 2.500.

 

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Sobre o autor

Nascido no Rio de Janeiro em 1963, Paulo Sampaio mudou-se para São Paulo aos 23 anos, trabalhou nos jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo, nas revistas Elle, Veja, J.P e Poder. Durante os 15 anos em que trabalhou na Folha, tornou-se especialista em cobertura social, com a publicação de matérias de comportamento e entrevistas com artistas, políticos, celebridades, atletas e madames.