Em ato, militante pró-Bolsonaro ataca "bunda gorda" de Rodrigo Maia
Como os manifestantes já haviam adiantado, o ato "espontâneo" de apoio ao governo Bolsonaro, que levou ontem milhares de pessoas à Avenida Paulista, prezou pela autenticidade. Muito alegres em sua defesa da democracia, os participantes expunham suas ideias livremente: "O Rodrigo Maia só mexeu aquela bunda gorda da cadeira quando ouviu rumores de que nós viríamos para a rua!", gritou ao microfone, no alto de um dos oito trios elétricos do manifesto, a professora-militante Paula Marisa. Ela citou o presidente da Câmara dos Deputados ao referir-se à aprovação da medida provisória 870, de restruturação do governo.
Êêêêêêê, gritaram todos.
Depois de apresentar suas credenciais ("Sabe o que eu sou, gente? Professora de filosofia"), a líder do diretório paulista do Movimento Brasil Conservador, Bruna Torlay, 37 anos, seguidora do influencer Olavo de Carvalho, guru da família Bolsonaro, se queixou do "baixo nível" do pensamento de esquerda: "A Márcia Tiburi não dura 5 minutos na minha frente! Nem se tirar a roupa e fizer cocô!"
"Êêêêêêê!"
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Em outro trio, a cerca de 200 metros dali, o youtuber Nando Moura, 35, manteve o nível: "Quem diria que um bosta como eu teria o maior canal conservador do mundo?" Moura gritou duas ou três palavras a respeito do governo Bolsonaro e, ao entregar o microfone a outro militante, disse: "Antes que eu me esqueça: Globo, vá se foder!'
"Êêêêêêê!"
Enquanto o UOL era barrado em um carro onde o senador major Olímpio falava como um locutor de futebol ("Paulista cheia! Chuuuupa imprensa!"), a militante de Guarulhos Lucinha Romero, 57, do grupo Ativistas Independentes, mostrava espontaneamente o dedo pai de todos na direção dele: "Traíra desgraçado! Ele e a corja da Polícia Militar votaram com o PT para a presidência da Alesp!"
Eufemismo militante
A pauta parecia um tanto difusa: se antes se falava em "fechamento do Congresso", agora o protesto era apenas contra o "centrão" (bloco de cerca oito partidos, ou 200 parlamentares, que praticariam a "velha política do toma-lá–dá-cá"); o emparedamento do STF (Supremo Tribunal Federal) virou a faxina da "lavatoga"; e a reforma da previdência (considerada pelos manifestantes uma pauta exclusiva do governo Bolsonaro) tinha de ser "a do Paulo Guedes!": "Quem decide as pautas não é o povo, são os ativistas", estabelece a militante Isabella Trevisani, 23, no trio do grupo Despertar Patriótico.
Ao que parece, o povo está ali para repetir.
Se o presidente Bolsonaro cogitou ir ao evento? "Jamais! Isso foi invenção da mídia! Ele sabe que não faria sentido", diz o publicitário Adaílton Moreira, 45. Qualquer pergunta acerca do que faz ou não sentido para o presidente Bolsonaro tem como resposta: "Você é petista, né?"
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Os bunda nervosa
Vítimas de uma espécie de doença autoimune, militantes eram atacados pelos próprios correligionários. O MBL (Movimento Brasil Livre), que tem como cocriador o deputado federal Kim Kataguiri (DEM-SP), foi chamado de MBN (Movimento dos Bunda Nervosa). Tudo porque, assim como a deputada estadual Janaína Pascoal, notória apoiadora do governo, o MBL se recusou a participar do ato: "Isso [fechamento do Congresso e do STF] é coisa de revolucionário. Quem é liberal e conservador defende a separação dos Poderes, e não o fechamento dos Poderes", disse Kataguiri.
No chão, o gerente de vendas Lairi Fanfa, 43, acompanhado de três integrantes da família de sua mulher, os Ferreira, aplaudia o governo Bolsonaro por "tirar dinheiro das universidades públicas": "A gente paga pra esses pau no cu (universitários) passar o dia inteiro fumando maconha e tomar cerveja! Eu trabalhava de dia para pagar minha faculdade! Eles que façam o mesmo!"
Impeachment da mãe
Na esquina da Alameda Rio Claro, o adestrador de cães homossexual Leandro Passani, 32, afirmava que não vê problema em apoiar um governo declaradamente homofóbico. Usando uma lógica muito própria (ou autêntica) do manifesto, ele comparou: "Se fosse levar em conta o que o Bolsonaro diz, eu teria de pedir o impeachment da minha mãe, das minhas tias e do meu avô".
Casado há seis anos com o vendedor Gustavo Paulo Passani, 27, ele faz um paralelo entre uma declaração do presidente Bolsonaro ("Prefiro que meu filho morra em um acidente de automóvel do que apareça com um bigodudo por aí; pra mim, ele vai ter morrido mesmo") com uma de sua própria mãe. Ela teria dito: "Prefiro ter um filho traficante do que um homossexual".
O adestrador tranquiliza quem estiver vivendo o mesmo conflito com os pais: "Passado o choque, eles aceitam".
Sei lá!
Leandro está com o marido e dois amigos. Um deles, o professor de português e inglês Rommel Phebo Werneck, 30, de uma escola municipal de Santo André, lembra que "em 1965, 10 mil homossexuais se reuniram em Nova York para protestar contra gays cubanos enviados para campos de concentração". Ao mesmo tempo, afirma: "Não sei se o que a gente teve aqui nos anos 1970 foi mesmo uma ditadura. Também não sei se no regime militar era tão complicado ser gay".
Hoje, diz ele, há gays de esquerda refugiados no mundo todo. Phebo pergunta: "O Jean Wyllys tá refugiado: por quê? Porque roubou!" Em relação a Prefeitura de São André, do PSDB, o professor diz que "funcionário gay tem que se casar com uma mulher, se quiser se manter no emprego." Phebo diz que não precisou apelar para um casamento hétero porque é concursado.
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Como no quartel
Em um trio elétrico estacionado na esquina da Rua Ministro Rocha Azevedo, o militante major Costa e Silva, 42, conclama os manifestantes a "fazer como no quartel". E grita: "Brasil!" Todos repetem alto. Costa e Silva acredita que "o povo acordou!" : "A consciência do brasileiro está muito maior. Isso exige compromisso dos governantes!" O despertar a que o major se refere adquire um amargor de ressaca, quando ele diz, com um orgulho preocupante, que seu avô era primo do general (Artur) da Costa e Silva, segundo presidente do período militar.
Ali embaixo, uma figura fardada, calça azul, camisa branca e gravata, faz continência enquanto executam o Hino Nacional. Marco Glauco Ribeiro da Silva, 45 anos, autointitulado comandante e judeu, usa um quipá e um quepe. Diz ter descoberto sua ascendência judaica há cerca de dois anos. "Meus antepassados foram perseguidos, mudaram de nome."
Muito à vontade em suas assertivas, Ribeiro da Silva seria um dos favoritos ao prêmio "luxo e autenticidade" do evento: "É errado queimar a bandeira de Israel", afirmou ele, de graça. "Eles são muito liberais. Os rabinos fazem casamentos até de lésbicas!" O próprio comandante judeu diz que desfruta de um ótimo relacionamento com homossexuais: "Tenho amigos gays, lésbicas e trans, saio numa boa com eles para tomar cerveja."
Diante da insistência dele em voltar ao tema "homossexualidade", a reportagem pergunta se Ribeiro da Silva é gay. Resposta: "Fui casado, tenho um filho, minha mulher me traiu com um traficante. Ela usava salto alto e meia fina, grudadinha." E de repente: "Eu ficaria com uma mulher trans de salto alto e meia fina, grudadinha…Por que não?"
O comandante reconhece que Bolsonaro fez comentários homofóbicos, mas diz que "foi na hora da raiva". "Todo mundo erra, até eu posso errar."
Marielle morreu, já foi!
Por volta das 18h, os manifestantes iniciam a dispersão. Nesse momento, acontece um tumulto no trecho entre as ruas Ministro Rocha Azevedo e Peixoto Gomide. Indignada com os gritos de "Chega de corrupção!", a ativista de esquerda Dinah Guimarães, que trabalha nas imediações do Parque Trianon e estava de passagem, indaga aos manifestantes: "E o Queiroz, vocês sabem onde ele está?", e sofre um linchamento verbal. "Cala a boca, vagabunda! E você, o que está fazendo aqui? Vai visitar o Lula!" "Sai fora petralha!" "Vaca!" "Vai pentear esse cabelo!"
Dinah não arreda pé. Permanece perguntando sobre Queiroz, e então a multidão ao redor se aproxima fazendo gestos, emitindo gritos raivosos e tentando intimidá-la com filmadoras a poucos centímetros de seu rosto. Ao perceber que Dinah usa uma camiseta com a imagem da placa da Rua Marielle Franco, um trio composto por duas mulheres e um homem passa a gritar: "(Marielle) Morreu, já foi, acabou!"
Para a ativista anarco-capitalista Marcela Lins, 20 anos, que está acompanhada da mãe e da tia, os ataques à Dinah não extrapolaram o PNA (Princípio da Não-Agressão), uma vez que ninguém tocou na comerciante. "Ela pode falar o que quer, eles também", argumenta Marcela.
De preferência, aos berros. Pelo direito à selvageria democrática.
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