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Mulher trans se sente "inteira" com vagina reconstruída com pele de tilápia

Paulo Sampaio

09/05/2019 14h12

"Agora eu me sinto uma mulher inteira", diz a artesã e florista Majô (nome fictício), 44 anos, primeira mulher trans do Brasil a passar pela cirurgia de reconstrução vaginal com pele de tilápia — peixe de água doce criado no Brasil desde os anos 1950. "A cirurgia me devolveu a dignidade", afirma ela, que passou pelo procedimento no dia 23 de abril, na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), em São Paulo.

Majô já havia realizado a cirurgia de redesignação sexual pelo método tradicional, com a pele do próprio pênis, em 1999. "Fiz assim que soube que a 'mudança de sexo' tinha sido liberada no Brasil", diz a florista. Segundo ela, a primeira cirurgia não teve êxito. "Eu passei a sofrer de estenose vaginal (atrofia do tecido), e então ficou apenas o aspecto — a parte, digamos, estética –, mas sem a função."

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A florista Majô, primeira mulher trans do Brasil a passar pela cirurgia de reconstrução vaginal com pele de tilápia: "Eu me sinto realizada" (Foto: Arquivo Pessoal)

Alma, corpo e coração

Divorciada depois de um casamento de 12 anos, a artesã conta que a estenose vaginal dificultou o relacionamento com novos parceiros.  "Há sete anos não tenho ninguém. Acho que primeiro preciso cuidar da alma e do corpo, para depois olhar para o coração", diz ela, que mora na casa em que nasceu, em São José do Rio Preto, cidade a cerca de 450 km de São Paulo. Vive com a mãe, os quatro sobrinhos e os cachorros. "Tenho paixão por crianças e bichos."

Criadora de arranjos florais, Majô trabalha em uma loja de decoração há 12 anos e diz que se considera realizada porque faz o que gosta: "Trabalho também com restauração de móveis e objetos, pintura, escultura, tudo que se relaciona com  artes plásticas. Todo mundo me adora na loja, os clientes, a patroa, os funcionários, sou muito feliz aqui." Em casa, ela coleciona bonecas e brinquedos antigos.

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Satisfeita com o resultado

Majô diz que está muito satisfeita com o resultado da cirurgia. "Quase não senti dor na recuperação, e já vejo uma diferença anatômica grande. A cavidade vaginal praticamente não existia. Agora, com o molde (dispositivo intravaginal de silicone, do tamanho de um preservativo), que eu preciso usar durante 60 dias, já posso ter uma ideia de como ficou. A profundidade está boa, é muito diferente da primeira vez."

Inédita no mundo, a nova técnica com pele de tilápia foi desenvolvida pelo ginecologista Leonardo Bezerra, da Universidade Federal do Ceará. Desde 2017, é utilizada com sucesso em mulheres cis portadoras da síndrome Rokitansky, muito rara, que provoca a má formação da vagina. No caso dessas pacientes, os médicos normalmente usam o tecido do intestino para a reconstrução. 

Procedimento só acadêmico

Bezerra afirma que, até o momento, o caso de Majô está evoluindo de acordo com as expectativas. "Não houve nenhuma complicação do ponto de vista infeccioso ou de sangramento, e as dores foram suportáveis, contornadas com analgésicos."  Ele diz que a paciente se alimenta bem, caminha e, passados 20 dias da cirurgia, já mantém atividades profissionais. "Agora, a gente espera que ela mantenha o canal vaginal adequado para a atividade sexual em 60 dias, que é o objetivo primário do procedimento."

O médico esclarece que, por enquanto,  "a técnica é utilizada especificamente sob protocolo de pesquisa clínica". "Ainda não há condição de ser difundida ou comercializada, uma vez que se trata de um procedimento inédito;  precisamos acompanhar essa primeira paciente para ver como o caso vai evoluir." Bezerra diz que está "otimista" com a possibilidade de, futuramente, usar a prótese biológica produzida através da pele de tilápia não só na reconstrução vaginal mas em outros procedimentos ginecológicos.

Otimista, o médico Leonardo Bezerra acredita que a pele de tilápia poderá ser usada não só na reconstrução vaginal, mas também em outros procedimentos ginecológicos

Luz no fim do túnel

Dizendo-se surpresa com a repercussão da cirurgia na mídia, Majô preferiu não se identificar, para preservar sua intimidade — mas afirma que fica "satisfeita em ajudar outras mulheres que apresentam o mesmo problema". "Tenho certeza que, para várias pessoas, esse procedimento é uma luz no fim do túnel."

 

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Sobre o autor

Nascido no Rio de Janeiro em 1963, Paulo Sampaio mudou-se para São Paulo aos 23 anos, trabalhou nos jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo, nas revistas Elle, Veja, J.P e Poder. Durante os 15 anos em que trabalhou na Folha, tornou-se especialista em cobertura social, com a publicação de matérias de comportamento e entrevistas com artistas, políticos, celebridades, atletas e madames.