Acusado de matar mulher em 2002, Sergio Nahas é condenado a 7 anos
Acusado de matar a mulher em setembro de 2002, o empresário paulistano Sérgio Nahas, 54, foi condenado ontem a 7 anos de reclusão, em regime semiaberto. Pode recorrer em liberdade. A estilista Fernanda Orfali estava casada com ele havia seis meses, quando foi morta no apartamento onde o casal morava, em Higienópolis, zona central de São Paulo. Nahas teria puxado o gatilho quando Fernanda descobriu a relação dele com travestis — de quem comprava cocaína. A bala ricocheteou na coluna vertebral dela e atingiu seu coração. A estilista tinha, então, 28 anos. Ele, 38.
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Em 16 anos, Sergio Nahas ficou preso 37 dias, por porte ilegal de armas — descobertas pela polícia no dia do crime. A princípio, o empresário foi acusado por homicídio duplamente qualificado (recurso que impediu a defesa da vítima e motivo torpe). A sentença inicial afastou a primeira qualificadora e manteve a segunda. A promotoria recorreu para manter a primeira; a defesa recorreu para afastar a segunda. O Tribunal de Justiça acolheu as duas apelações, mantendo assim apenas o recurso que impediu a defesa da vítima.
Mais tarde, o STF (Supremo Tribunal Federal), atendendo a um pedido dos advogados de Nahas, afastou também o recurso que impediu a defesa da vítima — dizendo que a apelação da promotoria tinha sido feita fora do prazo. (Quem defende Nahas é a criminalista Dora Cavalcanti, que foi sócia do ex-ministro da Justiça Marcio Thomaz Bastos (1935-2014). Dora se orgulha de ser fundadora da ONG Innocence Project Brasil, que presta serviço a vítimas de erro judicial).
Com a "queda" da segunda qualificadora, o crime deixou de ser hediondo e, assim, Sérgio Nahas tornou-se réu por homicídio simples — cuja pena varia de 6 a 20 anos de prisão. A pena por crime hediondo varia de 12 a 30 anos. "Ele cumpre 1/6 da pena e pode conseguir progressão para o aberto", explicou o promotor. "Significa que, por matar uma pessoa há 16 anos, ele vai pegar, se pegar, um ano de cadeia, menos o mês que ele esteve preso por porte de armas."
Júri adiado duas vezes
O júri foi adiado duas vezes. Na primeira, que seria depois do feriado de Finados do ano passado, a defesa encaminhou ao Tribunal de Justiça nas vésperas do julgamento (31 de outubro) um parecer em que reforçava a argumentação de que a vítima sofria de depressão e por isso se matou. "O texto tem 53 laudas, dez documentos, e só me foi dado à ciência na quarta-feira, às 17h30. Imagine ler e avaliar esse conteúdo a dois dias do juri", disse o promotor.
Familiares de Fernanda afirmam que ela nunca foi a um psiquiatra até se casar. "A Nanda era a pessoa mais alegre da casa, fazia brincadeira de tudo, carregava 18 batons na bolsa, não consigo nem imaginá-la tentando se matar", diz o irmão dela, Júlio Orfali.
O segundo adiamento, em março, foi por decisão do ministro Celso de Mello, do STF, que queria avaliar justamente o pedido de Dora Cavalcanti para derrubar a segunda qualificadora (recurso que impediu a defesa da vítima). Romeu Zanelli afirmou que "o Celso de Mello, pessoalmente, foi contra o recurso, porque entendeu que o prazo contava a partir do momento em que o promotor dava o seu carimbo". "Mas então ele disse que teve de acatar a decisão do colegiado (ministros do STF) como um todo."
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Seis a uma
Com seis jurados homens e uma mulher, o julgamento começou na tarde de quarta-feira e se estendeu até a noite de ontem. Ao sustentar a alegação de que Fernanda Orfali sofria de depressão e que, por isso, se matou, a defesa citou laudos preparados por peritos particulares. Também apresentou estatísticas, para provar que suicídios são algo mais comum do que se imagina: "Se pegarmos os números, pelo menos cinco pessoas que estão aqui nesta sala já pensaram em se matar", afirmou Dora Cavalcanti.
A acusação retorquiu que os peritos contratados pela defesa tinham a finalidade de comprovar que o réu era inocente — já que foram pagos pela própria defesa. Zanelli citou os móveis revirados na sala do apartamento do casal, as marcas de arrombamentos nas portas e o resíduo de pólvora encontrado na camiseta que Nahas usava (que a defesa atribuiu à contaminação que teria ocorrido quando ele abraçou a mulher). Amparado no laudo oficial, feito pela polícia científica a pedido do Ministério Público, Zanelli afirmou que os peritos descartaram a possibilidade de contaminação, uma vez que a quantidade de pólvora encontrada na camisa dele era ínfima.
Sorriso sem graça
Sentado à esquerda de seus advogados, o réu usava uma calça azul marinho e uma camisa social azul clara; jaqueta escura; tênis de couro preto, com bordas brancas. Nahas comprimia os lábios, curvados para baixo nas extremidades, quando alguma testemunha de acusação fazia alusão à cena do crime, ao vício dele em cocaína ou a sua homossexualidade. Com as mãos unidas na altura das coxas, mexia os dedos nervosamente. Em poucos contatos visuais com a audiência, sorria sem graça para os familiares, sentados na primeira fila do lado direito da tribuna.
Ele respondeu às perguntas do juiz com voz vacilante, especialmente na parte em que explicou como adquiriu as armas que tinha em casa, e também o que ocorreu em um de seus sumiços, para comprar droga, atribuído a um "sequestro relâmpago" ("isso nunca saiu da minha boca"). Quando pediram para que descrevesse "o dia dos fatos", as palavras saíam repetidas e ele chegou a gaguejar. A defesa solicitou ao juiz que o réu não respondesse às perguntas do promotor, afirmando que o Ministério Público não estava interessado no esclarecimento da verdade, e sim em causar tumulto — o que não se verificou pela reportagem.
Zenelli queixou-se de que a advogada estava tentando desqualificar a promotoria e disse que a defesa é que aumentava o tom de voz quando era contestada. Aconteceu algumas vezes. Antes de o promotor começar sua fala, na hora do almoço, a defesa quis distribuir para os jurados trechos que considerava importantes do processo. O promotor argumentou com o juiz que a leitura dos papeis tiraria a atenção dos jurados enquanto ele estivesse falando. O juiz pediu então que a defesa não distribuisse. "Eles tentam prejudicar a outra parte das maneiras mais baixas", disse Zanelli.
Cálice de vinho
As testemunhas de defesa contaram que às vésperas do crime Fernanda estava triste, deprimida e que falava em "sumir". Uma empregada da casa afirmou que ela passou o dia na cama, bebeu um cálice de vinho e estava com a "voz mole". O psiquiatra dela rompeu o sigilo profissional e falou que Fernanda chegou a telefonar para ele, pouco antes de morrer, dizendo que cometeria suicídio, e que ele a aconselhou a ligar para alguém da família. O promotor perguntou aos jurados se eles já haviam ouvido falar de algum médico, "especialmente um psiquiatra", que contasse os segredos de seu paciente em público. E ironizou: "Se ela pretendia mesmo se matar, por que ligou naquele momento para o irmão, pedindo para ir buscá-la? Era para buscar o corpo?"
A mulher de Nahas, Hilária, disse que o marido se mostra "meigo", "bom pai" e que é "incapaz de matar um escorpião".
A maior parte das testemunhas de acusação arroladas contou basicamente a mesma história. A princípio, Sérgio era galanteador e apaixonado, mostrando-se com o tempo machista, repressor e violento. Por sua vez, era dado a sumiços — atribuídos depois à compra de droga. No primeiro desaparecimento, o pai de Sérgio convenceu os familiares de Fernanda de que registrar um boletim de ocorrência na delegacia (pelo suposto sequestro relâmpago) era mera burocracia, não levaria a nada.
Seis meses depois, na véspera do crime, ele sumiu de novo. Saiu batendo porta, depois de uma briga com a mulher porque ela ia sozinha com uma amiga ao cabeleireiro. Desconfiada e desiludida ao mesmo tempo, ela decidiu ir embora de casa. Na ocasião, ao impedir a mulher de sair, Sérgio teria sido confrontado por ela com as informações sobre a relação com travestis e as drogas. Foi então que ele teria perdido a cabeça e a matado.
Quatro a um
O júri declarou o réu culpado por 4 votos a 1. Quando se atinge a maioria, não se prossegue a votação até os sete jurados. O juiz Luiz Felipe Vizotto Gomes estabeleceu a pena de 7 anos em regime semiaberto. Se for condenado em segunda instância, Nahas pode progredir para o regime aberto em pouco mais de um ano.
O réu saiu do Fórum da Barra Funda, em São Paulo, acompanhado de seus advogados e de familiares. Não quis dar entrevistas. O promotor lamentou o fato de a Justiça, no Brasil, abrir tantas brechas processuais, a ponto de permitir que um caso de assassinato seja julgado quase 20 anos depois. "A sentença de pronúncia foi em 2004, e desde então a defesa entrou com todos os recursos possíveis e imagináveis. Agora que esgotou a primeira fase, vai começar tudo de novo", disse Romeu Zanelli. Para o advogado Augusto de Arruda Botelho, um dos que defenderam Nahas, "as questões referentes a apelações e recursos até aqui foram incidentais do processo".
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