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Garotas de programa contam experiências boas e ruins com clientes

Paulo Sampaio

24/07/2019 11h06

Foto: iStock

Morgana, 32 anos, é um tipo comum. Com 1,60 m de altura, nem magra nem gorda, tem os cabelos quimicamente lisos e exala desencanto. Ela não se ilude: "Eu sei que não tenho cara de puta, mas preciso ganhar dinheiro", diz. Em cerca de oito anos trabalhando como garota de programa, por períodos intermitentes, ela descobriu que o importante é "despertar a fantasia do cara". "Quem não tem corpão põe algo justo, curto, decotado, que dê ideia de 'má intenção', e os homens acham que é para eles. Vêm atrás. Sabe cachorro quanto persegue a bunda da cadela? Tipo isso. Um dia, um cara me disse que preferia as não tão bonitas, porque elas eram mais esforçadas. Eu não ligo, não estou ali para receber elogio. Mas tem que pagar bem."

E quem seria o bom cliente, e o mau? "Ih, o melhor, pra mim, é o que paga bem e termina rápido." Ela afirma que nunca vai se queixar de ejaculação precoce: "Isso é um problema da esposa dele. Ela é que pensa em longo prazo", ri. Morgana afirma que se considera "menos prostituta" que a mulher do cliente, "porque eu, pelo menos, tenho um preço".  Ela e as outras entrevistadas para este post dizem cobrar entre R$ 400 e R$ 600, a hora ("mas, claro, tem os generosos que dão um Plus").

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Dinheiro público

Em seu blog, a garota de programa Bruna Surfistinha, codinome de Raquel Pacheco, dava notas para os parceiros. Depois escreveu um livro, que virou filme (Marcus Baldini/2011) campeão de bilheteria. Foi assistido por 2,2 milhões de espectadores e, segundo a roteirista do longa, Antonia Pellegrino, gerou R$ 10 milhões em impostos diretos e indiretos. Ainda assim, é um tema que o presidente Jair Bolsonaro pretende banir do cinema nacional. Classificou-o de "ativismo". "Não posso admitir que, com dinheiro público, se façam filmes como o da Bruna Surfistinha. Não dá."

Morgana ri. "E alguém precisa ser ativista de puta em um país desses?", pergunta ela, que votou em Bolsonaro. "Não sou ligada em política. Segui a indicação dos clientes. Não estou nem aí. Pra mim, não muda nada."

Conversa mole

Assim como Morgana, cerca de quinze garotas aguardam a clientela no clube "frequentado por executivos (de acordo com informação do site)"Supostamente luxuoso, o lugar remete ao salão de um navio decadente. O blog esteve lá na noite de uma segunda-feira, depois de ser informado que "o movimento maior é nos dias de semana, porque nas sextas e sábados em geral o cliente fica com a família".

Imagina-se que seja mais fácil para um repórter gay, que não é parte interessada, nem interessante, observar com distanciamento o jogo de aproximação entre executivos e GPs. Mas ninguém ali quer encompridar a conversa com quem não mostra interesse em pagar. "Quer só bater papo? Não rola", diz Vanessa, uma loura de aparentes 32 anos. Apesar de estar incógnito, o blog é rechaçado pela maioria. Compreensível.

Desabafo de bêbado

Porém, três delas, em diferentes momentos, não resistem à tentação de contar em tom de bravata "o tipo de absurdo" que já ouviram dos clientes. Adrielle, 30 anos, um filho de 5, diz que "poderia escrever um livro e abrir um consultório de psicologia". "Eu nem me incomodo de ficar ouvindo desabafo de bêbado, mas cobro por hora, e adiantado: eles reclamam do casamento, da crise econômica, da reforma no apartamento, do sofá que a mulher está querendo para a sala, do problema com o carro…"

Nesse momento, me lembro da prostituta sueca Pye Jakobsson, 49 anos, presidente da Rede Mundial de Projetos para Trabalhadores do Sexo (NSWP), que entrevistei há quase dois anos em um debate na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP (Universidade de São Paulo). Perguntei se era mais fácil faturar com o cliente que não quer transar, apenas conversar; ela disse que não. "Gosto dos práticos, que pagam, transam e vão embora. Não sou psicanalista, não quero ouvir os problemas do cliente com a mulher dele."

Tipo penitenciária

Pye me contou que é casada com uma garota de programa, e eu quis saber se era razoável achar que as prostitutas tendem a se tornar lésbicas, em função da relação fria que desenvolvem com os homens. Ela: "Em um trabalho como o meu, é bem melhor encontrar uma mulher quando você volta para casa. Mas eu sou lésbica desde antes de começar na atividade", disse ela, que naquela ocasião trabalhava como profissional do sexo há 31 anos e cobrava 350 euros por atendimento ("é o pais da Europa onde o programa é mais caro").

A tese de que muitas prostitutas tomam "nojo" dos homens por se relacionar mecanicamente com eles, e se tornam lésbicas, é encampada por Sacha, ela mesma um exemplo. Com 39 anos, ela diz que começou "na vidaem um tempo em que não havia os sites de garotas — e isso as obrigava a ser gregárias: "Nas casas de massagem o ambiente era pesado, tipo penitenciária. A gente não podia se distrair que era roubada. A menos que arrumasse uma 'protetora'."

Atração e confiança

Não era difícil, naquele ambiente, se apegar "de verdade" à protetora. "Eu estava chegando do interior, não tinha ninguém. Você se sente desamparada", conta. Outros fatores levam quase que inexoravelmente à relação lésbica: "O programa  mais valorizado pelos homens é o sexo com duas mulheres. Todo mundo faz, porque pagam melhor, mas aí é melhor que seja com alguém em quem a gente confie, e por quem tenha atração, né?"

As garotas não têm vínculo com as casas noturnas, mas são muito bem recebidas em todas. Elas funcionam como chamariz de clientes dispostos a consumir. Passam a noite circulando de casa em casa, em busca da que tem a melhor clientela. Embora estejam cansadas de se conhecer da noite, as moças não se dirigem a palavra. Portam-se como concorrentes em um mercado selvagem: "Vale muito mais a pena anunciar em site. Você investe R$ 500 num anúncio e logo fatura muito mais do que isso. Mas eu ando sem dinheiro nenhum", diz Francine, uma negra de voz suave e sorriso encantador.

Com o acirramento da crise, muitas garotas de programa têm tentado colocação na rede profissional LinkedInque agrega oferta e procura de oportunidades no mercado de trabalho. 

Rodrigo Lombardi

Em cima de uma sandália cor de cobre com saltos muito altos, modelo pata de vaca, Francine se aperta em uma microssaia de tecido sintético elástico, preta, e uma frente única de animal print (estampa de onça) que parece aumentar os seios grandes, turbinados. Ela diz ter 29 anos e cursar o terceiro semestre de direito. "Hoje o movimento está péssimo", avalia ela, enquanto afofa o cabelo crespo e armado, e retoca o batom em um espelhinho que tirou da bolsa.

Ali perto, em uma mesa redonda de mogno com detalhes dourados, estão quatro moças. No conjunto, elas são atraentes. Separadamente, não têm nada de especial. Os poucos frequentadores bebem no bar, conversam com o gerente, examinam de longe as profissionais. Um homem de cerca de 70 anos sorri por baixo do bigode grande, arredondado, grisalho, e pisca na direção de Francine. Ela retribui com sinceridade, como se ele fosse o Rodrigo Lombardi.

Pão duro e brocha

Esquecido de que ninguém está ali para iniciar um romance, indico a ela um dos raros homens esteticamente aceitáveis do lugar. Francine responde com objetividade. "Ih, esse aí é pão duro, brocha e ainda reclama que a culpa é nossa", diz.

Diante de tanta queixa, pergunto se não aparece, nem de vez em quando, um cliente "bom de cama". "Quem procura garota de programa tem problema com sexo", acredita Francine. "Uns não gostam de mulher, da conversa dela, do cheiro, só do buraco. Outros querem fazer aqui o que não fariam em casa. As esposas também não ajudam. Tem uns que dizem que não recebem nem sexo oral delas. Imagine pedir um fio terra. Não é raro não, viu?", diz.

A mala é boa

Francine agora concentra seus esforços na direção de um barrigudinho careca que gargalha com um copo de uísque na mão. Sério? "Esse aí sempre deixa pra gente mais do que o combinado. Tira logo um bolinho do bolso. Ele leva e traz mala de dinheiro de empresário pra político. Conhece o povo da Lava Jato todo."

Pergunto se é no dinheiro que ela pensa quando faz sexo com ele. "Eu não penso em nada. Se pensar, paro no meio." Até que ponto o cliente que está pagando se sente no direito de ser atendido sem, por exemplo, tomar um banho antes? "Tem uns que pensam assim. Chegam depois de um dia inteiro de trabalho, vão ao banheiro com a porta aberta, não escovam os dentes, uma nojeira. Uma parte, eu tento resolver. Chamo para tomar um banho, brinco no chuveiro. Mas se o cara é sujo, e paga bem, tapo o nariz e vou."

Não é mais fácil encontrar um cara limpo, rico e mão aberta, e elegê-lo como "cliente fixo"? "Onde está esse cara? Me apresenta!"

Namorado não sabe

Francine sai com o gordinho. Eu me levanto, dou alguns passos e me sento ao lado de uma loura que se apresenta como Pamela, "28 anos". Está com um vestido sóbrio para os padrões do local: preto, justo, de alças finas. Tem uma flor tatuada um pouco abaixo da batata da perna. Conversamos. Ela percebe que não sou cliente, mas não é hostil. A medida em que me dá espaço, avanço nas perguntas.

Pamela explica que tem um namorado e que ele "não sabe de nada". Como?? "Ele não é da cidade. Mora no interior. Tem fazenda." Por que então não casa com ele? (Para um leigo, parece óbvio que, se o negócio é ganhar dinheiro, melhor tentar com quem se gosta). Ela responde meio sem energia: "A gente vai casar".

Presentes e viagens

Para Pamela, não é ruim trabalhar como garota de programa: "Eu tenho uma agenda legal, de clientes que me pagam bem, me tratam bem, me dão presentes, me levam para viajar. Já fui até pedida em casamento".

Se é assim, o que será que faz naquele inferninho de luxo? "Eu combinei com um cliente, mas acho que ele me deu um perdido."

Boas surpresas

Pamela parece ter ficado mais seduzida pelo pedido de casamento feito pelo cliente do que pelo fazendeiro. Comento. Ela não sabe explicar. Pelo pouco que consegue dizer, eu entendo que a vida que o cliente poderia proporcionar é muito mais estimulante, cheia de boas surpresas.

Em algum lugar, porém, ela sabe que essa percepção deve ser mantida no campo da fantasia. Diz que não aceitou nenhum dos dois pedidos porque não gostaria de "ficar presa". "Quero ter minha liberdade, sem ser cobrada."

Planos para o futuro?

"Então, casar com o fazendeiro…Mas não já…"

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Sobre o autor

Nascido no Rio de Janeiro em 1963, Paulo Sampaio mudou-se para São Paulo aos 23 anos, trabalhou nos jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo, nas revistas Elle, Veja, J.P e Poder. Durante os 15 anos em que trabalhou na Folha, tornou-se especialista em cobertura social, com a publicação de matérias de comportamento e entrevistas com artistas, políticos, celebridades, atletas e madames.