SP terá bar para homens que transam com homens, mas não são gays, os "g0ys"
Paulo Sampaio
13/11/2018 04h00
Os entusiastas do movimento G0Y estão prestes a ganhar um bar em São Paulo. Alegadamente heterossexuais, os integrantes da comunidade são homens que fazem sexo entre si, mas com parcimônia. Como acontece nos casos em que a garota não quer perder a virgindade antes do casamento, admite-se entre eles a masturbação e até o sexo oral, mas está terminantemente proibido penetrar o parceiro. Eles não são gays, são g0ys (o zero no meio da palavra indica "zero anal").
Com inauguração prevista para o dia 24, o bar fica no segundo andar de um sobrado no Largo do Arouche, centro de São Paulo, tem 350 metros quadrados e várias salas para os g0ys interagirem. "A princípio, vamos funcionar apenas às quartas-feiras. Para a festa de inauguração, estamos vendendo ingressos antecipadamente, porque o bar tem limite de lotação. Cabem apenas 300 pessoas", diz o dono, que se apresenta como Karlos, tem 38 anos e é solteiro. Ao adaptar o espaço para a prática g0y, Karlos instalou "labirintos" (corredores cheios de quinas que conferem um aspecto lúdico à "pegação"); "glory holes" (pequenos orifícios nas divisórias de madeira, entre os ambientes, onde se pode introduzir o pênis para que o parceiro faça sexo oral do outro lado); e "butt holes"(o mesmo, só que com a bunda).
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Karlos posa ao lado da bandeira G0Y, à entrada do bar; a inauguração está marcada para o dia 24 (Foto: Paulo Sampaio/UOL)
Mulher vai junto
Até aqui, os encontros dos g0ys eram realizados em sítios próximos a São Paulo ou festas particulares em casas na cidade. A maioria dos homens é casada (ou tem namorada) e leva a mulher junto, como "prova" da heterossexualidade. "No começo, muitos homens se sentiam constrangidos em se tocar na presença das mulheres. Hoje, isso está completamente superado. Elas, por sua vez, aceitaram melhor o movimento g0y do que se esperava. Se no início havia muito mais homens, hoje está 'pau a pau"', diz o funcionário público Pedro (ele prefere não revelar o sobrenome), 42 anos, que em 2011 fundou um blog chamado "Fraternidade entre Homens", no qual falava sobre "brincadeiras homoeróticas". Inspirou-se em uma corrente surgida no fim dos anos 1990 entre universitários norte-americanos.
Pedro conta que tinha parcos 60 seguidores, até que em uma das postagens ele fez alusão ao movimento g0y dos Estados Unidos. "Bombou!", comemora. "Tive 20 mil visualizações em um único dia." A resposta positiva o levou a criar em 2014 o "Heterog0y", frequentado pelos adeptos do que ele chama de "soft-bi". A coisa cresceu. Em setembro, o blog realizou o 1º Encontro Nacional G0Y, que reuniu 180 pessoas em um sítio no Embu-Guaçu, grande São Paulo. Era para ser em Itatiba, a 85km de São Paulo, mas como a demanda por ingressos superou as expectativas, foi preciso transferir a festa para outro local, na última hora. "Não esperávamos tanta procura", diz Pedro, que cobra R$ 80 dos homens e R$ 20 das mulheres, "para a coisa ficar equilibrada". Detalhe: é permitido penetrar mulheres — não se deve perder de vista que os homens são héteros.
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Três heterog0ys relaxam na piscina, no encontro que o movimento promoveu em junho, no interior de São Paulo (Foto: website puroflex)
Penetração é nojento
Por vezes, o lado mandão dos "soft-bi" interfere na prática sexual. Segundo Pedro, um dos problemas enfrentados é que alguns querem receber sexo oral, mas não fazer. Ele minimiza a questão, afirmando que "isso acontece também entre héteros e até homossexuais". Nos encontros, o fundador do Heterog0y costuma estender a bandeira do movimento, composta por listas em diferentes tons de azul. Tal símbolo jamais será visto em paradas LGBT, porque, como já foi dito, os g0ys não admitem penetração. "É nojento!", reage o comerciante Silvio Oliveira, 47 anos, que encontrou seus pares pesquisando na Internet. Ele diz que, entre os companheiros de movimento, não sente falta de nada além de beijos, masturbação e sexo oral.
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Silvio frequenta os encontros heterog0ys com a atual namorada, a comerciante Noêmia Silva, 44 anos, que ele conheceu há dois anos em seu bar, em Guarulhos, grande São Paulo. "A gente se aproximou, e um dia ele me contou do movimento. Levei um susto, a princípio foi difícil aceitar", conta ela. "Mas aí eu fiquei curiosa e topei ir com ele a um encontro." Hoje, Noêmia não só é adepta do movimento, como também encampa teses como: "A maior parte dos homens é g0y, mas não admite." Ela, pessoalmente, diz que descobriu um prazer inaudito em assistir dois homens se beijando e indo além disso. A identificação com o movimento foi tamanha que Noêmia agora afirma que não consegue mais se ver "no mundo formal, dos casados". "Me sinto livre, 'fodástica'." Para ela, uma das vantagens de estar com o namorado nos encontros é que "não existe infidelidade". "O que a gente tem de fazer, faz na frente do outro. E o melhor, com prazer."
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Silvio e a namorada, Noêmia, não perdem um encontro g0y (Foto: Paulo Sampaio/UOL)
Evangélica compreensiva
O responsável pela manutenção do Heterog0y, Claudio Lapaz, 32, conta que é casado há sete anos com uma evangélica e mora em uma cidade conservadora do interior de Minas — dois supostos entraves para aceitação da "condição" dele. "Revelei para minha esposa que sou g0y há cinco anos. De lá pra cá, nosso relacionamento melhorou bastante; hoje, somos mais cúmplices, passamos mais horas juntos e tenho mais paciência para ouvi-la e entendê-la."
Lapaz explica que, por conta da religião da mulher, ele teve de conversar com o pastor da igreja que ela frequenta a respeito do seu "ponto de vista sobre a homoafetividade"."Considero que o afeto e o erotismo entre homens é permitido, desde que com limites claros e responsabilidades. Foi um momento tenso, isso aconteceu há aproximadamente três anos, mas foi superado." De acordo com Lapaz, o Pastor acabou concordando, "após conhecer um material g0y judaico" (que não tem nada a ver com o "g0y" que dá nome ao movimento, a começar pela grafia), defendendo essas posições na internet.
Homens afeminados não
No site do movimento, há regras bem claras para definir os princípios sexuais dos g0ys e evitar a entrada de penetras (com o perdão do trocadilho). Logo na página principal, se anuncia: "NÃO PARTICIPAM das nossas festas: Trans, homens afeminados, gays e homens singles de comportamento passivo." O heterog0y que ousa ser penetrado recebe um castigo mais severo: "O passivo será removido, e o ativo levará uma advertência; se for reincidente, também será removido". Parece contraditório, mas o site avisa que "posturas de homofobia e de heterofobia não são aceitas no nosso meio". Ainda de acordo com as normas de convivência, "tocar e ser tocado é permitido, mas não seja agressivo(a) na sua abordagem, da mesma forma do outro lado ninguém é obrigado a interagir, mas não grite e não dê tapas na mão de ninguém, apenas sinalize educamente e com elegância que não está afim. E você saiba que não é não. Não insista."
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Pedro explica que a diferença da prática heterog0y para o swing é que entre eles "o foco são os homens". "Em uma casa onde se realizam trocas de casais, a transa entre mulheres é comum, mas entre homens, não." Apesar de lançar mão de princípios rígidos para garantir a macheza dos participantes, o movimento não está livre do "duplo preconceito". De um lado, são rechaçados pelo que eles chamam de "héteros puristas" ("que não admitem sequer beijo no rosto"); por outro, pelos próprios homossexuais, que os consideram gays não assumidos. "Isso melhorou muito nos últimos tempos. Hoje, somos muito mais aceitos", acha Pedro.
Heterog0ys debaixo de um colchão inflável virado na piscina, em plena confraternização (Foto: website puroflex)
Karlos diz que seu bar vai funcionar como um espaço para encontros da "confraria g0y". Assim como nas festas nos sítios, a patrulha antigay estará a postos. Ele afirma que permitirá "brotheragem" (sacanagem entre brothers), ou, em inglês, "frottage" (esfregação). Em relação à admissão de novos membros, Karlos avisa que haverá um processo seletivo: "Se a gente vir que a pessoa não tem o perfil do movimento, vamos enviar uma carta para ela informando, num tom simpático, que infelizmente ela não preenche os pré-requisitos para fazer parte da confraria." Não confundir: quando ele usa o termo "membros", é como sinônimo de "sócios".
Sobre o autor
Nascido no Rio de Janeiro em 1963, Paulo Sampaio mudou-se para São Paulo aos 23 anos, trabalhou nos jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo, nas revistas Elle, Veja, J.P e Poder. Durante os 15 anos em que trabalhou na Folha, tornou-se especialista em cobertura social, com a publicação de matérias de comportamento e entrevistas com artistas, políticos, celebridades, atletas e madames.